Citar versos, citar pensamentos... em resposta ao discurso político comentado neste dia, depois de uma noite em que as palmas só legitimam o que já ninguém quer.
Só por retórica ou por cegueira se pode tomar a parte pelo todo (antes fosse o todo pela parte, porque assim o exemplo e o testemunho seriam mais credíveis). Por isso, ouvir dizer "O país está melhor" só pode ser ironia para quem trabalha ou para quem tudo perdeu, nomeadamente a dignidade pessoal na sobrevivência.
Não pensaria, não diria nem escreveria melhor do que os versos lidos no blogue
Mariana, no apontamento que hoje não pude deixar de comentar.
"O país está melhor"?!
“O país está melhor”?!
Desculpe, sr Passos, mas não vejo nada!
Quando o ouvi, até fiquei atrapalhada,
Ou será que estou a ver pior?
Pus os óculos que preservo
Porque não os quero partir,
E será um dinheirão
Se tiver de os substituir!
“O país está melhor”?!
Sr Passos, então passe, passe aqui quando puder;
Dê no país real uns passeios a pé
Pode trazer a D. Laura, sua mulher
Olhei o meu recibo de ordenado
Que acabei de receber:
Cada vez mais minguado
Até o voltei a ler!
“O país está melhor”?!
Cá pra mim, o sr Passos sonhou!
Diz que há mais emprego?
Foi cantiga que alguém lhe cantou?
O sr Passos é um belo rapaz,
Mas se tivesse de comprar o passe,
Veria se era capaz
De viver em tanto impasse!
A sua voz de barítono
Não queira que passe à história,
Como parte de opereta
Que passa a cantar vitória.
Em muitas pensões não passou
A tesoura de Albuquerque e de Gaspar?
Só se a morte dos pensionistas
Quisessem antecipar!
Sr Passos, passe à ação
Palavras leva-as o vento!
Veja tanto jovem que emigrou
Porque em Portugal não tinha sustento.
O sr Passos não conhece
Porque tudo lhe passa ao lado
Mas há crianças e adolescentes que sofrem
Porque os pais não têm ordenado!
E quando o sr Passos passar
Para outro reino dourado,
Nem sequer se vai lembrar
Que o país ficou “lixado”.
“O país está melhor”?!
O sr Passos tem é sorte
Porque poucos portugueses se passam
E gerindo a crise lá vão.
Muitos estão, sim, senhor,
Os mais ricos e/ou da sua cor.
Mas o sr não está bom!
Por cá passam discursos, e tudo passa ao sabor dos passos que o "sr Passos" dá (junto com mais alguns, que mais fecham portas, sem que nada fique seguro); noutros pontos da Europa, o conflito com sinais de uma guerra iminente.
Discursos de surdos, palavras moucas que alguns versos não fazem esquecer. Nos primeiros a retórica balofa da política; nos segundos, a realidade poética vivida e sentida.
Bem o dizia Natália Correia: "Quando a crise não é geradora de grandes audácias, mais indicado é dar-lhe o nome de agonia". E também há versos que são o reflexo verdadeiro e a imagem certeira desse estado agónico em que a maioria (do povo) sustenta a felicidade de poucos (os políticos e os governantes deste país) que embandeiram em arco um sucesso na condição da miséria.