segunda-feira, 12 de abril de 2021

Uma farsa vicentina muito atual

     Numa intemporalidade que se impõe, com mais semelhanças do que coincidências.

    Hoje fala-se da emancipação da mulher, de jogos de interesse, de violência doméstica, de máscaras sociais - um tempo contemporâneo que não deixa de viver as heranças de outros séculos, e que Gil Vicente também experienciou no seu.
      
Representação do texto dramático quinhentista vicentino pela Spotlight Produções 
(encenação de João Ascenso)

   Persiste a deceção, quando se opta por ideais, ilusões que, a todo o tempo, caem. Descobrem-se os pretensiosos. Denunciam-se os desajustados, os ingénuos e os inocentes que não veem o mal que está à frente. Fazem-se também aprendizagens, mas o que de mais criticável existe (não se olhar a meios para atingir os fins) não deixa de alimentar a farsa que o comportamento social e humano ainda tem.
     Lida ou visionada a representação da obra, cedo se descobre quem representa o quê, para não referir outras linhas temáticas tão comuns no dramaturgo quinhentista: a crítica ao clero, o casamento como negócio, os subalternos oprimidos, o confronto do profano e do sagrado, o preconceito para com os judeus.
     Além do "Mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube", a prova de que as aparências enganam faz sentido para quem se deixa viver nelas, nos ideais ou nas ilusões com que se engana; ou, então, para quem mascara uma vivência que só um "cego" não consegue ver. De tudo isto é feita a Farsa de Inês Pereira (1523), um texto a chegar aos 500 anos com um sentido bem presente.

      Assim se revê a obra vicentina tão atual que chega a parecer que nada mudou na metade de um milénio.

sábado, 10 de abril de 2021

Entre piratas e Alexandres (e outros nomes mais)

     Não sei porquê, mas hoje pensei muito em Pre. António Vieira.

    Há tempos, redigi um apontamento a propósito do Sermão do Bom Ladrão (1655), no qual se reflete sobre a "arte de roubar".
     Direi que há artistas no ofício, com toda a perícia; outros há que os ensinam ou defendem nessa "arte" tão injusta.
     No meio de tanta "dedicação artística", há comparações inevitáveis:

   "Basta, senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador?
    Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza; o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres."
      
P.e António Vieira, in Sermão do Bom Ladrão

     Tenho lido (não porque o faça muitas vezes, mas porque é o resultado final da leitura)!
      Entre pirata ou Alexandre, salva-me o facto de ter outro nome - não sei se para louvar, mas nunca para roubar.

      Há ladrões..., perdão,... sermões que ganham sentido com que o dão a ver... melhor... a ler (particularmente no que lembram da "grandeza do roubar").