sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

2021... vai-te!

       Chegado ao último dia do ano (que não deixa saudades), ficam as cores de mais um pôr do sol.

     A paisagem marinha inspira: a origem da vida, a liberdade dos voos que queiramos dar, a luz no horizonte, o sombrio dos tempos e dos perigosos rochedos.

O último pôr do sol de 2021 - Canidelo (Foto VO)

      De tudo isto se fará, por certo, 2022. De tudo o mais se faça ainda cada novo dia, sempre com a nota positiva do que nos faça viver, aproveitando as cores da natureza.

       Para todos, um oceano de muita saúde com muitas ondas de alegria e cores quentes no horizonte. Bom ano!
 

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Nossa! Que desgraça!

      Podia referir-me, por certo, ao número terrível dos infetados.

   Quase 27 mil é número assustador (e ainda se prevê mais para a primeira semana de janeiro)! Todavia, há mais uma epidemia a grassar nas notícias:

A prova da desgraça (no presente a referir-se ao futuro do conjuntivo)!

     Quem escreve a nota para a SIC Notícias precisa seguramente de umas aulas de Português, para saber conjugar o futuro do conjuntivo de 'manter'.
       Certo que há verbos em que a distinção é difícil de perceber pela forma da palavra - só a construção sintática a permite ('para trabalhar' > infinitivo / 'se trabalhar' > futuro do conjuntivo; 'para comprar' > infinitivo / 'se comprar' > futuro do conjuntivo; 'para correr' > infinitivo / 'se correr' > futuro do conjuntivo;  'para subir' > infinitivo / 'se subir' > futuro do conjuntivo). O mesmo não sucede com verbos marcados pela irregularidade ('para ir' > infinitivo / 'se for' > futuro do conjuntivo; 'para pôr' > infinitivo / 'se puser' > futuro do conjuntivo; 'para trazer' > infinitivo / 'se trouxer' > futuro do conjuntivo; 'para saber' > infinitivo / 'se souber' > futuro do conjuntivo). É o caso de 'ter' e 'manter'. Fosse a construção 'no caso de se manter' (o que seria desejável, para evitar a duplicação de 'se') e nada haveria a dizer; não foi, lamentavelmente, o cenário escolhido.
       Portanto, 'se se mantiver' era o que devia ser lido, mas, para tal, era preciso que não se escrevesse mal (e quem escreve assim ou não fala diferente ou ignora regras gramaticais elementares - o que resulta, em qualquer dos casos, em erro declarado).

       Temo que, no caso, a epidemia da ignorância da língua precise de uma vacina bem eficaz, para se superar a calamidade evidenciada. E não é só nas notícias!

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

Final do dia... às dezoito!

       Quando dizem que os dias vão crescer...

       Uma tela de céu,
       Um sol que se foi,
       Uma luz que persistiu,
       Mais o escuro que se arrolou.
       Eis o que o olhar viu:

À espera que os dias cresçam (Foto VO)

       Sombras chinesas de uma natureza
       tão à mão, tão versátil, tão diversa na sua riqueza.

       Cresçam, cresçam... com luz e sol!

sábado, 25 de dezembro de 2021

Logo a seguir ao Natal

     Depois do Natal, as más notícias.

   É o mau tempo em Salvaterra de Magos; a chuva que vai piorar; o discurso do papa a focar diversos temas críticos contemporâneos (crise, conflito, violência, padecimento, abandono) - falar em nome do conforto, da luz, da paz, de valores e direitos ainda não é para toda a Humanidade.
    Em escala bem diferente, por certo, também no uso da língua não há respeito. Num só canal e num só programa noticioso, há de tudo:
. o anúncio do habitual discurso papal à cidade e ao mundo (Urbi et Orbi):

Imagem televisiva captada da CNN Portugal - I (Foto VO)

A palavra 'bênção' inexplicavelmente perde o acento gráfico necessário à sílaba tónica (grave), para que esta não seja identificada com a sílaba final terminada em som nasal.

. as medidas de contenção, com a evolução da pandemia:

Imagem televisiva captada da CNN Portugal - II (Foto VO)

O plural das palavras agudas terminadas em 'l' grafa-se com acento gráfico na última sílaba, não na anterior (portanto, devia ler-se 'hotéis' e não o que está escrito na foto).

. direto do discurso de Francisco I (do meio e no fim):

Imagem televisiva captada da CNN Portugal - III (Foto VO)

Como que por milagre, 'bênção' passa a estar bem escrito,
assim que começa o discurso do Papa, transmitido em direto.

Imagem televisiva captada da CNN Portugal - IV (Foto VO)

No final, volta-se à desgraça do erro - tirando o acento indevidamente.
Digamos que ficamos com a bênção incompleta.

    Quando se faz a festa de abertura de um recente e novo canal televisivo, tão propagado na qualidade e no rigor jornalístico, bem fora que tal se fizesse acompanhar da qualidade da escrita.

     Há uma espécie de vírus, na comunicação escrita jornalística, que também, parece não ter fim - teste de resiliência à desgraça ortográfica.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Está para chegar mais um Natal

       Dizem, porém, que este ainda não é o tal!

       Ficam os votos de que o façam especial.

Votos natalícios, com postalinho "personalizado" (Foto e texto VO)

         Evitem o "morcom" (como chamam ao ómicron, e bem, cá no Norte) e livrem-se de tamanho mal.

      Boas festas para todos os amigos - os virtuais, os virtuosos, mais aqueles que dão à amizade um sentido mais pleno, mais real.

domingo, 19 de dezembro de 2021

Histórias de fadas com verdade(s) para crianças e adultos

     Sentidos pedagógicos de muitos livros para crianças residem na mensagem para todas as idades.

    Tive já oportunidade de referir como a literatura para jovens e crianças é frequentemente associada ao mundo adulto. Senti-o na mensagem lida de As Fadas do Bosque das Cores e das Estórias - um livro que mostra como um mundo dividido às cores é seguramente mais pobre do que o profuso colorido do bosque; como o diferente também atrai e se descobre; como as fadas também são humanas na(s) aprendizagem(ns); como ler e ouvir histórias é oportunidade para criar laços, partilhar, comunicar / comungar valores.

