Em dia de primeira votação para a eleição de um novo Papa, foi dinamizada uma ação de formação sobre avaliação externa. Se para a primeira houve fumo negro, na segunda a coisa ficou pelo cinzento.
A velha questão entre o que é o plano de orientação para ação e a ação propriamente dita é a visão díptica que Licínio Lima desenha para explicar o que é o funcionamento da organização escolar a diferentes níveis de análise (entre o mais centralizador e o mais contingencial), onde algumas infidelidades normativas não deixam de ter lugar.
No âmbito da avaliação docente, pode concretizar-se esse funcionamento díptico: entre o espírito da letra de um normativo e a sua concretização, interpõem-se representações, esquemas de ação, concetualizações tão variáveis quanto redutores à medida que se pretende operacionalizar um mecanismo avaliativo que não pode esquecer os participantes nele implicados (sob pena de tornar retórico e vão tudo o que sejam enquadramentos, preâmbulos, orientações genéricas para a avaliação).
Isso mesmo pôde ser constatado ao longo de um dia de trabalho que procurou orientar para uma reflexão da avaliação docente, segundo um discurso, uma atitude, uma processualidade e uma metodologia assentes em tudo o que são pressupostos supervisivos (pré-observação, observação, pós-observação; dimensão pré-ativa, ativa e pós-ativa; contacto prévio, planificação de aula, execução, reflexão e análise). Entrecortava-se esta visão com ressalvas que comprometiam, de alguma forma, esta orientação inicial: ora constatando uma dimensão quase inspetiva dos avaliadores externos ora admitindo possibilidades que um exercício de sensatez, compromisso e equilíbrio no desenvolvimento profissional não pode evitar.
Na discussão do que é distintivo entre supervisão e avaliação docente, evitavam-se frequentemente as relações que podem e devem ser mantidas entre os processos de construção da profissionalidade docente e a supervisão. Este é um desafio a perspetivar, tendo como referência as mais recentes contribuições investigativas e o horizonte das novas tarefas de âmbito supervisivo, nomeadamente a que diz respeito à avaliação do desempenho docente.
Ainda que a saliência da avaliação externa configure uma vertente que culmina num peso significativo da modalidade sumativa na avaliação, este aspeto não colide com uma componente formativa necessária ao objetivo do desenvolvimento pessoal, profissional e organizacional docente. Assim se exploram oportunidades de ação, intervenção, orientação focadas nas práticas e na observação de aulas, nas quais a supervisão ocorre ainda que de uma forma mais restrita (comparativamente a uma avaliação interna, por exemplo).
Melhor do que eu o possa dizer, cito Isabel Alarcão e Maria do Céu Roldão, na obra Supervisão. Um contexto de desenvolvimento profissional dos professores (2ªed., Edições Pedago, 2010, pág. 19):
“No caso dos professores que se encontram já em contexto de trabalho, esta supervisão [a dos estudantes / futuros professores em situação de estágio], a que poderíamos chamar vertical, dá (ou devia dar) lugar à supervisão interpares, colaborativa, horizontal, que, aliás, deve acompanhar, e acompanha muitas vezes, a supervisão vertical. Nenhuma delas exclui a importância da auto-supervisão, de natureza intrapessoal. As novas tendências supervisivas apontam para uma concepção democrática de supervisão e estratégias que valorizam a reflexão, a aprendizagem em colaboração, o desenvolvimento de mecanismos de auto-supervisão e auto-aprendizagem, a capacidade de gerar, gerir e partilhar o conhecimento, a assunção da escola como comunidade reflexiva e aprendente, capaz de criar para todos os que nela trabalham (incluindo os que nela estagiam) condições de desenvolvimento e de aprendizagem"
Antevejo aqui um desafio para a supervisão na avaliação do desempenho docente, a julgar que o princípio do desenvolvimento profissional não é retórico; que a avaliação entre pares faz sentido numa perspetiva eminentemente cooperativa, colaborativa, intersubjetiva; que os valores de participação democrática e compromissiva são mais convergentes e orientados para desempenhos integrados, integrantes e integrativos.
No que haverá a construir para a claridade em todo este processo, seria bom que as oportunidades de desenvolvimento não se perdessem em favor de uma lógica fechada, voltada para produtos acabados em que a excelência se construísse apenas na base do que é apriorístico, tecnicista, exclusivamente racional e de uma pretensa objetividade. Naquelas creio haver um reconhecimento de a(tua)ção mais alargado do que nesta. Porque a escola é uma organização feita por pessoas e para pessoas que se "formam".