segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Ainda Camões, pelos 500 anos

      A propósito de uma das pérolas televisivas que ainda se encontra na RTP3: Visita Guiada.

      Refiro-me ao programa de Paula Moura Pinheiro (temporada 14, episódio 14), que se debruçou sobre a coleção do último rei português (D. Manuel II), dedicada à obra camoniana e depositada em Vila Viçosa. Caso para dizer, Portugal herdou uma obra do desventurado rei, que se viu exilado da pátria com a deposição da monarquia e a implantação do regime republicano.
      A morte precoce do monarca em 1932 (42 anos) não permitiu concluir o projeto de estudo e pesquisa dos textos de Camões, numa linha de recolha das edições diversas de Os Lusíadas e das Rimas, ao longo dos séculos. Se nos finais do século XIX haviam sido inúmeras e grandiosas as celebrações nacionais d' "O Poeta" (na continuidade de uma consagração que já vinha do século XVI), o vigésimo não o seria menos na contínua afirmação de um escritor que se tornou símbolo de pátria, de língua, de cultura, de lusofonia (assim o prefigura o feriado do 10 de junho).
    Num apontamento do programa televisivo, a Professora Doutora Isabel Almeida partilhou com a apresentadora o facto de não se conhecer um manuscrito, a caligrafia, uma assinatura de Camões. O estádio de formação da escrita autógrafa é um mistério no que ao príncipe dos poetas português diz respeito. Daí a questão da importância da fixação de texto, do confronto das versões múltiplas com que a literatura tem vindo a trabalhar; daí a diversidade editorial que enriquece e se multiplica na difusão e divulgação poéticas; daí a própria dificuldade de ter certezas sobre o que o poeta escreveu, numa dispersão que se compagina ora com a tradição oral ora com a da cópia manuscrita (não assinada) em coletâneas.
    Investigações diversas apontam para a atribuição indevida de alguns sonetos ao nosso poeta universal. "A fermosura desta fresca serra" é um dos exemplos, com alguns estudiosos a assumirem uma autoria distinta: a do poeta D. Manuel de Portugal, contemporâneo de Camões.

Um poeta sem boca, pelo que (não) cantou?! Melhor sorte tivera!
(moeda comemorativa dos 500 anos de Camões, por José Aurélio)
A fermosura desta fresca serra,
e a sombra dos verdes castanheiros,
o manso caminhar destes ribeiros,
donde toda a tristeza se desterra;

o rouco som do mar, a estranha terra,
o esconder do sol pelos outeiros,
o recolher dos gados derradeiros,
das nuvens pelo ar a branda guerra;

enfim, tudo o que a rara natureza
com tanta variedade nos oferece,
me está (se não te vejo) magoando.

Sem ti, tudo me enoja e me aborrece;
sem ti, perpetuamente estou passando
nas mores alegrias, mor tristeza.

    Sempre questionei muita coisa acerca deste soneto, nomeadamente a sua inserção em linhas de leitura que o perspetivam no seio dos poemas que representam a figura da mulher amada e da sua presença / ausência como condição para a inspiração do poeta. O anafórico final "Sem ti", frequentemente apontado como tópico de ausência da mulher amada, sempre entendi como mais coincidente com a leitura da ausência da pátria - desse "locus" personificado e reconfigurado em tantas referências de elementos naturais, ambientais (que, distantes / ausentes, têm seus efeitos adversos no eu lírico) - do que a de qualquer figura feminina que pudesse ser mais ou menos inspiradora. Agora, o soneto não ser de Camões é apontamento forte, para um texto que o próprio escritor teve como razão maior para ser poeta; para versos tradutores de uma necessidade que a ausência não permite.

      Estudos de Leodegário Azevedo Filho reconhecem, num crivo de critérios filológicos muito rigoroso, a redução substancial de textos produzidos por Luís de Camões (em número inferior a cem poemas). E se "Amor é fogo que arde sem se ver" for mais um a não figurar entre eles? Talvez não seja grande o mal, pensando que a lírica quinhentista fez conviver grandes poetas que se confundiram, espelharam, citaram, imitaram nos modelos (intertextuais) que adotaram.

sábado, 8 de fevereiro de 2025

Action! Take 59.

     Foi cá um filme...
    
     Com família, amigos, risadas, comida e bebida, muitas memórias (e, claro, muita escola, como não podia deixar de ser).

   Nem ao 59 take aprendo! Já devia ter juízo (Foto VO)

Com eles vivo, fico e estarei. Obrigado, "amigos ilustres" (Foto VO)

   Foi muito bom ver que a mesa, apesar de grande, não chegava para os sentar. O que vale é que há muito espaço para os acolher. No coração, inclusive.
     Não foi em Hollywood, mas foi "holly" sem "wood".
    Chegou a hora da claquete, do fogo que não foi de artifício, da distribuição dos "comes sem bebes" pelos tupperwares, dos sacos e dos telemóveis que ficavam pelo caminho.
     Foi a um sábado, mas não "Saturday Night Fever"; mais um "Saturday Friendship Party".

   Lá se chegou ao último ano do cinquentão. No próximo, se lá chegar, vou dizer a mim mesmo "se(s)SENTA", que já fizeste muito.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Mulher de "invenção"

     Porque, além da epistolografia e da narrativa, também em poesia escrevia.

   No tempo em que andava pela aventura da autoria de manuais escolares, considerava-a, enquanto escritora viva, entre os poetas contemporâneos a ler por alunos(as) do ensino secundário:

Só de amor (1999) - assim se intitulava uma obra no fim do século XX (Foto VO)

      Com a notícia da morte de um percurso de vida inspirador (1937-2025) de uma das responsáveis pelas Novas Cartas Portuguesas (1972), diz-se que se perdeu uma das maiores da literatura portuguesa atual. Sim, é. Continuará a ser, pelo exemplo feminino que foi; pela obra que nos lega; pelo reconhecimento que poderá ser maior (assim a queiram dar a conhecer, a ler):

Um exemplo poético a "rasgar" perceções

     Mulher de liberdade, de amor, de invenção, de contestação e luta contra despotismos de qualquer natureza. Uma das três Marias, uma Minha Senhora de Mim (para citar um dos seus títulos de 1971) ou um' A Desobediente (como a sua biógrafa Patrícia Reis a apelidou) a marcar a sociedade e o pensamento de um tempo à espera da (r)evolução, na esperança dos olhos verdes com que nos viu.

Nada mais de mim
haverá memória
- sei -
só os poemas darão conta
da minha avidez
da minha passagem
Da minha limpidez
sem vassalagem

      Bem podiam ser as palavras de um epitáfio para uma irreverente que encontrou na poesia a voz da (r)evolução. RIP.

sábado, 1 de fevereiro de 2025

Conselho de futuro

      A abrir o mês, fica a previsão e o conselho de futuro.

      Não se pode dizer que não faça sentido entre o inicialmente constatado (anunciado?) e o conselho respondido:

Interações que só o tempo (verbal) denuncia e a pragmática admite (retirado do Facebook)

      A ironia da coerência interativa é evidente: quem constatou queria passado e fez deste futuro; quem respondeu pôs-se na posição de quem, humoristicamente, ainda vai a tempo de remendar o que já não tinha remédio.

    Isto de confundir, na escrita, pretérito (com terminação em 'ram') com futuro (em 'rão') só merece uma boa gargalhada (apesar de haver quem chore) e um aviso sério: estude!