Dúvidas que o tempo pode vir a resolver...
A propósito de uma questão que me foi lançada em correio eletrónico e que, pelos vistos, não ficou resolvida. Cá vai mais um contributo.
Q: Boa tarde. Gostaria de saber a função sintáctica de 'mal' nas frases 'Reagi mal' e 'Senti-me mal'. Numa acção de formação disseram-me que se tratava de um predicativo do sujeito por semelhança com a frase 'Estar mal'. Concorda com esta abordagem?
R: Grato pela questão e pela explicitação das condições associadas à dúvida.
Não sei quem defendeu esta posição nem em que fundamentos se apoiou. Por mim, naturalmente não concordo com o que lhe foi dito a propósito das duas frases iniciais.
A analogia estabelecida falha, no meu ponto de vista, por aproximar verbos que apresentam comportamento lógico e sintático-semântico completamente distinto. A natureza copulativa do verbo 'estar' justifica a sequência de um predicativo do sujeito, o mesmo não acontecendo com os verbos 'reagir' e 'sentir'.
É inevitável a consideração de uma plataforma entre sintaxe e semântica, conforme é proposto pela noção de 'estrutura argumental' dos verbos. A partir dela constroem-se os argumentos selecionados, ou seja, os elementos que mantêm relação dependencial com o significado desses verbos.
Primeiro de tudo, 'reagir' e 'sentir' não são verbos copulativos, mas transitivos. São exemplos pertencentes à tipologia dos verbos comportamentais ou de natureza percetiva, quanto ao estado de coisas ou às áreas temáticas representados nos respetivos predicados. Integram-se, portanto, nos processos e não nos estados (como o verbo 'estar'). Depois, eles apresentam, em termos lógicos, os argumentos seguintes:
a) REAGIR > Alguém(1) REAGIR a alguma coisa (2) de algum modo / de alguma maneira (3)
b) SENTIR > Alguém (1) SENTIR alguma coisa (2) / Alguém (1) sentir(-se) de algum modo (2)
Assim, 'mal', no predicado configurado com o verbo 'reagir', corresponde a um complemento oblíquo; o mesmo acontece com o verbo 'sentir'.
A argumentação aduzida por quem lhe respondeu com a classificação 'predicativo do sujeito' é tão falível quanto em 'porto-me mal', 'comporto-me mal', 'agir mal', 'apresentar-se mal', 'entrar mal', 'prever mal' tal função sintática não estar presente, apesar de possíveis analogias com 'estar mal'.
Leia-se Fillmore ("The Case for case", 1968, ou "Some problems for case grammar", 1971) e a resposta a dar em ações de formação seria certamente diferente da que foi produzida. Gramática de Valências, de Winfried Busse e Mário Vilela, é um outro contributo indispensável... digo eu.