As Fadas do Bosque..., de Dolores Garrido - I 

     Se, no início, está tudo ordeiramente arrumado num conformismo sem aventura, tudo muda, a determinada altura, abrindo-se novas perspetivas - é tempo de (re)aprender. Até porque grupo formado não quer ver ninguém afastado, mesmo quem, às vezes, na cor diferente que tem, se quer afirmar pela individualidade a que tem direito:

As Fadas do Bosque..., de Dolores Garrido - II

   Em cerca de sessenta páginas, valoriza-se a diversidade, a inclusão, a memória, a preservação, as mudanças do(s) e no(s) tempo(s), o sentido da descoberta e da alegria. Lembra-se que tudo o que é bom não apaga o seu reverso:

As Fadas do Bosque..., de Dolores Garrido - III

    Porém, tudo pode dar lugar a um novo ciclo:

As Fadas do Bosque..., de Dolores Garrido - IV

As Fadas do Bosque..., de Dolores Garrido - V

    Tal como as árvores que da raiz e do rebento chegam, por renovação, à alta copa, o significado da amizade ganha contornos mais amplos, múltiplos, diferenciados, caso se queira fazer desta procura, aproximação, vivência plural, em visão e acolhimento multicolor num só arco (de renovadas e diferentes íris) e num só bosque (a que todos pertencemos).

As Fadas do Bosque..., com ilustrações de Cristina Pinto - VI

     Em tempos de tolerância, diversidade e inclusão em constante (re)construção, o arco-íris do "vermelho lá vai violeta" (vermelho-laranja-amarelo-verde-azul-anil-violeta) recria-se num bosque cheio de letras, artes e cores: o castanho-amarelo-azul-verde-vermelho-rosa-roxo das sete fadas, que revelam a magia de aprender com e quais seres humanos.

sábado, 18 de dezembro de 2021

Adele no seu melhor

      O concerto em Los Angeles, difundido na RTP2, ontem.

     Um espetáculo construído a partir do exterior do Observatório Griffith, com a cantora a apresentar os seus sucessos e novas melodias do seu mais recente álbum (30) - ingredientes para êxito garantido no Adele - One night only. Transmitido pela CBS a 14 de novembro, chega a Portugal cerca de um mês depois.
     Toda a ambiência criada, numa espécie de concerto íntimo, privado (para amigos, familiares e alguns convidados), num anfiteatro ao ar livre, revelou-se espetacular (ou não se tratasse de um espetáculo), no jogo de luz (com reflexos, projeções e sombras), na localização e na panorâmica, na orquestração, no coro, na composição de todo o evento! Começando com Hello e culminando com Love is a game, esta foi a oportunidade de assistir à voz e interpretação poderosas e deslumbrantes da artista britânica. Entre os temas anunciados como inéditos, mas hoje já tomados como hits, ouviu-se Easy on me ou I Drink Wine. Juntaram-se composições já conhecidas desde o álbum de estreia 19 (caso de Make you feel my love), nomeadamente a que deu voz a um dos filmes de James Bond.

Segmentos do espetáculo Adele - One Night Only

      Um final de tarde que deu em pôr-do-sol, noite de cores e luzes, mais uma estrela que encantou o público que assistia ao show. Um programa entusiasmante (o que seria se fosse ao vivo em direto)!
       
      O programa televisivo faz-se acompanhar de alguns segmentos de entrevista exclusiva, conduzida por Oprah Winfrey, na qual Adele deu a conhecer alguns aspetos do seu percurso de vida pessoal e profissional.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

Caminhos naturais

     Depois da caminhada e do registo fotográfico, umas parcas linhas.

     Podia ser uma fita de cinema, mas saiu escrita para poema. E, assim, deixam de ser linhas e passam a versos (sem reverso).
     
       CAMINHADA

Há um caminho, um trilho,
atravessado por um riacho
que, antes de ser rio, chega ao mar. 
É neste que pouso o meu olhar.

Entre areia, pedras e rochedos,
limpo-a dos pés;
pontapeio-as a cada passo;
sento-me neles a descansar.

(Instante para pensar.)

Estou mais alto, mais perto do céu.
Limpo-lhe as nuvens, seco-lhe a chuva.
Deixo ficar o azul.

Esqueço tudo o resto.
Lavo a alma de qualquer dor ou protesto.

Fecho os olhos, ergo a cabeça, sorvo o ar.
Salga-se a mente. Vou adiante.

Para trás fica o que foi.
Da ventura não vou atrás
(por não ser certa, ser incapaz.)

Sigo com céu e mar.

   Assim o afirmava António Machado, poeta castelhano, no livro Campos de Castilla, numa estrofe de "Proverbios y cantares": "se hace camino al andar" (traduzindo: "o caminho faz-se caminhando").

      Nada como continuar a tirar as pedras do caminho. E ver que há razões mais fortes para caminhar.
      

sábado, 11 de dezembro de 2021

Já chega! Lá se vai a resiLIência!

         Nada mais parece ter acontecido no país, neste dia.

        A sistemática e repetitiva notícia de o antigo presidente do banco BPP ter sido detido na África do Sul já satura. E diz-se onde estava, de onde veio, por onde passou, como foi surpreendido, se vai ou não ser extraditado, o que vai ou não vai acontecer e até o que pode (ou não) ser a evolução próxima da situação. 
        Entre o que acontecido e o hipotético, tudo se diz, se comenta, se critica e se escreve... mal:

As legendas da desgraça, com a CNN (ou de como a RESILIÊNCIA está fraca)

      Já chega de tanto falar no mesmo assunto, que ainda vai garantidamente render (ou não fosse o detido 'Rendeiro') para os próximos tempos. Já agora, chega também de não ter cuidado naquilo que se dá a ler.
      Seja a origem inglesa (resilience) seja latina (resilio), está lá o 'i' (após o 'l') que falta à CNN - fundamentos etimológicos que nenhuma 'breaking news' poderá esquecer (basta ouvir com atenção o senhor Diretor Nacional da Polícia Judiciária). Que se cite bem o que foi bem dito, e resultou mal escrito.

