sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Ai estas mudanças... já não são como soíam...

      Nem tudo o que parece incompreensível o é na verdade. Já se referiu algo neste sentido. Perante a questão, nada como pesquisar e, quem sabe, descobrir a razão no que alguns estudos já demonstraram.


     Q: Achas possível dizer-se que só o 'mas' é conjunção coordenativa adversativa? E o mesmo acontece para o 'e' (aditiva)? E com as restantes conjunções coordenativas?


Pormenor de Trivium (Gramática, Dialética, Retórica)
Manuscrito 1041-2, Paris, Biblioteca St. Geneviève

Ilustração da Gramática segurando uma pena, apontando um dedo regulador a um aluno, além de revelar o olhar próprio de quem aconselha e orienta na aprendizagem.

    R: Prototipicamente, fazem sentido as afirmações pressupostas nas duas questões inicialmente formuladas. Isto porque, caso se entenda por conjunção a classe de palavras que introduz um constituinte ou uma oração coordenada ou subordinada, não deixa de se reconhecer, formalmente, alguma distinção entre esta e os advérbios conectivos.
     Entre as propriedades das conjunções contam-se as seguintes:
   (i) ocupam a posição inicial ou introdutória do termo coordenado / subordinado (sem possibilidade de deslocação);
      (ii) co-ocorrem com outros conectores.
     Neste sentido, o 'mas' é a conjunção prototípica da coordenação adversativa (ex.: "Estudei muito, mas tirei má nota no teste"); o mesmo sucede com outras conjunções prototípicas: 'e' - aditiva ou copulativa; 'ou' - disjuntiva; 'logo' - conclusiva; 'pois' - explicativa.
     Os restantes termos adversativos, tradicionalmente considerados conjunções ('contudo', 'todavia', 'porém') também o podem ser, por conversão, quando se comportam da mesma forma que o 'mas' proposto no exemplo (numa substitução directa). Registam-se, ainda assim, outras realizações em que o comportamento discursivo destes últimos adquire um sentido semântico-pragmático associado a operações de contraste / oposição numa dimensão de conexão (não circunscrita a coordenação), de reforço, de reformulação, de regulação conversacional, de enfatização ou marcação fática. Daí, poderem ser encontrados a par das conjunções prototípicas ('O Pedro estudou muito, mas, no entanto, não conseguiu ter um bom resultado no teste') ou, ainda, de construções de parataxe, com frases simples ('O Pedro estudou muito. Não conseguiu, no entanto, ter um bom resultado no teste'). Assim, nestes últimos cenários não há a função de coordenar (assegurada pelas conjunções); há, antes, marcadores discursivos, instruções semântico-pragmáticas que exploram efeitos discursivos e /ou orientam processos de interpretação (sem classificação em termos de sintaxe). Daí também a classificação destes termos mais como 'advérbios conectivos' do que conjunções (por estas últimas estarem marcadas pela conversão e pelo comportamento restrito à introdução de sequências coordenadas e/ou subordinadas).
    Enquanto advérbios conectivos, não se trata tanto de abordar a composição de frases complexas (coordenadas); o que está em causa é um processo de conexão de natureza mais discursivo-pragmática.
    Procurando ultrapassar esta especificidade científica, algo complexa para os alunos do básico e secundário, tendo nas minhas aulas a utilizar um termo mais genérico: o de conector. Tanto na composição das frases como na funcionalidade pragmático-discursiva, prevalece o sentido comum de articular, conectar, ligar segmentos, sequências relevantes para a oralidade e/ou para o escrito, segundo uma determinada lógica significativa. Neste sentido, um projecto de articulação orientado para a gramática das línguas acabaria por criar afinidades tanto com o Inglês - que recorre ao 'conector' - como com o Francês - que convoca o termo 'connecteur'.

     Na aceitação do exposto, outro caminho se impõe: o da abertura a uma mudança que não se faz por decreto, portaria ou despacho. Nesse espírito, é possível construir (algumas) alternativas. Entre o saber científico e a prática pedagógica, as pontes a construir são mais vantajosas para todos: os que aprendem e os que ensinam. Maior segurança para todos.

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