sábado, 27 de março de 2010

Fim de um ciclo: a propósito do ensino da gramática

     Foi em Manteigadas, no Auditório da Escola Profissional de Setúbal, que se concluiu um périplo pelo país. Objectivo: reflectir acerca do ensino da gramática.

      A presença de mais de meia centena de profissionais em vésperas de Conselhos de Turma e do final de mais um período lectivo foi o exemplo da motivação e do empenho para mais uma manhã (das poucas que houve este ano iluminadas pelo sol) destinada à reflexão sobre um tema que se tem vindo progressivamente a revalorizar na formação e nas práticas docentes.
      As questões são muitas, as dificuldades não são menores, para um tema que está longe de ser consensual (entre o "mal necessário" e o domínio sentido como uma das especificidades de um professor de línguas).
      Vários foram os tópicos abordados:
       i) o trabalho da gramática desde o primeiro ciclo, a par de outras competências (num alargamento dos planos de análise da língua, da melhoria dos desempenhos orais e escritos, da consciencialização das variedades e da norma-padrão, além da natureza formal das realizações);
     ii) o conhecimento explícito, no seu estatuto idêntico ao das demais competências (dupla perspectivação: quer como competência autónoma quer como competência instrumental e transversal);
      iii) gramática e progressão (do conhecimento implícito ao explícito, visando uma maior consciência, estruturação e sistematização desse conhecimento como condição de aperfeiçoamento fundamentado e crítico das restantes competências);
     iv) a anualização (dispositivo de planificação que activa a progressão gramatical na sua dimensão criteriosamente multifocalizada e estratégica, voltada para um conhecimento criticamente fundamentado);
     v) a terminologia gramatical como instrumento ao serviço de um discurso pedagógico mais rigoroso, propiciador de maior segurança quando formativa e formadoramente entendido;
      vi) a oficina gramatical como um exemplo de aplicação prática.

     No final de mais um percurso, fica a expectativa de se ter contribuído para a chamada de atenção relativamente a uma área estruturante no ensino da língua (materna). Entre as práticas que autonomizam a estrutura e o funcionamento da língua (consciencializando os alunos de um conjunto de procedimentos e técnicas necessários a um melhor desempenho linguístico) e as que assumem um percurso integrado da reflexão gramatical com as demais competências de compreensão / expressão orais ou escritas, todas se orientam para o reforço do trabalho de um domínio nuclear, estruturador do pensamento e do saber, os quais relevam a existência e a cognição do próprio Homem.

quarta-feira, 24 de março de 2010

E tudo fica ao contrário... até a língua!

      No jogo publicitário muito há ainda do espírito do Carnaval (que já lá foi)... e ninguém leva a mal.

     Assim se espera que seja (a criatividade e o espírito publicitários), ao ler-se a página seguinte:

    
     Tudo se faz para chamar a atenção; mesmo acentuar palavras que nunca o foram, quebrando essa simples regra do Português que dita que, normalmente, as palavras graves não são graficamente acentuadas. Já bastava ter de saber os casos que lhe escapam; criar outros... "não havia necessidade". Já agora, podia colocar-se a palavra "contrário" ao contrário, ou colocar-lhe o acento por baixo... Enfim, outras criatividades (menos perigosas, digo eu)!

     Não admira, pois, que, com exemplos destes, ande tudo de pernas «p'ró ar» ou de cabeça «p'ró chão». Só faltava ouvir a pergunta: "Não podíamos viver sem este (mau) exemplo de publicidade?" Podíamos, mas não era a mesma coisa!

sábado, 20 de março de 2010

Gramática por terras de Viriato

    Em Viseu, com cerca de uma centena de companheiros de trabalho.

     
     Num dos auditórios do Hotel Príncipe Perfeito, houve tempo para se falar sobre um dos domínios programáticos do ensino do Português: o ensino da gramática.
     Em articulação com o novo programa do ensino básico e o do secundário; explorando a questão da progressão no âmbito da estrutura e do funcionamento da língua; considerando a importância que a terminologia linguística possa ter ao nível do discurso pedagógico-didáctico; convocando a segurança que os doentes possam experimentar ao adoptar uma nomenclatura cientificamente mais estável e sustentada em estudos linguísticos; exemplificando o que possa ser um trabalho de oficina gramatical (a partir de um texto, isolando um aspecto significativo e conectando com diferentes domínios, numa perspectiva de integração de domínios), foi dinamizada uma sessão de trabalho que se caracterizou também pela interacção e intervenção dos participantes.

      Mais haveria certamente para dizer, mas o tempo é sempre escasso quando o assunto se impõe como estruturante no saber e nas aprendizagens.

sábado, 13 de março de 2010

Mais uma etapa na Gramática: Albufeira

       Hoje, foi a vez de Albufeira.