      Isto da RESILIÊNCIA tem muito que se lhe diga. É preciso ser mesmo resiliente, para aguentar tanto mau uso e desatenção na língua (mesmo em jovens canais televisivos). Esperemos que seja uma mera gralha.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Revivalismos infantis... ou de infância

     Há momentos que se revelam pelo insólito.

    É o caso de se estar a apresentar o mito de Tristão e Isolda, falar-se de que há várias versões da história, nomeadamente as que estão para lá dos livros - por exemplo, as de filmes.
    Quando se propõe a verificação deste cenário com outras grandes obras literárias, entre os múltiplos exemplos, vem à coleta a referência a Alexandre Dumas e Os Três Mosqueteiros (1844). A par das personagens Athos, Porthos e Aramis, não fica esquecido D'Artagnan, o quarto mosqueteiro, que o romancista francês tornou famoso numa trilogia narrativa (com o já citado romance, mais Vinte Anos Depois e O Visconde de Bragelone), cuja intriga versa os reinados de Luís XIII, Luís XIV e do período da Regência instaurado entre estes monarcas. Surge, assim, a menção a alguns exemplos cinematográficos, até que, num registo cómico, aparece a adaptação televisiva infantil do D'Artacão (e dos três moscãoteiros).
     Foi o mote para, lembrados da série tão comum a várias gerações, os alunos fazerem ouvir o trautear de uma melodia que lhes é familiar:

Genérico da série infantil "D'Artacão e os Três Moscãoteiros" (dos anos 80 do século XX)

      Recordados o lema do 'Um por todos, todos por um' mais o amor da Julieta, deu para rir; também para lembrar a música, a animação, o prazer desses instantes.

     No inesperado de uma aula, foram revividas memórias - que, por certo, deram alguma felicidade. Soube bem trazê-las para o presente.

sábado, 4 de dezembro de 2021

Com um bosque por cima das cabeças...

       Foi, assim, a tarde de hoje, num lugar de arte e onde tudo pode ser possível.

     No Lugar do Desenho, de Júlio Resende, aconteceu a apresentação de As Fadas do Bosque das Cores e das Estórias, de Maria Dolores Garrido, livro com ilustrações de Cristina Pinto, publicado sob a chancela da Editorial Novembro.
      Se a editora se designa Novembro, o certo é que já estamos em dezembro - um mês no qual muita coisa acontece, inclusive um bosque a pairar por cima das nossas cabeças, tal como uma foto do evento o dá a ver:

A mesa da apresentação: representante da Fundação, representante da editora, 
Dolores Garrido, Idalina Ferreira, Cristina Pinto (Foto VO)

     Um projeto de Cristina Pinto para marcar o momento com a fantasia e a magia necessárias ao universo criado no livro de Dolores Garrido: o de um bosque onde a alegria e a felicidade são trazidas pelos meninos; onde a magia se faz sem varinhas de condão; onde as árvores mais bonitas não são de uma só cor; onde a vida é feita da graça e do seu contrário. Na descoberta desse bosque, abrem-se os horizontes do cuidado, da solidariedade, da diversidade, da união que não esquece a liberdade e a individualidade e se constrói a cada reconciliação. 
A obra apresentada como "um dos livros mais bonitos da editora"
      Assim se compõe a paleta de cores da amizade, num livro feito de palavras "bem juntinhas aos desenhos / pra tudo melhor contar". E também há música, e dança, e festa, e voz(es).
      A da avó e da narradora é uma delas. Efeitos de voz e/ou de oralidade são explorados (rimas, ritmo, interjei-ções, entoação, sonori-dades, expressões colo-quiais) no texto escrito, num jogo em que o diálogo entre o ler e o ouvir ler se fundem. Daí também a exploração de efeitos fónico-rítmicos, fono-icónicos e/ou onomatopaicos, exercícios de dicção, matizes semânticos e metafóricos de palavras que começam a ser sugeridos e explorados face a um público que está em fase de aquisição de língua e linguagens, de exploração de um potencial que abre portas ao lúdico, ao sonho, à magia, à imaginação, ao possível que sensibiliza e que traduz o universo dos afetos e das emoções espontâneas e expressivas, tão próprias da literatura infantil ou para as crianças.
      Enquanto literatura que propicia a modelização do mundo, a construção de universos simbólicos e de crenças / valores / comportamentos, as fadinhas de todas as cores estão para este livro como o imaginário e o encantatório estão para qualquer ser humano: tão possível, tão próximo, tão acessível às crianças como aos adultos. Afinal de contas, literatura infantil é, acima de tudo literatura - não fosse o facto de muitos contos ditos infantis terem sido narrativas de adultos e para adultos ou, mesmo, a fronteira da literatura infantil e a adulta se encontrar muito esbatida entre clássicos como As Viagens de Gulliver (Jonathan Swift), Rob Roy (Walter Scott), Alice no País das Maravilhas (Lewis Carroll), Os três Mosqueteiros (Alexandre Dumas), Moby Dick (Herman Melville). Mais do que o público leitor e a sua idade, valem os argumentos de se estar perante uma produção que relativiza a realidade (explorando a dimensão do sonho, do imaginário, do fantástico e do maravilhoso, do possível); que explora uma semiose de pluricódigos (dos mais gráficos aos mais simbólicos, passando pelos diversos sentidos físicos a culminar na construção de um universo ficcional, criativo e sugestivo); que ultrapassa o sentido de expectativas dos seus leitores (buscando o âmbito dos afetos, da sensibilidade e dos valores sociais).
       As ilustrações que acompanham frequentemente a linguagem verbal das obras para crianças são o indicador maior dessa bitextualidade e dessa codificação estética que destacam a universalidade expressiva feita de emoções, de sentidos, de manifestações que a arte conjunta ou interartística oferece. Cristina Pinto em muito contribuiu para a beleza da obra hoje apresentada - pela cor, pelo traço, pelo toque de dramatização, de jogo, de diversão, de infância (re)vivida.
       De tudo isto, numa comunicação tão acessível quanto clara (típica de quem muito sabe e partilha), falou Idalina Ferreira na apresentação deste livro com uma imagem e uma linguagem próprias de criança, mas com uma mensagem tão digna e ajustada à vida de adultos.

