Das estranhezas (e das grandezas) que a nossa língua tem... E hoje já ouvi falar de uma outra: a de "levantar voo".
Q: Na frase "O polícia deu de caras com o ladrão", qual é a função sintáctica de "de caras"? Complemento oblíquo?
R: Este é um exemplo em que o verbo 'dar' é utilizado como elemento integrante de uma combinação fixa de palavras, ou seja, uma combinação em que os termos constituintes não podem ser comutados. Neste sentido, 'dar de caras com' funciona como uma expressão lexicalizada ou fraseologia com um significado próximo de 'encontrar'. O mesmo sucede, por exemplo, com "dar (o) corpo ao manifesto": a significação resulta da combinação total dos elementos, impossibilitando a utilização de outros termos; não se podendo comutar nenhum dos termos, sob pena de se alterar o sentido total da expressão. 'Dar', neste contexto, afasta-se do seu estatuto de palavra lexical, passando a ser utilizado como verbo fraseológico.
Perante esta caracterização (a apreensão de sentido como um todo, como um bloco), não há propriamente função sintáctica na expressão solicitada. A sintaxe não considera a estrutura interna destas estruturas fixas, estáveis ou fechadas. Além disso, os tradicionais testes aplicados à identificação das funções sintácticas (questionação, anaforização, por exemplo) não fariam sentido neste caso:
i) * De que deu o polícia com o ladrão?
ii) * O polícia deu disso com o ladrão.
Seja 'dando de caras' seja 'levantando voo', não há função sintáctica que resista. A preocupação com a etiqueta sairia, desde logo, apartada pela impossibilidade de manipulação por intermédio dos testes. Estes 'deitariam por terra' qualquer tentativa nesse sentido (sim... porque nos complementos oblíquos não cabe tudo o que não entra nas outras funções!).
Meu caro Vítor,
ResponderEliminarPois este verbo 'dar' tem muito que se lhe diga! Dá mesmo que falar! Que campo semântico aqui se lavraria!
Desde "dar o corpo ao manifesto", "dar o corpo pela alma", "dar às de Vila Diogo", "dar voltas ao miolo", "dar com o nariz na porta", "dar tudo por tudo!", "dar a volta a um indivíduo", "dar voltas à cabeça", e passando por outros tantos 'dar' que, sozinhos, não dão em nada. A lista é enorme:
dar um jeito, dar o dito por não dito, dar uma vista de olhos, dar em doido,dar uma escapadela, dar uma escapadinha, dar uma olhadela, dar uma palavrinha, dar a palavra, dar a sua palavra, dar uma facada (no matrimónio), dar cartas, dar importância, dar com a língua nos dentes...
E, para não dar mais nas vistas, é melhor dar de frosques!
Até ao próximo comentário, em que darei a minha opinião.
abç
IA
Deu p'ra ver!
ResponderEliminarObrigado pelo contributo.
Bem hajas, caríssima, por te contar entre as minhas leitoras.
VO