Não sei bem porquê, tenho andado a recuperar muito do que li com Dan Brown.
Desta vez, relembro Origem (2017), cuja leitura concluí há cerca de dois anos. Recordo desde logo a epígrafe do livro: "Temos de estar dispostos a abandonar a vida que tínhamos planeado para podermos ter a vida que nos espera" (Joseph Campbell). Atendendo às mudanças drásticas dos últimos dias, até parece ajustar-se a um reconhecimento das mudanças que se impunham e ninguém cumpria. Talvez, hoje, se diga que é mais a constatação de que nada somos, quais "fracos humanos" submissos às forças (mais ou menos ocultas) do universo.
Uma destas parece ser a do "sétimo reino", que se impõe, nomeadamente no contexto de trabalho à distância a que muitos estão votados (e cada vez mais eu).
Edmond Kirsch, personagem fulcral da narrativa mencionada, assim o explicita na fase final do livro:
"De acordo com a simulação de Edmond, a raça humana seria engolida por uma nova espécie ao longo das décadas seguintes. E o mais assustador é que aquela espécie já se encontrava a viver na Terra, desenvolvendo-se silenciosamente.
- Obviamente - continuou a voz de Edmond -, não podia divulgar esta informação enquanto não pudesse identificar esta nova espécie. De modo que me embrenhei nos dados. Depois de incontáveis simulações, fui capaz de identificar o misterioso recém-chegado.
O ecrã refrescou com um diagrama simples que Langdon reconheceu da escola primária, a classificação taxonómica dos seres vivos, dividida em "Seis Reinos": Animalia, Plantae, Protista, Eubacteria, Archaebacteria, Fungi.
- Depois de ter identificadoo este florescente novo organismo, percebi que tinha formas demasiado diversas para ser denominado em espécie. Em termos taxonómicos, era demasiado amplo para ser denominado uma ordem ou mesmo um filo. - Edmond olhou diretamente para a câmara - compreendi que o nosso planeta era agora habitado por algo muito maior. Algo que só poderia ser considerado como um novo reino.
De súbito, Langdon percebeu o que Edmond estava a descrever.
O Sétimo Reino.
(...)
Era um reino formado por espécies não vivas.
Estas espécies desprovidas de vida evoluíam praticamente da mesma forma que as vivas - tornando-se gradualmente mais complexas, adaptando-se e propagando-se para novos ambientes, algumas sobrevivendo, outras extinguindo-se. Um exemplo perfeito de modificação adaptativa darwiniana, estas novas criaturas tinham-se desenvolvido a uma velocidade estonteante e formavam agora um reino totalmente novo, o Sétimo Reino, que ocupava o seu lugar ao lado do Animalia e dos restantes.
Recebera já o nome de Technium."
in op. cit., Bertrand Editora, 2017, pp. 489-490
É neste mundo de inteligência artificial que me vejo absorvido. Entre mim e os outros só as máquinas (computadores, telemóveis,...) parecem fazer ponte. Eu que estaria mais para um dos seis reinos vejo-me no sétimo, numa dependência que não me agrada; como se o mundo não existisse lá fora. Vejo-o pelo que o universo tecnológico me dá a ver.
Não pode ser.
Não quero que as janelas e varandas da casa deem lugar às janelas de um programa, de um aparelho confinado a duas placas retangulares e a um teclado. O mundo redondo que está lá fora não se enquadra com as linhas geométricas do Sétimo Reino. Este não me dá o ar nem o céu, nem o molhado da água do mar. Nem me dá as pessoas, no que delas possa cheirar e tocar.
Tudo por causa de um vírus que ameaçadoramente suga a vida a milhares e que teima em deixar-nos cada vez em maior recolhimento, isolamento, quase clausura.
Não sei qual é a vida que nos espera. Ficar sentados à espera do que esta nos possa trazer é algo que ainda se vai procurando contrariar. Quanto mais não seja, alimenta-se a esperança de que outros e melhores dias virão - o espírito humano tem de ultrapassar os limites da crise.