O momento 'giroflé, giroflá' (Foto VO)

       De toda esta tarde, fica aquele instante do "Fui ao jardim da Celeste / giroflé, giroflá..." que deixou de ser cantado pela fada verde (ou por quem a representou ao vivo, em diferentes gerações) e passou a ser ouvido na voz de uma criança que, entre o público, se deixou encantar pelo momento e foi replicando a cantilena, na sua vozinha cadenciada. Fez os adultos sorrirem e acreditarem no bom que a vida, apesar das adversidades, (também ou ainda) tem.

domingo, 28 de novembro de 2021

Quando faz frio...

         ... vêm as saudades do verão.

     Nada como o frio para virem aquelas expressões tão típicas que o caraterizam na língua. 
   Os franceses falam do tempo frio e cinzento (gris), mas connosco "Está cá um griso que nem te passa!". Costuma dizer-se que "Deus dá o frio conforme a roupa, mas mais a quem tem pouca" - em versão mais reduzida, ficamo-nos por "Cada um sente o frio conforme a roupa" ou "Dá Deus o frio conforme a roupa" (ficando ao homem a escolha desta última, diga-se, para que Ele não seja responsabilizado por determinismos ou injustiças sociais). 
    "Que briol!" ou a versão "Que barbeiro!" não são menos populares, bem mais intensos na frialdade e na invernia, quando acompanhadas de vento. 

Quem tem brio não tem frio?

     Tem sido isto (ou próximo) nos últimos dias, com a acentuada queda nos valores da temperatura. Lá se foi o verão! Mesmo que se diga "Em (fins de) Agosto dá o frio no rosto", não é o mesmo sentido de sensação. O de novembro e o de dezembro chegam a doer, a gelar, a 'cortar' na pele. Por isso é bom aquecer as mãos nas chávenas, usar os carapins nos pés, proteger as orelhas com o carapuço (até a máscara, tão escusada, resguarda lábios e nariz). Não sejam os alarmismos "amarelos" e "laranjas" com que nos brindam, estão aí os sinais de um outono comum a anunciar inverno.
     "Ande o frio por onde andar, no Natal vem cá parar". Já não estamos longe, portanto. Assim que passar o ano poderá dizer-se "Chuva em janeiro e sem frio vai dar riqueza  ao estio"; ainda assim, e à cautela, bom é que se saiba: "Janeiro frio ou temperado, passa-o enroupado". Não vá o Diabo tecê-las e entre "Noite fria, dia quente, fica o homem doente" (e a mulher, também). Digamos que é princípio válido para qualquer altura do ano. No que toca  a frio, este existe em todo o tempo, a todo o mês. Há mesmo quem defenda março friorento e ventoso como condição necessária e virtuosa: "Janeiro geoso, fevereiro nevado, março frio e ventoso, abril chuvoso e maio pardo fazem o ano abundoso".
     Como nem tudo é frio, vento, chuva ou neve, pense-se no calor, na primavera e no sol, que dizem fazer bem à pele (na dose certa). Certo é que, na moderação, "Guarda do calor o que guardas do frio", até porque "Quem não anda por frio e por Sol não faz seu prol". Não é de espantar, por isso, o conselho de proteção: "Usa sempre cobertor, faça frio ou calor".

    À falta de outro calor, viva-se o que de mais humano há e brinde-se com as malgas da sopa (é sempre uma forma de celebrar convívio, amizade e de tornar os corações bem mais quentes, fazendo esquecer algumas agruras da vida ou outros corações que não aquecem).

terça-feira, 23 de novembro de 2021

"Payassu", de novo (e para repetir)

      Apesar das contingências adversas, lá fomos ao encontro do "Pai Grande".

     A Igreja de Anta acolheu os peregrinos. Não foi S. Luís do Maranhão, mas não está distante do mar. O caminho foi feito ao andamento de quem precisa de ler o Sermão de Santo António, esse texto vieirino de furor e de crítica a um tempo que se arrasta do século XVII até hoje (ou até ao futuro).
     Fosse o século XIII e podíamos ter o pregador Santo António; fosse o XVII e outro António mostrar-se-ia. Hoje foi o tempo da representação de Marcelo Lafontana, com as palavras de Vieira em articulação e aproximação às vivências dos nossos dias (tão afins aos de há quatro séculos), bem como às de um auditório juvenil tomado por "peixinhos". Numas andas que sugerem o "Pai Grande" ou o púlpito que teria sido o espaço prédico, lá assistimos à encenação de um ator, com a sonoridade autêntica do Português do Brasil, mais a força da palavra (do verbo) que se mantém intemporal e para lá de qualquer espaço ou cultura:

Representação do Cap. IV do Sermão de Santo António, de Padre António Vieira

     No final, na sequência que corresponde à peroração (conclusão do sermão), uma imagem surge como que duplicada aos olhos de quem assiste:

Marcelo Lafontana na Igreja de Anta (Espinho), aquando da representação de 'Payassu' 
(Foto VO)

      É como se fosse o efeito de espelho que o barroco tanto explorou. No discurso sermonário em causa, há vários: o do conceito predicável (Vos estis sal terrae) projetado das palavras de Cristo para as de S. Mateus, de Santo António e do próprio Padre António Vieira; o dos peixes, que são metáfora de homens; o das virtudes e o dos vícios, alegoricamente representados por peixes, que também são dos homens; o dos pensamentos e das sequências quiasmáticas que abundam no discurso do nosso orador seiscentista.

