sábado, 31 de março de 2012

Pensamento tão atual(izado)

    Há momentos em que a saturação se impõe. As decisões surgem na racionalidade do que, durante anos, não se viu cumprido e segundo valores que não interessam.

   E assim se percebem as palavras do poeta, perante discursos da importância que as pessoas têm, exclusivamente para argumentos e conclusões que só a uma das partes interessam.


   É tempo de dizer basta, de deixar que outros correspondam ao que querem ver feito, para gáudio de quem gosta de viver e trabalhar com ilusões; não com o que é estruturante. Não é o meu caso, para quem nem tudo vale.

    Ficam a liberdade, o descompromisso com o que se não quer e o que nunca se quis (por não representar já o que se acredita ser possível: ser profissional que não precisa de ter nas mãos o que lhe queiram acriticamente dar, com o pretenso título de facilitar trabalho).

quarta-feira, 28 de março de 2012

Dor de Pensar (porque pensar é estar doente dos olhos)

       O tópico é pessoano, partilhado com Caeiro, feito de ser e de querer

     Num poeta que intelectualiza o sentimento ("Eu simplesmente sinto / com a imaginação" - in 'Isto' ou "O que em mim sente 'stá pensando" - in 'Ela canta pobre ceifeira"), o plano do pensamento e da reflexão assume-se como pesado (in "Há um ano que não 'screvo'), condição para uma vida mal vivida (in "Chove. Que fiz eu da vida?") ou fonte para o choro e desalento (in "Não sei, ama, onde era").
    Pessoa ortónimo debate-se frequentemente com as dicotomias do sentir / pensar e da consciência / inconsciência, buscando um ponto de equilíbrio sem sucesso. Daí, em 'Ela canta, pobre ceifeira', desejar ser a ceifeira que canta inconscientemente (“Ter a tua alegre inconsciência”) e possuir simultaneamente “a consciência disso!”. Todavia, a constatação de que a ciência "Pesa tanto e a vida é tão breve!" mais não é do que a consciencialização desse "rigor / Que o raciocínio dá a tudo". Perante o estado de infelicidade (porque há pensamento, porque há racionalização em excesso), entende-se o poema 'Gato que brincas na rua', aquele no qual se reforça a ideia da felicidade típica de Caeiro: a do princípio da recusa do pensamento (“És feliz porque és assim”). Em contiguidade, a composição 'Leve, breve, suave' manifesta o desalento do ortónimo, a sua frustração quando o “eu” consciente intervém (“Escuto, e passou... / Parece que foi só porque escutei / Que parou.”). A frustração resulta de uma incapacidade de se atingir a plenitude, a essência, a inconsciência, o abstrato - tudo o que a consciência da existência impossibilita. 
     Assim se justifica a dor de pensar, a angústia existencial. Resta “um mar de sargaço” (in 'Tudo o que faço ou medito'); o múltiplo e o diverso que perdeu a sua unidade; a distância face ao ser que aspira ao infinito, no que este último tem de maior verdade e idealização. 

    Ver a existência como enleio, limitação, sombra de uma luz a que se aspira talvez seja trocar o real pela fantasia, o certo (a consciência) pelo incerto (inconsciência). Bem pior é viver o real na ilusão e na fantasia.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Anda Comigo Ver Os Aviões

   Do grupo de amigos ao toque e ao piscar de olhos de Rui Veloso, Os Azeitonas impuseram-se pela melodia e pela interpretação.

   Pressente-se uma combinatória melodiosa de vários contributos musicais do século XX (entre ba-ladas, slows e outros roman-tismos típicos das gerações de 70-90) numa composição que faz parte do álbum "Salão América" (2011).
   O grupo é nortenho, representa uma pedrada no charco da divulgação musical e já nos tem habituado a alguns êxitos que, felizmente, mais na rádio do que na televisão, têm circulado pelos media, bem como pelas redes sociais. 
    Marlon (o Pintarolas), Nena, Salsa e Miguel Aj (Araújo) são as caras destes "azeitonas" (nada azeiteiros) que se dizem "fiéis depositários do nacional cançonetismo".
   Estamos nessa:


Anda Comigo Ver Os Aviões

Anda comigo ver os aviões levantar voo
A rasgar as nuvens
Rasgar o céu

Anda comigo ao porto de Leixões ver os navios
A levantar ferro
Rasgar o mar

Um dia eu ganho a lotaria
Ou faço uma magia
E que eu morra aqui
Mulher, tu sabes o quanto eu te amo,
O quanto eu gosto de ti
Nem que eu morra aqui
Se um dia eu não te levo à América
Nem que eu leve a América até ti

Anda comigo ver os automóveis à avenida
A rasgar nas curvas
A queimar pneus

Um dia vamos ver os foguetões levantar voo
A rasgar as nuvens
A rasgar o céu...

