sábado, 20 de fevereiro de 2010

Se bem me lembro... outra vez

      Neste dia, ao ano de 1978, falecia o escritor e professor Vitorino Nemésio com 76 anos.

      Dele se registou lembrança por razões de nascimento. Chegou a vez da morte.
    Nesta ligação de contrários se faz a vida, a lembrar um dos poemas nemesianos, também feito  de (re)encontro(s).



A CAMINHO DO CORVO
À Maria Gabriela e ao Rodrigo,
primos filiais

A minha vida está velha
Mas eu sou novo até aos dentes.
Bendito seja o deus do encontro,
O mar que nos criou
Na sede da verdade,
A moça que o Canal tocou com seus fantasmas
E se deu de repente a mim como uma mãe;
Pois fica-se sabendo
Que da espuma do mar sai gente e amor também.
Bendita a Milha, o espaço ardente,
E a mão cerrada
Contra a vida esmagada.
Abençoemos o impossível
E que o silêncio bem ouvido
Seja por mim no amor de alguém.

25.7.1969

in Sapateia Açoriana, Andamento Holandês e outros poemas,
Lisboa, Arcádia, 1976, p. 13

     Na ideia da reconciliação com a vida, na consciência das suas contradições e do inesperado que contém; na força da musicalidade, da visão tão marcadamente insular atenta à universalidade do ser; na experiência pessoal aliada à transfiguração poética; na capacidade de se deixar surpreender pelo que o real e a envolvência do ser têm para dar, desenha-se a flor para um fruto que tem na poesia saber e sabor.

    Desaparecido no mesmo ano de Jorge de Sena, Vitorino Nemésio retratou-se como poeta implicado no encontro de si mesmo, no saber de si - autognóstico; uma forma de compreender o mundo no seu desconcerto universal.

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