       Uma experiência de representação, de oralidade, para familiarizar com a leitura de um texto muito pertinente e atual. "Não é tudo isto verdade?"

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Certeza escusada (e mais do mesmo)!

     Desta feita, temos uma de catálogo!
Um erro tão desnecessário! 
(com agradecimento à G.V.)   
   É de catálogo, porque está num (Catálogo 20 anos do El Corte Inglês - pág. 44), conforme o apresentou uma amiga, depois da sua leitura de jornal de fim de semana e de ter visto o meu apontamento sobre o 'A PARTIR DE'.
   É por estas e por outras que, quando me dizem 'COM CERTEZA', pergunto logo a seguir "Tudo junto ou separado?" Felizmente, têm respondido acertada-mente na maioria das vezes, mas fico com dúvidas quanto à segurança dos respon-dentes, ai isso tenho! Ficam tão perturbados com a inusitada pergunta que, não sei se por esta se por dificuldade na resposta, mostram alguma incerteza.
    Bastaria pensar que 'SEM CERTEZA' (nunca grafado junto) é o contrário de quem a tem (também com escrita separada).
     Um pontapé na escrita (sem que haja ponta de pé), que dói aos olhos e à mente.

     Depois das aféreses dos nossos dias, não andamos longe das aglutinações históricas que resultaram em 'embora' (< em boa hora), 'vinagre' (<vin acre), 'aguardente' (< água ardente) ou 'fidalgo' (< filho de algo'), só para mencionar algumas das mais conhecidas.

sábado, 20 de novembro de 2021

Natureza em planos e camadas

        A tarde, entre o cinzento e o foco de luz, estava para contemplação.

          E assim aconteceu.
    Primeiro, mais próximo, um mar de prata irradiado de luz chamou a atenção. Vinha ela de um sol encoberto por nuvem densa (é sempre bom saber que ele está lá, apesar da densidade e da persistência do que se mostra sombrio).

Mar de prata irradiado de luz (Foto VO)

         A panorâmica parecia estar em camadas, tal como a vida (ora feita de instantes felizes ora marcada por adversidades).
      Depois, mais distante, via-se um céu num borratão de brancuras dispostas em dispersão espiralizada; em estado de ebulição.

Das brancuras dispersas ao areal banhado na praia Bocamar (Foto VO)

      Foi assim um fim de tarde deixado à liberdade de uns momentos compassados em pé ante pé e por olhares à espera de disparos fotográficos.

        No regresso, havia mais sombra a fazer-se noite.
     

sexta-feira, 19 de novembro de 2021

Estamos nisto! É de susto!

     Cá está o péssimo exemplo nas tecnologias.

    Tudo tão rápido, tudo tão fácil, tudo tão eficaz, tudo tão tecnológico... e a capacitação linguística bem aquém do desejável:

Montagem de susto, a partir de uma mensagem da Microsoft

     Em tempos de capacitação tecnológica tida como prioridade, há capacidades que não deviam ser descuradas. 
     Bem dito eu 'a [paro] partir [paro] de [paro]', sempre que necessário, com as paragens bem marcadas para que se ganhe a consciência da escrita correta. Quando escrevo, exagero na separação dos termos da expressão. Parece que a Microsoft também está a precisar de umas aulas de Português e de boa escrita.
     Lamentável, a todos os níveis. Só falta aparecer um '*afim de' (que não é semelhante a nada, mas estar ' a fim de', com a intenção ou o propósito de), que também deve ser bem separado.
      Escreva-se, portanto, A PARTIR DE, A FIM DE - três termos para cada expressão.

     Nem tudo o que é virtual é bom, e muito menos virtuoso, pelo que se dá a ler na imagem (as interrogações, as exclamações e o susto são meus, após receber uma mensagem destas com a aplicação ativada para, no meu computador pessoal, usar o meu telemóvel Android).

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Uma questão de "*perar" (porque 'quem *pera sempre alcança' ou '*despera')

     Estará a acontecer mais um caso de evolução da língua?

    A frequência de uso do verbo '*tar' é tão comum na oralidade que já foi aqui, mais do que uma vez, denunciada pelas evidências do escrito - bem reveladoras de falha na consciência morfológica (deformação na consciência da base da palavra) e fortes implicações com a sintaxe (confundindo o verbo copulativo ou o auxiliar 'estar' com o verbo principal ou o auxiliar 'ter').
     Hoje, à semelhança de outros dias, a interação foi fantástica, a julgar pela reprodução do diálogo:

     - Ó professor, *pere.
     - Se faz favor, é bonito e eu gosto.
     - *Pere, se faz favor.
    - Não *pero nada, porque não sei o que é isso de *perar. Verbo tão estranho! Eu *pero, tu *peras, ele *pera, nós *peramos, vós *perais, eles *peram! (a gargalhada começa a ser geral). E se fosse no imperfeito do conjuntivo? Se eu *perasse, se tu *perasses, se ele *perasse, se nós *perássemos, se vós * perásseis, se eles *perassem! (mais gargalhada). Ai, e o pretérito perfeito composto! Eu tenho *perado, tu tens *perado, ele *tem perado... (continuam a gargalhar, até que o olhar sério e a pergunta mudam o registo, aind mantendo a brincadeira) Como seria o futuro?
      - Eu *perarei, tu *perarás, ele *perará... (responde uma)
      - Muito bem! E o condicional?
     - Esse é o tempo das Marias (coitados dos Manéis desta vida!): eu *peraria, tu *perarias, ele *peraria...
     - Bem, isto está a soar-me a peras a mais!
     - É cada fruta, professor!
     - Tens razão, é melhor parar, antes que façamos uma salada muito pouco variada e indigesta!

     Para terminar o momento, lá foi o reparo:

      - Espere, por favor, caríssimo X!

     E lá veio a resposta que daria outra conjugação:
     
      -   *Tá bem, professor.

      Alguns, mas só alguns, riram-se, bem cientes de que eu já não "*tava" a ficar muito bem.

