quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Parassíntese: velha questão?

     Retomada a formação de palavras, por uma questão que já vai sendo clássica.

  Q: Entendendo que a parassíntese é um processo de formação de palavras obtido pelo uso simultâneo de um prefixo (constituinte morfológico colocado à esquerda de uma base derivante) e de um sufixo (constituinte morfológico colocado à direita de uma base derivante), acha que 'deslocalizar' é um bom exemplo a dar?

  R: Naturalmente que não. A palavra 'deslocalizar' obedece a uma sequência de etapas de formação diferenciadas: a partir de 'local' forma-se 'localizar' e, depois, 'deslocalizar'. Ou seja, por muito que na palavra derivada subsistam um prefixo e um sufixo, estes dois constituintes morfológicos não são simultaneamente integrados no processo de derivação. Prova disso é o facto de haver apenas a palavra sufixada ('localizar'). 'Deslocalizar' é um exemplo de derivação por prefixação e sufixação.
    Na parassíntese, prefixo e sufixo funcionam como se de um operador morfológico apenas se tratasse, isto é, dois constituintes que não são autónomos, apesar de separados pela base (funcionam como correlatos morfológicos) - daí a natureza simultânea do processo de formação. É o caso de palavras como 'endoidecer', 'aterrorizar', 'esbracejar' (verbos derivados a partir de nomes pela adjunção simultânea do prefixo e do sufixo, sem que possa existir a forma apenas sufixada ou apenas prefixada).
    Pela especificidade deste processo, há linguistas que preferem atribuir-lhe a designação de 'circunfixação' (caso da Professora Graça Maria Rio-Torto, conforme se pode ler na obra Morfologia Derivacional - Teoria e Aplicação ao Português).

  A propósito da parassíntese, houve já uma questão formulada, para a qual se remete, complementarmente, o presente esclarecimento.

10 comentários:

  1. Meu caro Vítor,

    Pois eu cá prefiro "parassíntese" a "circunfixação"!
    Que me desculpe a ilustríssima Doutora, mas a última pode confundir os nossos pequenos! Senão vejamos: em História falam de "circum-navegação", em Biologia e afins de "Circuncisão", em Ed. Moral e Religiosa de "Crucificação"... Eh eh eh... São todas muito parecidas! Não.
    Parassíntese está bem! E o mais engraçado é que os miúdos até percebem bem o conceito, quando lhe apresentamos alguns exemplos que, por acaso na grande maioria, são verbos e alguns adjectivos.

    Só para desanuviar!
    Um bom ano lectivo para todos!

    IA

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  2. Valha-me Deus! Do que esta gente se lembra! Ainda bem que é para desanuviar!

    E quanto às preferências, só posso dizer que te compreendo; mas também entendo a autora, quando ela explica por que motivo tende, à semelhança de outros estudiosos, para o termo de circunfixação. Só posso aconselhar a leitura dos artigos da obra indicada, intitulados "Operações e paradigmas genolexicais do português" e "Esquemas de circunfixação em português", para maior esclarecimento. Genericamente o que está em causa é a derivação simultânea por afixação (prefixada e sufixada, na circunfixação) e a derivação sucessiva (na parassíntese, com a circunfixação expandida por novas derivações, como será o caso dos adjectivos a que fazes referência - ex.: enobrecido, apodrecido).

    Retribuição de votos de bom ano lectivo para todos e para ti em especial.

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  3. Excelente sua explanação sobre o assunto. Agora, uma pergunta, o que o senhor pensa a respeito do Acordo Ortográfico? Sou brasileira e senti-me um pouco à vontade com o mesmo. Um abraço. Lana

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  4. O agradecimento e o abraço do reconhecimento, para Lana, por me ter ofertado palavras gentis e o renovado espanto de que este espaço vai sendo lido por mais pessoas do que as que já me são familiares. Quanto à questão formulada, a resposta será conduzida para novo 'post'. Muito obrigado e 'boas viagens' na carruagem 23.

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  5. Professor,

    quanto à palavra "encarnado", gostaria de saber o processo de formação dela. Estou na dúvida, porque não tenho certeza se "ado", nesta palavra, é sufixo ou desinência verbal do particípio. Enfim, gostaria de entender bem isso.

