quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Uma questão de género

     Porque a tradição já não é o que era (pois já não é suficiente).

      Q: Qual é a sua opinião sobre esta definição de género - "Categoria morfossintáctica que permite a distinção entre masculino e feminino. Esta categoria aplica-se aos nomes (à excepção de algumas situações específicas), aos adjectivos (salvo os que são uniformes) e ainda a alguns pronomes. No caso de se tratar de um animal ou de uma pessoa, a distinção de género coincide com a distinção de sexo"?

      R: Trata-se de uma definição que conjuga alguns pontos comuns a muitas outras tentativas de definição (entre as de cariz mais morfológico, as de âmbito sintáctico e até as de natureza filosófica).
       Não se pode confundir o que são situações típicas (o contraste morfológico '-o/-a' pode ser assumido como típico na língua portuguesa) com realizações que as ultrapassam. Registe-se que há um reduzido número de casos que exemplificam o contraste atrás mencionado (para não falar ainda dos que assentam no de morfema Ø / -a); há inúmeras ocorrências que não o cumprem, recorrendo-se, por exemplo, ao mecanismo morfológico da composição de palavras (ex.: elefante-macho / elefante-fêmea). Não é também por acaso que já Lindley Cintra e Celso Cunha, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, privilegiavam o critério sintáctico como o mais estabilizador (recorrendo ao determinante que antecede o nome, por exemplo). Mais: o contraste de género nem sempre se faz por meios morfológicos ou sintácticos. Há contrastes que são de âmbito lexical (ex.: bode / ovelha; pai / mãe) ou, inclusive, de natureza fonológica (ex.: avô / avó). Acho que há aqui vários contra-exemplos para se admitir que a tradicional distinção entre 'género gramatical / género natural' é uma falsa questão em termos linguísticos, não ajudando a agrupar as palavras no contraste de género. Cria apenas confusões e afasta do que possa ser uma sistematização estritamente linguística.    
     Em termos linguísticos, proporciona-me um conjunto de perguntas:
     i) E os determinantes / quantificadores? Também não fazem contraste de género (meu livro / minha caneta, teu casaco / tua saia; um caminho / uma estrada, quantos bolos / quantas bebidas)?    
     ii) Qual o contributo filosófico para a definição linguística do género? (se, nos animais, cobra é do sexo feminino, como será o masculino? Tubarão é do sexo masculino? Como será quando for feminino? E o contraste lagarta-lagarto é uma questão de género associado a sexo ou será que estamos a referir um tipo de animal diferenciado? No caso das pessoas, profeta é feminino? Polícia é feminino? E canalha? Feminino? Como será a versão masculina?)

    Enfim: questão algo complexa para ser apresentada como a definição a propõe.    

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