     Quando abordar os processos de evolução fonológica, vou pensar se não será melhor começar já a abordar a aférese dos sons na sílaba inicial de 'EStar' e 'ESperar'. Quase me apetece dizer, em variação paremiológica, 'Quem *pera tem *perança' ou, então 'Quem *pera *despera'.

segunda-feira, 15 de novembro de 2021

Ainda a propósito do 'Quinto Império'

        A bem do que possa vir a ser.

       Entre o que Vieira profetizou e Pessoa reconstruiu, não me fico por um nem por outro. Estou com a obra feita, e que bem conheço. Por isso a recomendo. Não é o mito que marca a História do Futuro vieirina; não é a expressão pessoana dessa utopia, dessa inconsciência ou dessa imaterialidade ansiada, feita de sonho e de espírito, encoberta e messiânica, na busca de uma idealização universal e humanista. Ou talvez seja tudo isto no título de um livro bem familiar aos olhos deste leitor, que vê um amigo de um dos autores destacados numa livraria conceituada:

Quinto Império: Profecia de Perdição, de Manuel Maria, na Bertrand (Alameda, Porto)

     À entrada da Bertrand, numa mesa que exibe publicações recentes, lá está o Quinto Império: Profecia de Perdição. Vê-lo ladeado de títulos de Germano Silva, Don(ald) DeLillo, Tiago Salazar, entre outros autores mais ou menos reconhecidos, é um sentido de felicidade que reflete não só amizade mas também escrita narrativa de qualidade.
      Na senda inspiradora de Cinco Palavras de António Vieira (2020), retoma-se essa figura tutelar da arte prédica seiscentista, recuperada como protagonista neste mais recente romance de Manuel Maria. Aqui se cumpre o percurso de vida final do orador e escritor barroco - autor da Clavis Prophetarum (Chave dos Profetas); aqui se aborda a sua utopia identificada como "Reino de Cristo Consumado na Terra". Ideias tão contemporâneas como a de um mundo sem fronteiras, com "todos iguais, todos diferentes", em diálogo inter-religioso e intercultural aparecem conjugadas numa intriga, onde não falta o "polvo" inquisitorial prestes a "abraçar" traiçoeiramente um dos seus. Assim se faz a aproximação à perdição, a essa condição de perseguido de que o Papa libertou Vieira.
      Um romance a conhecer, para que "Payassu" não caia na lei da morte nem nas garras de um preconceito feito de ignorância.

      Com a chancela da editora Lugar da Palavra, esta é uma obra apoiada pela Direção Geral dos Livros, dos Arquivos e das Bibliotecas (Ministério da Cultura).

domingo, 14 de novembro de 2021

Porto Sentido 'cum bozes da naçõue"

      Hoje a manhã começou com uma canção familiar.

     Foi a vez de ouvir um "Porto Sentido", essa canção-hino de Carlos Tê e Rui Veloso (surgida no álbum Rui Veloso, de 1986), numa versão diferente, com várias vozes nacionais. Uma homenagem (mais do que merecida) da Rádio Comercial, ao jeito do que já fez para Carlos do Carmo, agora pelos quarenta anos de carreira de Rui Veloso, esse "Chico Fininho do rock português, cantor e intérprete de mão cheia que também é Manuel Gaudêncio (conforme o ditam os nomes do meio).

Versão de 'Porto Sentido', em homenagem aos 40 anos de carreira de Rui Veloso

      É dessa letra-hino, cantada por populares 'de cor e salteado', que se faz esta versão tão nacional e tão emotiva. O 'Porto Sentido' - tanto na leitura da cidade que sente orgulho (pelo que é) como na do "milhafre ferido na asa" - é a expressão de uma invicta, de uma resistente, de uma urbe que "se estende até ao mar" e se faz mundo, apesar dessa posição segunda a que foi votada.

    PORTO SENTIDO

Quem vem e atravessa o rio
Junto à serra do Pilar
vê um velho casario
que se estende até ao mar

Quem te vê ao vir da ponte
és cascata são-joanina
erigida sobre um monte
no meio da neblina.

Por ruelas e calçadas
da Ribeira até à Foz
por pedras sujas e gastas
e lampiões tristes e sós.

E esse teu ar grave e sério
num rosto de cantaria
que nos oculta o mistério
dessa luz bela e sombria

Ver-te assim abandonado
nesse timbre pardacento
nesse teu jeito fechado
de quem mói um sentimento

E é sempre a primeira vez
em cada regresso a casa
rever-te nessa altivez
de milhafre ferido na asa

     Assim se projeta a "capital do Nuórte", com cantores nacionais (de vários géneros e registos) dando-lhe voz.

    Uma "artista" fecha a versão: a mãe do cantor, a Srª. D. Emília Gaudêncio, que se "anuncia", com os seus 97 anos, no Coliseu.

sábado, 13 de novembro de 2021

Roteiro de compensação

     Saindo ao final do dia, quando o sol se foi.

     Tempo de olhar o mar e o  horizonte. Tempo para mim.
     Já não há bola de fogo ou de luz. Aproxima-se o escuro com o relógio a dizer que ainda há tempo para fazer muito.
     Capto o momento numa foto, com o que a natureza me oferece:

Entre Espinho e a Granja - roteiro de compensação (foto VO)

     Eis o que fica: um caminho que, por mais rochoso e nevoento que pareça, tem de levar a alguma luz. Há ondas e marés que, às vezes, são de infortúnio. Existem para que se possa dar valor ao que realmente interessa, àquilo que mitiga a dor.
     Esborratados uns tons quentes no céu, tudo ficará noite, sem vestígios desse calor que compôs a tarde de um dia por aproveitar.

     Tomo um café quente e regresso a casa. Vem o vazio. Deve ser do frio.

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Onde o mar começa...

      No ciclo da água, as nuvens dão em oceano (ou este tem muito delas).

