Na sequência de um comentário de um(a) leitor(a), prossigo com alguns dados acerca da coesão.
Q: Já agora: a coesão referencial creio que aparece na gramática da Prof. Inês Duarte e outras autoras (Caminho Ed.); creio que é mesmo ela a autora da secção da coesão textual. Mas no DT creio que não surge!
R: De facto, o conceito de coesão é um dos mais operatórios em termos das competências gerais de leitura e da escrita.
É verdade que a noção de coesão referencial aparece tratada na Gramática da Língua Portuguesa, coordenada pela Professora Maria Helena Mira Mateus (Editorial Caminho), mais precisamente no capítulo da responsabilidade da Professora Inês Duarte intitulado “Aspectos linguísticos da organização textual” (capítulo 5). Diria, ainda, que, para o Português, há um texto basilar no entendimento deste conceito – é o caso do artigo “Coerência e coesão nas unidades linguísticas”, do Professor Joaquim Fonseca (em Linguística e Texto / Discurso, da ICALP, 1992). Apoiado no estudo de Halliday-Hasan de 1976 (Cohesion in English), o linguista português aponta para a manifestação, à superfície, de nexos entre enunciados – nomeadamente, os de realização por referência, por substituição, por elipse, por léxico.
A questão da coesão referencial concretiza-se no processo de designar / referir entidades pelo recurso preferencial à categoria nominal ou a um possível substituto, havendo ainda a possibilidade de, informacionalmente, marcar-se e progredir-se da introdução de um referente no texto pela primeira vez para a sua retoma (anáfora); de anunciar um elemento que só posteriormente é explicitado em termos referenciais (catáfora); de situar esse referente segundo as condições de produção discursiva (dimensão deítica).
É na base de mecanismos essencialmente de ordem gramatical que se constrói este tipo de coesão, entre os quais se pode adiantar os seguintes:
(1) O professor dirige as actividades lectivas, com os alunos a assumirem-no como líder e a socorrerem-se dele sempre que têm dúvidas a esclarecer.
[MECANISMO: o grupo nominal ‘O professor’ é o antecedente para as pronominalizações ‘-no’ e ‘(d)ele’, tomadas como termos anafóricos]
(2) Havia um homem na paragem do autocarro. Era o senhor que já me havia solicitado uma direcção.
[MECANISMO: a progressão de ‘um homem’ para ‘o senhor’, além de uma substituição lexical co-referente (homem > senhor), exemplifica a referencialidade construída à base da definitivização (um > o), ou seja, a progressão entre a introdução de informação nova e a retoma de informação já introduzida ou textualmente conhecida]
(3) Aproximou-se um gato dos meus pés. Este olhava para mim como a pedir-me colo.
[MECANISMO: a substituição do grupo nominal ‘um gato’ pelo pronome ‘Este’ permite construir uma cadeia de referência entre antecedente-termo anafórico que evita a utilização de repetições desnecessárias]
(4) Crianças, jovens, adultos, todos são vítimas potenciais de uma epidemia.
[MECANISMO: o pronome indefinido ‘todos’ (realização pronominal de um quantificador) é o termo anafórico para um antecedente múltiplo ou enumerativo: ‘crianças, jovens, adultos’]
(5) Para que o espectáculo corresse bem fez-se assim: falou-se com os interessados, houve muitos ensaios preparatórios, chamaram-se profissionais que forneceram pistas fundamentais, preparou-se um espectáculo inicial para os amigos e, só depois, se abriu o pano para o público geral.
[MECANISMO: o advérbio ‘assim’ é assumido como palavra referencialmente dependente do que se lhe segue, pelo que tudo o que está depois do sinal dois pontos é o que cabe em ‘assim’; daí este último estar na base de uma construção catafórica]
(6) O pobre sentia-se desamparado; contudo, não estava sozinho nessa condição.
[MECANISMO: a elipse visível na configuração ‘O pobre sentia-se desamparado; contudo, Ø não estava sozinho nessa condição’ caracteriza-se pela ausência de realização lexical do termo anafórico, numa espécie de categoria vazia no mecanismo de coesão referencial]
A exemplificação dos mecanismos nos seis exemplos propostos não invalida a co-ocorrência de outros, convergindo para uma organização interna dos textos / discursos / enunciados que lhes garante o tratamento de unidades dotadas de sentido (veja-se, por exemplo, em 2, ‘senhor’ > ‘que’; em 3, ‘meus pés > mim > me; em 6, ‘desamparado’ > ‘nessa condição’).
No que toca ao Dicionário Terminológico, convido-o(a) a ler a secção C (Análise do discurso, Retórica, Pragmática e Linguística textual) e as entradas respeitantes a Texto (C.1.2), onde poderá encontrar a de ‘coesão textual’. Nesta última, encontram-se destacados e activados termos associáveis à coesão referencial (como o de ‘cadeia de referência’).
A produtividade de trabalhar mecanismos destes ao nível transfrásico e/ou textual é a que se revê em áreas tão amplas como a de diversificar vocabulário, a de evitar repetições desnecessárias em frases / textos, a de gerir / avaliar a informação que se pretende transmitir, a de ultrapassar ambiguidades, a de evitar ruídos textuais e fazer progredir a informação com dados novos.