Um dia eu ganho o totobola
Ou pego na pistola
E que eu morra que aqui
Mulher, tu sabes o quanto eu te amo
O quanto eu gosto de ti
E que eu morra aqui
Se um dia eu não te levo à lua
Nem que eu roube a lua,
Só para ti

Um dia eu vou jogar à bola
Ou vendo esta viola
Nem que eu morra aqui
Mulher, tu sabes o quanto eu te amo
O quanto eu gosto de ti
E que eu morra aqui
Se um dia eu não te levo à América
Nem que eu leve a América até ti

    Divulgada pela internet, em lançamento pontual, esta canção marca (em suporte virtual, digital), por certo, o grupo portuense no caminho da popularidade e da afirmação como um exemplo de culto na música portuguesa.

    Anda comigo ouvir os azeitonas a tocar / A rasgar a música / A rasgar o som...


quinta-feira, 22 de março de 2012

Discursos...

    Porque as dúvidas se impõem, quando as definições não são claras.

    Assim mo foi apresentado. Desta forma respondo: com discurso, bem direto.

    Q: Não consigo perceber muito bem a diferença do discurso indirecto-livre e a do discurso directo livre. As definições que encontro parecem muito pouco claras. Será uma questão de moda por causa da escrita dos Saramagos e dos Lobos Antunes? 

   R: Diria por causa desses autores e de outros que pretendam refletir na escrita matizes que a própria oralidade promove, seja para os casos de narrativa oral seja para registos mais elaborados que procurem desenvolver relações e confluências discursivas ou mesmo efeitos de compresença de vozes narrativas distintas (polifonia).
    É certo que tem sido mais habitual e tradicional a abordagem de três formas de relato do discurso: o direto, o indireto e o indireto-livre. No entanto, não só os relatos orais exploram bem o que é uma junção / aproximação / ambiguidade entre o discurso direto de quem relata e de quem é citado como ainda a narrativa literária - marcada pela dimensão reflexiva, de comentário e interação com o narratário - repesca essa estratégia tendencialmente oral para o escrito.
    Os autores citados são um bom exemplo disso, tanto no plano dos romances como no género da crónica.
   Por exemplo, no caso de Saramago e do Memorial do Convento, é possível detetar essa variedade discursiva, essa polifonia de vozes num romance que, num só coro, deixa ouvir a natureza dialogal (interativa, poligerada) e dialógica (convocando para um só enunciado reflexos, ecos, sinais de uma voz plural) da linguagem e da comunicação.
     Perante um narrador que 
       a) assume declaradamente a variedade de perspetivas, de pontos de vista, de focalizações sobre situações, lugares, personagens e o próprio tempo (ora com um pé no século XVIII ora com outro no século XX); 
       b) se implica na narrativa e reflete sobre a própria narração e/ou o ato de escrita; 
      c) cita de forma múltipla e diversificada os pensamentos e as palavras das personagens que constrói, parece ver, quer atingir / transformar (pela crítica) ou com as quais vai solidarizar-se (pela empatia criada); 
        d) se compromete com uma versão crítica, não oficial da História na história que inventa;
       e) simula frequentemente uma espécie de interação com o próprio narratário (explicitamente presente no discurso narrativo),
     adiantam-se já muitas razões para variação e riqueza vocálicas. O discurso narrativo, em termos de composição, permite gravar vários comportamentos verbais dos falantes (com os diferentes registos e/ou traços específicos), geridos intencionalmente pelo narrador. 
      Neste sentido, cabe aqui falar das principais formas de representação e/ou reprodução dos discursos (no discurso narrativo), todas elas a poderem ser revistas no romance considerado:

(Clicar na imagem para reprodução completa das modalidades de discurso: direto, indireto, indireto-livre, direto-livre)


     Riquezas, complexidades que sublinham a singularidade na expressão romanesca, narrativa de vários escritores (de que José Saramago e António Lobo Antunes são exemplo), além da estratégia diversificada e matizada dos relatos orais dos falantes (por exemplo, com ironia, com apartes, com encaixes de comentários, com a desconstrução do discurso e da linguagem, com a coloquialidade e a aproximação ao narratário, entre outros).

quinta-feira, 15 de março de 2012

Escrita estranha...