      Se, por definição, as nuvens são acumulados visíveis de partículas diminutas de gelo ou água no seu estado líquido, ou a mistura simultânea de ambas, capto-as em foto para ver que o mar começa onde a nuvem acaba. Assim se faz um oceano: com aquilo que a nuvem dá. Por isso, esta, suspensa na atmosfera, após condensação, ou liquefeita, segundo fenómenos atmosféricos, é uma extensão dos tons do mar:

Areal de Bocamar, espraiado entre dunas, nuvens e oceano - I (foto VO)

Areal de Bocamar, espraiado entre dunas, nuvens e oceano - II (foto VO)

       Em "Mar Português", Pessoa escreveu que "Deus ao mar o perigo e o abismo deu, / Mas nele é que espelhou o céu." Por vezes, o espelho fica baço, sem o brilho que lhe é próprio. Ainda assim, seduz, por essa amplidão que, do mar ao ar, se pinta de algodão, de flocos a esvoaçar até que as cores do perigo e do abismo se insinuam. Altivos, densos e escuros, lá estão eles a impressionar, num sinal do desconcerto e desarranjo do universo, onde parece ver-se ondas no ar ou um mar de nuvens.

       Ao longo do percurso pelo passadiço, vive-se um final de tarde bem outoniço.

quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Cantigas... com música (pois está claro!)

      É o que pode ser feito para não se ficar pela letra.

     Quando tanto se fala de cantigas de amor e de amigo e se fica pela letra (poema), nada como apresentar algumas propostas cantadas, para que a noção da poesia enquanto texto e música seja validada.
   Com um breve registo fílmico, compõe-se a exemplificação de quatro trechos musicais, com sonoridades medievas:

Quatro cantigas da lírica trovadoresca (de amor e de amigo)

     Solicita-se a audição na base de algumas pré-questões:
     (i) identificação da cantiga (pelo verso inicial) e do autor;
     (ii) classificação quanto ao género;
     (iii) indicação sumária do assunto tratado;
   (iv) caracterização da melodia escutada (recorrendo a adjetivos sugestivos, a construções do tipo 'Esta música parece-me X', ou outra);
   (v) sentimentos vivenciados pelos alunos aquando da audição e devida justificação.

     Tomadas as notas devidas, conduz-se o resultado para a construção de uma apreciação crítica (isto depois de se ter exemplificado este género textual, com a leitura de um exemplo e a sistematização dos aspetos mais relevantes).
      Passa-se do modelo à planificação de um texto a produzir: um parágrafo com a descrição objetiva do objeto (a atividade de escuta das melodias abordadas em i-iii); outro com o comentário crítico (associado às tarefas iv-v); um final, numa espécie de balanço acerca da atividade dinamizada.
      Segue-se a textualização (a ocorrer na modalidade de oficina; a acontecer em tempo complementar, com a definição de um intervalo de tempo razoável para produção e posterior entrega).
       E assim se dinamiza um trabalho que pode ser intitulado "Notas medievais em pleno ano 2021" ou "Aura medieval em plena aula do século XXI".

        No mínimo, ouviram-se músicas para as tão faladas "cantigas", que vinham só com texto.

terça-feira, 2 de novembro de 2021

Diz o "Bom Português"!

       Não é uma gramática, mas...

       Tudo por causa de reuniões e da realização do verbo 'reunir-se':

RTP Ensina e excerto do programa "Bom Português"

       Caso para dizer que algum povo acerta. Seja lá qual for o grupo, conselho ou associação, estes reuniram-se. E não adianta dizer que "soa" mal. Eu é que fico a suar de cada vez que corrijo isto. 

      ... às vezes dá jeito (e a televisão acerta).

domingo, 31 de outubro de 2021

A ver se não caio... na perdição.

       Catorze anos depois, regresso à apresentação de um livro.

      Convite feito quando só havia título. Imediatamente aceite. Não podia ser de outra forma. Nem de profecia se tratava; apenas de confiança e amizade.
     Aconteceu ontem, com a publicação do novo romance do Manuel Maria. Dia 30 de outubro, ou melhor, 30 do 10, para se começar a compreender melhor a presença de tanto múltiplo de cinco: um título com cinco palavras (começado com "Quinto..."), vinte e cinco capítulos, cinco anos a separar a referência a uma carta de Vieira datada de 1658 (a abrir a história) e a citação de uma outra de 1663 (no final da narrativa), o quinto romance do autor... no ano de 2021 (cuja soma dos algarismos também dá cinco). A não ser coincidência, nem sei que diga! 
      Segundo o Tarot, é número de espiritualidade, de comunicação e comunhão, de evocação e descida do sagrado sobre o material; um aviso espiritual que deve encontrar eco no plano físico; um apelo para a libertação da matéria. Eis o mito do Quinto Império e o protagonismo de Vieira.

Da esquerda para a direita: o editor, o apresentador, o autor e o representante da Junta de Freguesia
 - Auditório Horácio Marçal, em Paranhos (Foto DG)

       Quinto império - Profecia de Perdição é romance para ler em tempos como os da atualidade, onde os valores de tolerância e respeito pela diferença, conquista de liberdade, fraternidade, afirmação de vontade e de amor, luta pelo bem são para firmar, no garante da própria dignificação humana.
        No exemplo que o protagonista dá e no percurso que faz, há as duas faces da moeda: a do ideal pelo qual pugna, mais a da negação a que o votam, na traição que perversamente constroem. De um lado, António Vieira; do outro, os que supostamente estariam consigo na cor, no pensamento e na missão, mas cuja fé foi mais movida por interesses e jogos de poder bem diferentes. No desconcerto e nas intrigas mundana(i)s destes últimos, resistiu o ideário congregador do autor da História do Futuro, feito da comunicação e comunhão que muitos não quiseram entender e destas se distanciaram.
       Nas caras e nas  máscaras descobre-se a utopia pretendida, apenas seguida pelos que têm espírito livre e convicção de princípios. Os que se regem pela vontade.
      Personagens de bem cruzam-se no(s) mar(es) da vida, sem  esquecer que nele(s) há ondas revoltas e naufrágios; tempestades a colocar em risco império(s) de humanidade. Entre o Brasil e Portugal, no seio de um tempo que convive com o sagrado e o profano, com a frivolidade e a afetação do teatro da vida, Vieira vive a defesa de um sonho que parece não ser o da sua terra nem o dos seus superiores:

