Formar palavras tem sido questão mais fácil de construir do que de estudar.
Questões críticas, na formação de palavras, são as que se prendem com a História da Língua e a consciência não sincrónica dos estádios linguísticos.
Q: Como se classifica a palavra "autopsicografia", quanto à sua formação? Já li duas interpretações: uma que a apresenta como prefixada (auto+psicografia), outra como composta morfológica. Qual a tua opinião?
R: A palavra 'autopsicografia' é composta.
'Auto' é um radical grego com o sentido de 'próprio' ou 'de si mesmo' e entra na composição de palavras como 'autobiografia', 'autorretrato', 'autodidata' e 'autógrafo'. Assim, à base 'psicografia' (já de si complexa) é acrescida uma outra.
Creio que a leitura prefixada da palavra decorre do facto de o radical grego ter sido empregue em 'automóvel' e, atualmente, pela forma truncada (auto) e num entendimento muito associado ao conceito mecânico da viatura, se ter dado origem a outros termos (como 'autoestrada' ou 'autódromo'). Ainda assim, trata-se de uma leitura indevida, pois Lindley Cintra e Celso Cunha apontam estes últimos exemplos, de segmentação e deriva semântica, como casos de recomposição.
Em 'autopsicografia', o sentido do primeiro radical é marcadamente erudito, ligado ao que, no grego, era o significado originalmente estabilizado. Não há nenhuma deriva que o aproxime de questões de "pseudoprefixos", conforme se pode ler na Nova Gramática do Português Contemporâneo (1984).
Enquanto título de um dos mais conhecidos poemas pessoanos, a palavra composta em análise (a escrita reflexiva, da alma e/ou do espírito, produzida pelo próprio ortónimo) anuncia um metatexto fundamental acerca da produção poética e da teoria do fingimento poético presente no maior representante da Geração de Orpheu.