    Com o novo Acordo Ortográfico, as estranhezas impõem-se. Tem sido sempre assim.

     Q: Como é que agora escrevo assímptota?


    R: A estranheza pode surgir, mas a nova grafia limita-se a isso mesmo: nova grafia. Daí aplicarem-se as convenções ortográficas já conhecidas (e mantidas) a par das que sejam introduzidas pelo novo documento. 
      Se este último indica que as consoantes não lidas (mudas) desaparecem da escrita, não há razão para manter a já familiar regra da escrita de 'm' para o som vocálico nasal que as antecede. Como só se escreve 'm' antes de 'p' ou 'b', passe a 'n' a letra que assinala a nasalidade. Assim ficam as "assíntotas".

     É tão estranha a 'assíntota' como o "Egito" (a par do 'egípcio'), a 'receção', a 'aceção', a 'exceção', o 'excecional', a 'contraceção', o 'espetáculo', as 'atas' e os 'atores'. E quando alguém se quiser 'retratar' de uma posição ou de um dito que não pense que é uma questão de fazer uma foto para o retrato.

quarta-feira, 14 de março de 2012

In Skené... com heroína em cena

      As palavras têm o significado que se lhes dá: por vezes, os mesmíssimos termos têm significados tão diferentes.

      Este, em parte, foi o balanço de uma representação a que as minhas turmas de 12º ano assistiram hoje no Auditório Municipal de Gondomar: Felizmente Há Luar!, de Sttau Monteiro, numa adaptação levada a cabo pelo In Skené - Grupo de Teatro de Amadores de Gondomar.
    Numa abordagem económica de todo o primeiro ato, a aposta centra-se na fidelidade ao texto do segundo ato, aquele em que a esfera familiar, o protagonismo feminino e o grito de revolta e de esperança se constroem.
     Matilde de Melo é a heroína, numa extensão da figura libertadora que o Marechal Gomes Freire de Andrade representa até à hora da morte, às ordens absolutistas e despóticas dos três reis do Rossio (Miguel Forjaz, Principal Sousa e General Beresford). É a voz liderante, a dar continuidade às expectativas depositadas na mudança - é o luar no reinado da noite.
    No jogo de poderes configurado na obra, a singularidade e a dimensão expressiva do título revelam-se tão essenciais quanto este poder ser interpretado de diferentes formas. As palavras são as mesmas, a expressividade associada ao ato é comum, mas a intencionalidade última e o alcance dos significados são diversos:


       Felizmente Há Luar! - um só título para muitas falas explícitas ou subentendidas. Entre os dois últimos casos sistematizados (à direita), as aproximações são inevitáveis, numa identidade entre o que o autor pretendia e o que a personagem dizia para o seu tempo; ou mesmo entre o que o dramaturgo desejava para o seu tempo (anos sessenta do século XX) a partir dos atos e das palavras da sua heroína (das primeiras décadas do século XIX).
     Esta última, representada desta feita por Joana Sousa, é portadora de uma força que nos instiga à mudança, numa atitude épica e ética face ao tempo e ao mundo. Esgotante, todo o protagonismo da personagem sobrevive no corpo, na voz, nos gestos da jovem atriz.
      A propósito do evento, fica aqui o registo de uma pequena reportagem televisiva produzida por Catarina Silva (para a Regiões TV) acerca desta época de representações:


     Trabalhos, heranças que a Escola Secundária de Gondomar (ESG) vai reconhecendo nas mãos de antigos alunos, expostos aos olhos e ouvidos de estudantes do presente, ambos a marcar a crença de que pode haver futuro.

domingo, 4 de março de 2012

Tratar da saúde

     Não resisto a "roubar" esta preciosidade a um 'post', no Facebook, da colega Elisabete Ferreira.

     Ora vamos lá tratar da saúde a quem precisa:


   Remédio para muita doença. Medicamentos que recomendo, para utilização continuada. Faltam, contudo, os 'quantifiers' (quantificadores) e alguns 'determiners' (determinantes), pois só figura o subtipo dos artigos.
     Registo ainda que, para certas maleitas, são aconselháveis (pela complexidade implicada) uns 'pack' com a designação de 'phrase', numa combinação de alguns destes componentes básicos.

     Numa farmácia, perdão, gramática perto de si. Também comercializado em "livrarácias", estabelecimentos neológicos, especializados em amálgamas.