Numa área em que há muito para descobrir, dizer e aprender.
Cruza gramática com leitura, numa perspectiva de gramática textual.
Q: No verso d' Os Lusíadas "Esta é a ditosa pátria minha amada", 'esta' e 'minha' podem ser ambos deícticos pessoais?
R: Uma primeira questão a considerar é o facto de não estarmos a trabalhar com um contexto de produção discursiva cujas coordenadas temporais, espaciais, pessoais possam ser encaradas senão no plano do literário e da ficção. Nestes termos, e porque estamos perante um discurso que reproduz a voz enunciadora de Vasco da Gama (enquanto personagem da epopeia camoniana), 'minha' pode assumir a natureza deíctica dessa voz configurada num discurso dirigido ao rei de Melinde. Relativamente ao pronome demonstrativo 'esta', naturalmente há uma noção de proximidade entre aquilo que é referido e o enunciador que o enuncia; não considero, contudo, que estejamos perante uma marca pessoal que reflecte uma das coordenadas do contexto de produção do discurso.
R: Uma primeira questão a considerar é o facto de não estarmos a trabalhar com um contexto de produção discursiva cujas coordenadas temporais, espaciais, pessoais possam ser encaradas senão no plano do literário e da ficção. Nestes termos, e porque estamos perante um discurso que reproduz a voz enunciadora de Vasco da Gama (enquanto personagem da epopeia camoniana), 'minha' pode assumir a natureza deíctica dessa voz configurada num discurso dirigido ao rei de Melinde. Relativamente ao pronome demonstrativo 'esta', naturalmente há uma noção de proximidade entre aquilo que é referido e o enunciador que o enuncia; não considero, contudo, que estejamos perante uma marca pessoal que reflecte uma das coordenadas do contexto de produção do discurso.
Considerando o verso isoladamente, diria que o pronome 'esta' está referencialmente associado a 'a ditosa pátria minha amada', num mecanismo de antecipação referencial conseguida pelo pronome (uma construção que evidencia uma catáfora, portanto).
É conveniente, entretanto, proceder à contextualização do verso na obra: insere-se no discurso directo de Vasco da Gama (no canto III - est. 21), que, segundo o poeta-narrador da viagem, se encontra junto a Melinde e vai passar a assumir a narração do plano da História de Portugal - precisamente quando começa a situar Portugal geograficamente. Já na estância 20, ao referir-se a Portugal, Vasco da Gama diz "Eis aqui, quase cume da cabeça / De Europa toda, o Reino Lusitano, /...". O 'aqui' no plano da ficção narrativa também não pode ser entendido como deíctico (uma vez que Vasco da Gama se encontra em Melinde, não em Portugal); é um advérbio contíguo a um outro ("Eis") utilizado no âmbito de um exercício de transposição para a descrição geográfica que é representada mentalmente pelos interlocutores e que, de alguma forma, organiza, estrutura o processamento faseado do próprio discurso. Ora, na articulação da estância 20 com a 21, o que "Esta" faz é retomar uma sequência textual descritiva, fazendo progredir a referencialidade temática do antecedente "o Reino Lusitano" (est. 20) para "a ditosa pátria minha amada" (est.21) - um mesmo referente (Portugal) só que agora fortemente modalizado, na perspectiva enunciativa de alguém que é suspeito para falar da sua própria nação.
Assim, discordo da classificação de "esta" como deíctico (pelo sentido mostrativo e de referencialidade directa ao contexto de produção discursiva que associo a esta classificação); assumo o pronome como uma marca de construção anafórica / catafórica (textualmente retomando um antecedente e/ou antecipando um referente modalizado), conforme o anteriormente explanado.
A abordagem de certas áreas de análise linguística, como as que se associam à deixis ou mesmos aos actos de fala, requer alguma precisão de leitura e de análise dos textos, particularmente as que, no presente caso, espelham condições de produção do discurso. Talvez fosse conveniente seleccionar, para o trabalho didáctico dos deícticos, textos que reflectissem contextos enunciativos menos problemáticos, a ponto de permitir uma distinção mais clara no que à construção de referência diz respeito (por exemplo, a que permite contrastar a referência deíctica com a anafórica).
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