quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Ao que os alunos me obrigam...

    A bem de quem queira saber, cá vai a resolução de um (muito) pequeno trabalhinho.

    Em véspera de teste, as dúvidas são imensas. Surgem exemplos tão complicados, a pedido dos alunos, que um professor tem que responder à letra. Depois de uma proposta de frase com três níveis de análise (a propósito de funções internas), eu tinha que me impor: trabalho prático com frases "torcidas", "torcidinhas", "torcidíssimas".
     Foi vê-los a mostrar o que podiam e, às vezes, o que não podiam. O certo é que não largaram. O problema foi a campainha, que concluiu o tempo de aula. Contudo, houve uns resistentes que aproveitaram a falta de uma professora no bloco seguinte, para desfazer o nó.
    Lá vieram os resultados, depois de muito suor, para duas frases a analisar sintaticamente.

      Primeira frase: 'Os alunos, ao estudarem Cesário Verde, não deixam de trabalhar matéria fundamental na Língua Portuguesa'
       i) Sujeito: 'Os alunos' (>Eles)
   ii) Predicado: 'ao estudarem Cesário Verde, não deixam de trabalhar matéria fundamental na Língua Portuguesa'
      iii) Modificador do predicado: 'ao estudarem Cesário Verde'
     iv) Complemento direto: matéria fundamental na Língua Portuguesa (na continuidade de um complexo verbal - 'não deixam de trabalhar X' - que podia apresentar a seguinte pronominalização do CD: 'não deixam de a trabalhar'
     Houve ainda quem quisesse saber como classificar a construção do modificador: uns avançaram que se tratava de uma subordinada não finita infinitiva (certo); outros acrescentaram que era adverbial (também); por fim, pedi que dissessem o tipo de adverbial. E aí lá pensaram mais um pouco; pedi para transformarem por uma expressão equivalente e lá vieram os 'enquanto estudam Cesário' e 'quando estudam Cesário'; lá chegou, por fim, a subordinada adverbial temporal. Ufa!

    Segunda frase: 'Por mais que se trabalhe, há de ficar sempre a sensação de que a língua portuguesa é muito difícil'
     i) Sujeito: A sensação de que a língua portuguesa é muito difícil (invertido, ora pois... e é bom de ver que a ordem normal seria 'Por mais que se trabalhe, a sensação de que a língua portuguesa é muito difícil há de ficar sempre' e que a pronominalização daria 'Por mais que se trabalhe, ela há de sempre ficar'). 
     ii) Predicado: há de ficar sempre
     iii) Modificador da frase (por não admitir o teste da interrogativa nem o da negativa: *É por mais que se trabalhe que há de ficar sempre...? / *Não por mais que se trabalhe, há de ficar sempre...): Por mais que se trabalhe,
     Então, alguém pergunta: não há um predicativo do sujeito nesta frase?
    Há, sim senhor, mas como função INTERNA, numa classificação de segundo nível. O sujeito da frase é representativo de um caso que incorpora uma sequência frásica na expansão do nome 'sensação'. Ora nessa expansão há, a um segundo nível de análise, um sujeito e um predicado subordinados (sujeito: a língua portuguesa; predicado: é muito difícil). É neste predicado subordinado que se encontra o predicativo do sujeito (também subordinado), depois do verbo copulativo 'ser'.
    Como há alunos que querem saber tudo (e ainda bem!), quiseram classificar a construção do modificador.  Viu-se que era uma subordinada adverbial finita que, em termos lógicos, se identificava com uma concessiva (depois de terem substituído o 'por mais que se trabalhe' por 'ainda que se trabalhe', 'mesmo que se trabalhe', 'embora se trabalhe'...
      Segundo Ufa!

     E foi assim que, depois disto, tive vontade de tirar férias. Trabalhar cansa! Só os alunos para me obrigarem a trabalhar tanto.

4 comentários:

  1. Louvado seja o Senhor!
    Eu já estava cansadinha de ver o cartaz das conferências.
    Seja bem-vindo, meu caro Vítor!

    Bjinhos
    IA

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  2. Obrigado, Isaurinha.
    A carruagem teve de ser reparada, mas a crise...
    Depois, com a suspensão do TGV, a carruagem também ficou suspensa. Além disso, o maquinista tem andado muito desmotivado.
    Está no poço! No POCEIRÃO!
    O que vale é que ainda há alunos que motivam os professores, para além de umas amigas que gostam muito de viajar "nestes caminhos de ferro"!
    Bjs.
    VO

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  3. Olá, Vítor.

    Fiquei muito contente por poder entrar de novo na carruagem 23 e aprender mais ao longo da viagem. De facto, dava pena vê-la paradinha a anunciar as Conferências do Concelho (de Gondomar). Felizmente, as Conferências estão a andar bem e a Carruagem já está em movimento para também bem continuar a andar. Aliás, tu também ajudaste a pôr em marcha as Conferências. Mais uma razão para a Carruagem avançar. E, pelos vistos, tiveste a melhor motivação: os alunos.

    Um abraço

    Dolores

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  4. Dolores,

    Obrigado por tudo e, em especial, pela amizade.
    Os alunos foram, de facto, a minha motivação a par de mais um e outro estímulo para pôr o maquinista na locomotiva a puxar a CARRUAGEM. Ainda que desrespeitando o prazo dos três dias,vou tentar vir cá mais vezes, assim me deixem o tempo, a vontade e o prazer (que tem andado algo afastado da minha pessoa).
    A ver vamos que linha vamos conduzir.
    Quanto às conferências, faltei à última por motivo de força maior. Por certo, deve ter corrido bem. Quanto à próxima, lá volto eu à ação. Espero corresponder às expectativas e à aposta que as amiguinhas da 'Oficina da Língua' fizeram.
    Estou convosco (e agradecido por me terem integrado no projeto).
    Beijinho.
    VO

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