sexta-feira, 22 de setembro de 2023

Fatalidades: do filme ao erro

       No pouco tempo de que disponho, deixei-me levar por um filme...

      Já não me lembro do título nem do canal televisivo que o difundiu - por certo um dos TVCine. Era um daqueles que apelam à simpatia por um casal que tudo faz para salvar a filha de uma doença fatídica e que, à última hora, vê um milagre acontecer. Antes assim, para o final feliz do enredo e dos espectadores que se reveem nos sinais de esperança.
        Felicidade, contudo, não existe quando se lê, nas legendas, o seguinte:

Legenda fatídica em filme de esperança (quanto à língua...!)

       É fatídica a confusão da grafia '-se' e da sequência 'V[ogal]sse'. Caso para dizer que não há crença que resista já ao pretérito imperfeito do conjuntivo, escrito com esta última sequência e não com a primeira (hifenizada). A construção "se não cresse" (à semelhança de outras: "se não acreditasse, se não fizesse, se não tivesse, se não fosse...") não tem qualquer hífen a separar a forma verbal de base da sua terminação com a amálgama do modo-tempo-pessoa-número.

    A felicidade (ficcional) da personagem não tem associação possível ao mal-estar (factual) do espectador que vê a língua tão erradamente tratada na sua grafia.

terça-feira, 19 de setembro de 2023

Um tesourinho (com multiplicação de letras)

       Assim, mo foi apresentado: um tesourinho para a carruagem.

     Há leitores(as) atentos(as) e que vão partilhando, à semelhança do que aqui faço, os seus encontros com o mau exemplo da escrita televisiva.
       Este tem o seu requinte:

Um descanso nada repousante (com agradecimento à IP, pela partilha)

     Entre a escrita correta do duplo 's' na terminação verbal do imperfeito do conjuntivo e o erro do duplo 's' na palavra base, resta pensar que foi a preocupação na sílaba final que se estendeu, por antecipação, à penúltima. Nem 'cans(aç)o nem descanso admitem a grafia que a legenda televisiva dá a ler. A simples estratégia da família de palavras assim o dita (descansar, descanso, descansado, descansasse).

     Por mais que o cansaço seja sentido e experienciado, não é pela multiplicação de 's' que o descanso se torna a recuperação desejada. Na escrita da palavra não o é, garantidamente.

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

A tripla faceta do plural numa só palavra

      Numa breve passagem pelo Facebook, relembrei o plural de 'ancião'.

      Numa imagem simples, lia-se:

Variação morfológica no contraste de número

      Uma palavra com três plurais possíveis - muita variação morfológica, diria. O mesmo acontece com 'alão', 'aldeão', 'ermitão', 'sultão', mesmo que, correntemente, a preferência dos falantes vá para a terminação em 'ões'.
     Algumas outras há que admitem apenas duas formas (em 'ães' e 'ões', como é o caso de 'alazão', 'deão', 'rufião', 'truão'; em 'ãos' e 'ões', como 'anão', 'castelão', 'corrimão', 'hortelão', 'verão' e 'vilão'; em 'ães' e 'ãos', como em 'refrão'), ainda que, a par da tese etimológica de formação destes plurais (recorrendo ao latim) ocorra uma outra que a consciência dos falantes assume como mais sincrónica e menos diacrónica, liberta da consciência etimológica que muitos perde(ra)m.

      Já de outros exemplos não vale a pena escrever, agora; já foram denunciados como o que não se deve ler nem ouvir

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Nem joker nem póquer

       Assistir a concursos televisivos nem sempre se revela um ato muito instrutivo ou esclarecedor.

   Assim o escrevo por, na emissão de hoje do Joker (na RTP1), não ter encontrado informação completamente correta nem título de obra adequado. Nada incomum!
     Sempre aprendi que, na escrita manual, os títulos de livros se sublinham (ou se colocam em itálico, na redação digital); aspas são para títulos de partes / segmentos dos mesmos (por exemplo, subtítulos, episódios, capítulos, entre outros). Consequentemente, Os Maias é um romance queirosiano onde se encontra o "Episódio do Hotel Central" ou, então, Amor de Perdição é uma novela camiliana composta por vinte capítulos, além da "Introdução" e da "Conclusão".
        Pior do que isto é errar o próprio título, conforme se lê na foto seguinte:

Estamos a precisar de ler melhor Os Lusíadas, certo? (Foto VO)

      Camões escreveu Os Lusíadas (com o determinante a integrar o título) e, portanto, não se pode referenciar a epopeia quinhentista como "Lusíadas", mas, sim, "Os Lusíadas", se com aspas se quer sinalizar o título.
     Quando se deveria ter escrito que, em "Os Lusíadas" (sem aglutinação da preposição 'em' e do determinante 'os'), há um deus que se opõe à navegação dos portugueses, já agora registe-se que este último não foi o único. Só o terá sido no universo dos quatro deuses mencionados na questão lançada ou no destaque que, no Canto I, no "Consílio dos Deuses do Olimpo" se dá à voz de um, apesar de o narrador explicitar a dissonância "Quando os Deuses, por ordem respondendo / Na sentença um do outro difiria" (I - 30, vv 2-3). Prova maior da falha do "único" está uns cantos mais adiante: acrescente-se a Baco (protagonista da oponência à causa lusa) o deus Neptuno, Éolo e outras divindades marinhas que, no episódio da "Tempestade" (canto VI), convergem na decisão de dificultar a vida aos nautas, antes de estes cumprirem o objetivo de chegar à Índia.

       Em suma, leia-se melhor a obra épica camoniana e daí decorra, no mínimo, a capacidade de identificar convenientemente o título e a de não tirar conclusões apressadas e inconsistentes.