    Cerca de oitenta colegas, com muita vontade de ouvir e alguma coisa para partilhar, compuseram largamente o auditório da Escola Básica e Secundária de Albufeira.
    Depois de dinami-zada a sessão, por mais adiantada que fosse a hora, houve alguns mi-nutos para trocar impressões, questões, alguns pedidos...
    Na linha das experiências anteriores, foram abordados os seguintes tópicos:
. ensino da gamática no contexto do novo programa de Português do ensino básico, mais o do ensino secundário;
. especificidades nas orientações de 1º, 2º e 3º ciclos;
. propostas de anualização (no básico) ao nível do conhecimento explícito da língua;
. progressão nos conteúdos linguísticos;
. metodologias de trabalho no ensino da gramática (o caso da oficina gramatical);
. exemplos de trabalho / materiais com pouca terminologia (só a necessária para o professor se sntir mais seguro no que diz e no que pede).

    Um tempo que, espero, tenha sido compensador, para esquecer o dia de sol que não se pôde aproveitar. Prova de que outros valores mais altos "se alevantam".

sábado, 6 de março de 2010

Casa do Professor, em Braga, com gramática

       Depois do Porto e de Castelo Branco, o regresso ao Norte.

       À volta de oitenta professores ocuparam o auditório da Casa do Professor de Braga para mais um momento de reflexão sobre o ensino da gramática.
       Na lógica dos encontros já dinamizados, este pautou-se por algum espaço de interacção, resultante do próprio interesse dos ouvintes. As dúvidas impuseram-se, os casos propostos mereceram a resposta na linha do que ia sendo desenvolvido na comunicação.
       Esta centrou-se nos seguintes tópicos:
       . o ensino da gamática no contexto dos programas dos ensinos básico e secundário;
       . a progressão gramatical reflectida num trabalho de planificação / anualização;
       . a terminologia linguística ao serviço da formação docente e suas implicações no discurso pedagógico-didáctico;
       . exemplificação do ensino da gramática: um caso de oficina gramatical  partir de um texto concreto;
       . a gramática com sentido: entre a pertinência e a interface sintaxe-semântica.
      Esta alargou-se para outros tópicos que implicaram a explicitação de uma outra visão do funcionamento dos departamentos / grupos disciplinares, de um posicionamento docente mais autónomo e legitimamente sustentado numa formação inicial e contínua atenta às especificidades do nosso objecto de trabalho e de estudo: a língua.

      A todos os que se predispuseram a assistir a este encontro e particularmente aos muitos que se mantiveram até ao final, impõe-se o agradecimento pela atenção e pelos desafios criados na interacção, certamente motivados pelas necessidades que fazem tantos profissionais procurar este tipo de sessões.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Da verdade e da ficção: um jogo de anjo

      A propósito do final da leitura de O Jogo do Anjo, do catalão Carlos Ruiz Zafón.

      No jogo de interacções das personagens, Cristina (a paixão de David) cita, na fase final do romance, as palavras do marido (um diletante, um pretenso escritor e um homem, na essência, falhado, não obstante o relevo social que lhe dão): "O Pedro costuma dizer que a única maneira de conhecer realmente um escritor é através do rasto de tinta que ela vai deixando, que a pessoa que julgamos ver não passa de uma personagem oca e que a verdade se esconde sempre na ficção."
      Talvez o complemento para tal constatação se situe já nas primeiras duzentas páginas: vem de David, para Isabella (a apaixonada que não tem correspondência, senão num amor de segunda chance). Aí se lê que "Toda a obra de arte é agressiva (...). E toda a vida de artista é uma pequena ou uma grande guerra, a começar pelo próprio e pelas suas limitações. Para chegar a alguma coisa que te proponhas é preciso primeiro a ambição e depois o talento, o conhecimento e, por fim, a oportunidade."
    Palavras para a ficção e para a obra de arte; palavras para a vida.
   No fundo, este é um dos pensamentos-matriz de O Jogo do Anjo (2008), do mesmo autor de A Sombra do Vento (2001).
     A Barcelona da década de 20 (século XX), misteriosa, enigmática, dominada pela necrópole de "Rosa de Fogo" faz-se pressentir neste livro, cuja intriga é temporalmente situada, em termos narrativos, antes das coordenadas que abrem o romance de 2001. Diria mesmo que o final de O Jogo do Anjo tem os motivos, as origens para a abertura de A Sombra do Vento, pela entrada de algumas personagens que se recuperam (daquele para este, na lógica da cronologia das acções narrativas; deste para aquele, no plano da produção escrita). Desta feita é um escritor que se afirma no seu percurso biográfico, pautado pelas Great Expectations, de Charles Dickens. Um caminho feito com a escrita, com a literatura, com a irónica ventura marcada pelos tons do romance gótico e pela(s) certeza(s) da(s) morte(s) que compõe(m) a vida. A mesma paixão pelos livros (procurados, possuídos, guardados); os livros que salvam vidas, qual criação para a sobrevivência do criador (tal como Passos do Céu acabará por salvar David quando este é atingido pelo inspector Victor Grandes).
      Entre o campo do sonho, do fantástico e dos conflitos de uma vida romanceada, cresce David Martín, como escritor e como homem. Como alguém que constrói as suas narrativas, tal como o faz com a sua própria vivência, feita de perdas, de reencontros, de concretização de sonhos, de ciclos que importa rever, amar e acompanhar, para de novo perder.

       No jogo da ficção (e da vida), esta é a bênção e a vingança do anjo.