De uma aluna (que não quero dizer 'ex', por achar que muito há a aprender fora de uma sala de aula) e amiga, recebi o que nem sempre se ensina: o sinal de que o gosto da leitura faz lembrar amigos e nos conduz ao encontro dos autores que nos fascinam.
Assim foi quando hoje, vindo de domingo e de Penafiel, Caim saiu do interior de um blusão e veio parar às minhas mãos, com o autógrafo do próprio Saramago. Entre tudo o que isto já possa representar, não menos importante foi o acto de quem partilhou comigo este momento (além das experiências de leitura e de escrita que já nos haviam aproximado).
No meio disto, a polémica, a história que se repete desde O Evangelho Segundo Jesus Cristo. Lembro-me que, à data da publicação deste romance, o comprei e decidi não o ler, para não me deixar influenciar pela "onda" de controvérsia criada. O tempo, contudo, não fez apagar o muito que se disse.
Da leitura, ficou-me sempre o fascínio que já havia descoberto num escritor que me dera, primeiro, a conhecer O Ano da Morte de Ricardo Reis, ainda nos tempos em que frequentava a faculdade aquando da minha licenciatura - já lá vão mais de vinte anos. Depois cruzei-me com O Memorial do Convento (MC), A Jangada de Pedra, História do Cerco de Lisboa, Ensaio Sobre a Cegueira, Todos os Nomes, para além de alguns outros títulos (uns que cheguei a comprar, mas ainda não li; outros que junto deles estão, numa prateleira do escritório, sublinhados, marcados por pensamentos a revisitar). O Nobel foi a consagração pressentida; o discurso proferido nessa altura, outra peça literária ornada de reflexões de vida, da magia das coisas simples e dos sentidos que marcam o Homem.
Hoje, entre os excessos dos discursos, relembrei A Viagem do Elefante e o efeito criativo da língua nas narrativas; recordei O Memorial do Convento e as palavras de Blimunda: "Bem pouco é uma nuvem do céu comparada com a nuvem que está dentro do homem" (XII - MC); as de um narrador que afirma "quando Deus não sopra, tem o homem de fazer força" (XVI - MC) ou então "Tudo no mundo está dando respostas, o que demora é o tempo das perguntas" (XXIII - MC); as do padre Bartolomeu Lourenço: "é... a vontade dos homens que segura as estrelas, é a vontade dos homens que Deus respira" (XI - MC).
Registo, por fim, a possibilidade de criar uma outra História, uma outra visão da vida, da História e da religião: "Não é verdade que o dia de amanhã só a Deus pertença, que tenham os homens de esperar cada dia para saber o que ele lhes traz, que só a morte seja certa, mas não o dia dela, são ditos de quem não é capaz de entender os sinais que nos vêm do futuro" (XI - MC).
Porque a História é uma narrativa, porque a Bíblia não deixa de o ser, muito de ficção nelas existe. O Homem assim o quis (e sempre houve alguns que quiseram mais do que outros). Entre o passado e o futuro está sempre a vontade humana de ficcionar, a de criar mundos alternativos para o que esta terá sido e para o que queira vir a ser. Porque é preciso querer ser.
Com uma palavra de gratidão à VS
(e à vontade que tem, nomeadamente a de ler toda uma obra
feita de Homem desperto por e para a vida;
comandado por e para o sonho).
Caro professor:
ResponderEliminarAntes de mais, quero pedir-lhe desculpa por tão grande demora. Mas a explicação para todo este tempo é simples: a escolha das palavras certas é difícil de conseguir e a tentativa de cometer o menor número de erros (de escrita) possíveis é ainda mais difícil.
Passados os preliminares, sou quase que obrigada a admitir que li este seu texto vezes sem conta e, de todas essas vezes, fiquei com uma lágrima presa que só caía quando, no final de mais uma leitura, fechava os olhos para tentar gravar na memória tudo o que tinha lido. Mas, mesmo passadas estas semanas, ainda não tenho as palavras certas para lhe dizer por que razão me caía uma lágrima após cada leitura. E mais difícil ainda é a forma de como lhe hei-de agradecer, não só estas palavras que me marcaram mas também tudo o que tem feito por mim ao longo destes anos.
Resta-me, assim, dizer-lhe que, mais do que um grande amigo, sinto que é um segundo pai para mim.
Um grande abraço,
VS
18/11/2009
Sempre agradecido e sensibilizado pelas palavras; reconhecido pela confiança que sempre depositaste em mim.
ResponderEliminarÉ bom saber que, mais do que matérias, se acaba por marcar por aquilo que se vai vivendo em conjunto. Entre tristezas e alegrias, dificuldades e destrezas, é espantoso saber que ser professor tem coisas que nenhum curso nem nenhuma faculdade ensinam. Às vezes assusta tamanho poder; outras vezes faz-me sentir agradecido pela oportunidade que tive de me cruzar com certos alunos. São a melhor avaliação que posso receber do que faço.
Que essa lágrima regue sempre a vontade e os projectos que possas encabeçar (estes serão sempre os sinais de que ainda fui fazendo algumas coisas com sentido).
Obrigado
Um abraço.
VO