Chegou-me há dias uma dúvida... ou um pedido de confirmação.
Já lá vão uns anos, quase uma década! Quem diria! E ainda se lembra de mim. Três anos de parceria, outros três de companhia e muitos mais para a vida. É isto o que ainda dá sentido a uma profissão que alguém colocou nas ruas da amargura, mas que, por certo e na grande generalidade, não foram professores nem alunos.
Q: Boa noite, professor ! Pode esclarecer-me uma dúvida? Sempre nos ensinou que se diz, por exemplo, “tinha ganhado” e não “tinha ganho”! Após o acordo ortográfico, isso mudou?
R: Olá. "Tinha ganhado", enquanto realização do pretérito mais-que-perfeito composto, não mudou, em termos de gramática normativa / prescritiva. Se na gramática do uso a construção "tinha ganho" é aceitável, em termos de rigor e correção formal é com a primeira que se lida.
Isto nada tem a ver com o acordo ortográfico, que só convenciona regras para a forma da escrita, da grafia propriamente dita; não para conteúdos de natureza gramatical.
O contraste 'ganhado / ganho' é uma evidência do duplo particípio no verbo 'ganhar' (um verbo abundante na flexão), com a forma fraca ou regular - ganhado - e a forma forte ou irregular - ganho. Esta última, mais marcada pelo uso, é, porém, a gramaticalmente assumida para acompanhar os verbos auxiliares 'ser' / 'estar' (ser ganho / estar ganho). Com os auxiliares temporais 'ter' / 'haver', é a forma fraca que é apontada como correta em termos de formalidade, de gramática normativa (ter / haver ganhado).
O contraste 'ganhado / ganho' é uma evidência do duplo particípio no verbo 'ganhar' (um verbo abundante na flexão), com a forma fraca ou regular - ganhado - e a forma forte ou irregular - ganho. Esta última, mais marcada pelo uso, é, porém, a gramaticalmente assumida para acompanhar os verbos auxiliares 'ser' / 'estar' (ser ganho / estar ganho). Com os auxiliares temporais 'ter' / 'haver', é a forma fraca que é apontada como correta em termos de formalidade, de gramática normativa (ter / haver ganhado).
Outra questão será o aspeto resultativo e perfetivo de uma dada situação: ter a corrida ganha (e não ganhada) significa que esta foi / está ganha. É como ter a conta paga (e não pagada), porque esta foi / está paga. Mas é bom lembrar que eu tenho pagado as minhas contas a tempo e horas (numa temporalidade que já vem de trás e, pelos vistos, não terminará tão cedo).
Assim sendo, uma construção é a temporalidade do 'verbo auxiliar+verbo principal [no particípio passado]' (ter ganhado / ter pagado); outra é o aspeto resultativo / perfetivo de 'Ter+Grupo Nominal+Adjetivo' (ter X ganho[a] / ter X pago[a]).
Aliás, continuando, tenho gastado algum tempo com esta explicação. Não se a explicação está gasta ou se tenho a explicação gasta. Seja como for, é sempre bom relembrar o que já foi feito, dito, ensinado.
Assim sendo, uma construção é a temporalidade do 'verbo auxiliar+verbo principal [no particípio passado]' (ter ganhado / ter pagado); outra é o aspeto resultativo / perfetivo de 'Ter+Grupo Nominal+Adjetivo' (ter X ganho[a] / ter X pago[a]).
Aliás, continuando, tenho gastado algum tempo com esta explicação. Não se a explicação está gasta ou se tenho a explicação gasta. Seja como for, é sempre bom relembrar o que já foi feito, dito, ensinado.
Portanto, mantenho o que disse e ensinei. Há mudanças que só o tempo dirá se virão a marcar a norma da língua. Não que eu queira ser muito normativo, mas há referências que, por princípio e alguma estabilidade, têm de ser assumidas, mesmo que o uso molde bastante o funcionamento da língua. E, já agora, obrigado pela lembrança deste seu humilde professor (quem sabe se, no futuro, a ficar nas suas mãos, aos seus cuidados).