Foi, assim, a tarde de hoje, num lugar de arte e onde tudo pode ser possível. No Lugar do Desenho, de Júlio Resende, aconteceu a apresentação de As Fadas do Bosque das Cores e das Estórias, de Maria Dolores Garrido, livro com ilustrações de Cristina Pinto, publicado sob a chancela da Editorial Novembro.
Se a editora se designa Novembro, o certo é que já estamos em dezembro - um mês no qual muita coisa acontece, inclusive um bosque a pairar por cima das nossas cabeças, tal como uma foto do evento o dá a ver:
A mesa da apresentação: representante da Fundação, representante da editora,
Dolores Garrido, Idalina Ferreira, Cristina Pinto (Foto VO)
Um projeto de Cristina Pinto para marcar o momento com a fantasia e a magia necessárias ao universo criado no livro de Dolores Garrido: o de um bosque onde a alegria e a felicidade são trazidas pelos meninos; onde a magia se faz sem varinhas de condão; onde as árvores mais bonitas não são de uma só cor; onde a vida é feita da graça e do seu contrário. Na descoberta desse bosque, abrem-se os horizontes do cuidado, da solidariedade, da diversidade, da união que não esquece a liberdade e a individualidade e se constrói a cada reconciliação.
A obra apresentada como "um dos livros mais bonitos da editora"
Assim se compõe a paleta de cores da amizade, num livro feito de palavras "bem juntinhas aos desenhos / pra tudo melhor contar". E também há música, e dança, e festa, e voz(es).
A da avó e da narradora é uma delas. Efeitos de voz e/ou de oralidade são explorados (rimas, ritmo, interjei-ções, entoação, sonori-dades, expressões colo-quiais) no texto escrito, num jogo em que o diálogo entre o ler e o ouvir ler se fundem. Daí também a exploração de efeitos fónico-rítmicos, fono-icónicos e/ou onomatopaicos, exercícios de dicção, matizes semânticos e metafóricos de palavras que começam a ser sugeridos e explorados face a um público que está em fase de aquisição de língua e linguagens, de exploração de um potencial que abre portas ao lúdico, ao sonho, à magia, à imaginação, ao possível que sensibiliza e que traduz o universo dos afetos e das emoções espontâneas e expressivas, tão próprias da literatura infantil ou para as crianças.
Enquanto literatura que propicia a modelização do mundo, a construção de universos simbólicos e de crenças / valores / comportamentos, as fadinhas de todas as cores estão para este livro como o imaginário e o encantatório estão para qualquer ser humano: tão possível, tão próximo, tão acessível às crianças como aos adultos. Afinal de contas, literatura infantil é, acima de tudo literatura - não fosse o facto de muitos contos ditos infantis terem sido narrativas de adultos e para adultos ou, mesmo, a fronteira da literatura infantil e a adulta se encontrar muito esbatida entre clássicos como As Viagens de Gulliver (Jonathan Swift), Rob Roy (Walter Scott), Alice no País das Maravilhas (Lewis Carroll), Os três Mosqueteiros (Alexandre Dumas), Moby Dick (Herman Melville). Mais do que o público leitor e a sua idade, valem os argumentos de se estar perante uma produção que relativiza a realidade (explorando a dimensão do sonho, do imaginário, do fantástico e do maravilhoso, do possível); que explora uma semiose de pluricódigos (dos mais gráficos aos mais simbólicos, passando pelos diversos sentidos físicos a culminar na construção de um universo ficcional, criativo e sugestivo); que ultrapassa o sentido de expectativas dos seus leitores (buscando o âmbito dos afetos, da sensibilidade e dos valores sociais).
As ilustrações que acompanham frequentemente a linguagem verbal das obras para crianças são o indicador maior dessa bitextualidade e dessa codificação estética que destacam a universalidade expressiva feita de emoções, de sentidos, de manifestações que a arte conjunta ou interartística oferece. Cristina Pinto em muito contribuiu para a beleza da obra hoje apresentada - pela cor, pelo traço, pelo toque de dramatização, de jogo, de diversão, de infância (re)vivida.
De tudo isto, numa comunicação tão acessível quanto clara (típica de quem muito sabe e partilha), falou Idalina Ferreira na apresentação deste livro com uma imagem e uma linguagem próprias de criança, mas com uma mensagem tão digna e ajustada à vida de adultos.
O momento 'giroflé, giroflá' (Foto VO)
De toda esta tarde, fica aquele instante do "Fui ao jardim da Celeste / giroflé, giroflá..." que deixou de ser cantado pela fada verde (ou por quem a representou ao vivo, em diferentes gerações) e passou a ser ouvido na voz de uma criança que, entre o público, se deixou encantar pelo momento e foi replicando a cantilena, na sua vozinha cadenciada. Fez os adultos sorrirem e acreditarem no bom que a vida, apesar das adversidades, (também ou ainda) tem.