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  6. Prezada Daniele,

    Dado o interesse da questão, vou reconduzir para um 'post' autónomo, que encontrará neste blogue com a data de hoje. Obrigado pela questão e pela "viagem nesta carruagem".
    Cumprimentos.
    VO

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  7. Ricardo Hoffman - Belo Horizonte-Brasil

    Boa tarde, professor.
    Vi a pergunta inicial deste "post" que me intrigou a tecer certos comentários acerca do assunto. Sou professor de língua portuguesa no Brasil e trabalho em escolas de preparação para concursos públicos. Desde já, manifesto minha admiração por este sítio inovador e instrutivo.

    Quanto ao estudo da parassíntese, perante valiosa explanação de outrora, gostaria de ressaltar que muitos professores evitam trabalhar os conceitos de raiz, valendo-se apenas da definição e do emprego da palavra radical.

    Veja como é de suma importância:
    RENOVÁVEIS - derivação sufixal
    re - prefixo
    renov - radical
    a - vogal temática
    vel - sufixo
    s - desinência de número plural

    Não obstante, um aluno pode-se perguntar por que tal processo de formação não é um caso de parassíntese, já que há o acréscimo simultâneo de prefixo e de sufixo. E mais: é criada a palavra "renova", embora não exista "nováveis". Então que processo fora utilizado? Em tese, o prefixo cumpriu a sua função derivacional, que é a de formar palavra nova uma vez unido a um radical. Não seria, então, um caso de derivação prefixal e sufixal?


    Pois bem:

    1) a parassíntese é um processo de formação de palavras curioso em que são criadas FORMAS VERBAIS a partir de substantivos ou de adjetivos; ocorre quando os dois afixos presentes no vocábulo (um prefixo e um sufixo) são acrescentados simultaneamente ao radical (Said Ali - Gramática Histórica), logo a forma adjetiva analisada não poderia ser parassíntese;

    2) no processo de derivação prefixal e sufixal, cada afixo cumpre o seu papel e forma palavras, o que não acontece teoricamente se retiramos o prefixo -re(nováveis não existe);

    3) nov- é a raiz da palavra, não o radical.

    Logo concluo que o prefixo -re uniu-se à raiz -nov para formar um radical. Além disso, deixou de ser derivacional para ser flexional, assim como as desinências. Nesse ínterim, tem-se o sufixo -veis. Assim sendo, a palavra foi formada pelo processo de DERIVAÇÃO SUFIXAL.

    Acho relevante que os leitores de seu sítio levem em consideração tais análises (por sinal muito cobradas pelas bancas examinadoras brasileiras) para não incorrerem em erros numa prova de concurso público mormente.

    Em tempo, gostaria de ler suas análises acerca do processo de formação das palavras DESFIAR e ENCORAJAR, porquanto da finalização de gramática normativa a qual pretendo unir informações dos melhores mestres.

    Muito obrigado pela atenção desprendida!

    Amplexos
    email: ricard_ho@hotmail.com

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  8. Caríssimo Ricardo,

    Relativamente à proposta final, trato de a abordar em apontamento posterior e autónomo, dado o relevo a dar às análises solicitadas.
    Acerca da necessidade do termo 'raiz', registo apenas que, em termos gramaticais, o 'Dicionário Terminológico' (referencial da nomenclatura gramatical utilizado em Portugal, desde 2008) não contempla esse termo ao nível da morfologia. Aparece, sim, 'radical' enquanto constituinte morfológico que contém o significado lexical e exclui os afixos flexionais (podendo contar com os derivacionais).
    Quanto à explicação da formação de 'renováveis', cumpre-me dizer que o termo entra na língua portuguesa por via latina já com a forma 'renovāre'; daí não se considerar a presença do prefixo 're-' (que já provém do étimo latino). 'Renováveis' é um adjectivo deverbal, formado por derivação por sufixação (a partir da base 'renov-' ([[[renov]a]vel]).
    Com a agradecimento do contacto e das palavras gentis, subscrevo-me com toda a consideração.
    Votos de bom trabalho.
    Cumprimentos.

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  9. Professor, a respeito da análise da palavra "deslocalizar", suscitaram-me algumas dúvidas. É o caso de palavras como desvalorização, empobrecimento e irreconhecível. Aquela é formada por prefixação e sufixação ou apenas por sufixação, já que é sabida a análise sobre encadeamento de formações diferenciadas a partir de valor, valorizar, desvalorizar, desvalorização? Essa é formada por parassíntese ou por sufixação (pobre-empobrecer-empobrecimento)? E a última é formada por prefixação ou por parassíntese (conhecer-reconhecer-???)? Obrigado!

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    1. O interesse da questão motiva um apontamento autónomo.
      Assim seja.
      Obrigado pelas questões.

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