Na epopeia do trabalho, as mãos cumprem o lema do "pôr mãos à obra".
Na revista Única, datada de 1 de Maio de 2009 (Dia do Trabalhador), uma série de fotografias de Ana Baião teste-munha a importância das mãos, sinedoca-mente representati-vas dos obreiros que estiveram na cons-trução de obras em-blemáticas do país.
Um registo que fez relembrar Saramago, e o Memorial do Convento, bem como o domínio da epopeia do trabalho - relevada face a uma farsa palaciana que coloca o Luís XIV português (D. João V) a construir paródica e inabilidosamente a basílica de S. Pedro de Roma, como se de um jogo de Legos se tratasse.
Relembre-se o segmento (cap. XIV) que fala das mãos, que fala das obras:
"Dias passados, estando Bartolomeu de Gusmão na capela real, veio o italiano falar-lhe. Trocadas as palavras de primeira circunstância, saíram por uma das portas que, debaixo das tribunas do rei e da rainha, davam para a galeria por onde se entrava no palácio. Para lá e para cá discorreram. (...) Em tom que facilmente dava a entender não ser essa a matéria importante que ali se iria tratar, disse Domenico Scarlatti ao padre, El-rei tem na sua tribuna uma cópia da basílica de S. Pedro de Roma que ontem armou na minha presença, foi para mim honra grande, Com que a mim não me distinguiu nunca, (...), Dizem-me que el-rei é grande edificador, será por causa disso este seu gosto de levantar com as suas próprias mãos a cabeça arquitectural da Santa Igreja, ainda que em escala reduzida. Muito diferente é a dimensão da basílica que está a ser construída na vila de Mafra, gigantesca fábrica que será o assombro dos séculos. Como se mostram variadas as obras das mãos do homem, são de som as minhas, Fala das mãos, Falo das obras, tão cedo nascem logo morrem, Fala das obras, Falo das mãos, que seria delas se lhes faltasse a memória e o papel em que as escrevo. Fala das mãos, falo das obras."
Das mãos se fala a propósito da composição musical nascida de um cravo, do amor natural sinalizado com o sangue que nos alimenta, dos sonhos que nos fazem voar em direcção ao desejo, das pedras erguidas que cimentam a memória, da construção narrativa de um romance.
Reprodução do discurso nobel de Saramago (1998) - a propósito de Memorial do Convento (1982)
Há obras que se afirmam pela sua singularidade: Memorial do Convento é exemplo disso no estilo de escrita, no conteúdo profundamente humano das histórias que propõe, na visão da justiça e da humanidade que ingredientam um Quinto Império (espiritual, cultural, humanista) que só algumas personagens têm hipótese de construir, na verdade e sinceridade que vivem e sentem.
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