   Quem havia de crer que em uma colónia chamada de portu-gueses se visse a Igreja sem obediência, as censuras sem temor, o sacerdócio sem respeito, e as pessoas e lugares sagrados sem imuni-dade? Quem havia de crer que houvessem de arrancar violentamente de seus claustros aos religiosos, e levá-los presos entre beleguins e espadas nuas pelas ruas públicas, e tê-los aferrolhados, e com guardas, até os desterrarem? Quem havia de crer que com a mesma violência e afronta lançassem de suas cristandades aos pregadores do Evangelho, com escândalo nunca imaginado dos antigos cristãos, sem pejo dos novamente convertidos, e à vista dos gentios atónitos e pasmados? Quem havia de crer que até aos mesmos párocos não perdoassem, e que chegassem aos despojos de suas igrejas, com interdito total do culto divino e uso de seus ministérios: as igrejas ermas, os batistérios fechados, os sacrários sem sacramento enfim, o mesmo Cristo privado de seus altares, e Deus de seus sacrifícios? Isto é o que lá se viu então: e que será hoje o que se vê, e o que se não vê. Não falo dos autores e executores destes sacrilégios, tantas vezes, e por tantos títulos excomungados, porque lá lhes ficam papas que os absolvam. Mas que será dos pobres e miseráveis Índios, que são a presa e os despojos de toda esta guerra? Que será dos cristãos? Que será dos catecúmenos? Que será dos gentios? Que será dos pais, das mulheres, dos filhos, e de todo o sexo e idade? Os vivos e sãos sem doutrina, os enfermos sem sacramentos, os mortos sem sufrágios nem sepultura, e tanto género de almas em extrema necessidade sem nenhum remédio? (cap. X, pág. 59)

     Perante tanto desconcerto, a saída e a salvação têm de ser reafirmadas - e aí cabe falar da felicidade, da utopia, do ideal a atingir (libertos do enleio que a terra cria).
    Nas linhas do romance cosem-se expectativas e frustrações, libertação e prisão, castigo e perdão - porque no jogo da vida há sorte e azar, felicidade(s) e tristeza(s), ilusões e desilusões que só o tempo pode curar (seja no sentido de corrigir seja no de conservar - com o "sal da terra", talvez, para usar uma expressão do nosso orador seiscentista).

     Desafio(s) - o que Vieira quis assumir, enfrentar, confrontar; o que o autor construiu na obra que quis criar e me deu a honra de apresentar.

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Sobre Arte e o Museu do Prado

     Depois de assistir a um documentário de 2019 intitulado "O Museu do Prado" (TVCine Edition), apetece lá voltar.

       Apresentado por Jeremy Irons e dirigido por Valeria Parisi, trata-se de uma produção para televisão a assinalar a primeira viagem cinematográfica pelas salas, histórias e emoções de um dos museus mais visitados do mundo. Nele encontram-se obras de arte magníficas, contando a história de Espanha desde os Trastâmaras aos Habsburgo, bem como do continente europeu que esteve sob a alçada do império de Carlos V.
Entrada lateral do Museu (estátua de Velázquez)
    Do Salão dos Reinos de Filipe IV (bisneto de Carlos V) ao grande e complexo edifício que abriu as portas madrilenas à arte (primeiro, por mandado de Carlos III de Bourbon, no século XVIII, ao arquiteto Juan de Villanueva; depois reto-mado, após as invasões francesas, por Fernando VII e Isabel de Bragança), destaque para a pintura de Ticiano, Rubens, El Greco, Velázquez, Goya, Dalí - espelhos de tempo e de histórias a (re)descobrir e a (re)viver.
      Aquando dos duzentos anos de abertura ao público (1819-2019), as fachadas principal e lateral do museu estavam em restauro. No interior, eram tantos os espaços e as obras que o tempo esgotou-se na infinitude de pontos de interesse, dos mais antigos aos mais contemporâneos.
      Rever alguns deles neste registo fílmico foi uma boa recordação, por certo. Ainda assim, as cores e as dimensões do autêntico estão para lá do que o ecrã televisivo permite.
     Termina o documentário com uma citação das palavras de Pablo Picasso, diretor do Museu do Prado, em 1936:

"A Arte limpa a alma...

... da poeira da vida quotidiana".

     Lembro-me de ter percorrido alguns dos corredores e das secções do grandioso museu, e ficar com a sensação de que precisava de mais do que dois dias para apreciar tanta herança cultural.

     Entre tantos registos, trouxe este:

"Deposição da Cruz", pintura flamenga (Van der Wayden)

      Um quadro que desafia as linhas da moldura, o espaço da imagem (explorando um efeito claustrofóbico), a própria pintura (apresentando-se com tridimensionalidade, quase como se fosse uma escultura, na composição para lá das linhas convencionais, dos limites retangulares singulares e das linearizações estáticas). Um episódio religioso, bíblico, convoca a reflexão sobre a morte, quase numa coreografia dos corpos inanimados / desfalecidos, sem esquecer o pormenor de uma caveira (ao fundo, aos pés) a impor-se face à grandiosidade das figuras representadas.

        Acho que estou a precisar de um bom banho (de cultura)!

terça-feira, 19 de outubro de 2021

67 anos depois - o reconhecimento oficial

      Uma cerimónia e uma homenagem justas para "Um Justo entre as Nações" português.

       Um exemplo humano a reconhecer, sem dúvida. Pena que, oficialmente, seja passado tanto tempo e depois de a voz da consciência interior ter sido confrontada com a injusta miséria infligida no final da vida. Como mais vale tarde do que nunca, chegou a devida homenagem, porque se impunha. Não foi no mês do nascimento (julho) nem no da morte (abril) Qualquer outro serve, pois este é um homem para lembrar a todo tempo pelo que fez; pelo testemunho que deu.

Aristides de Sousa Mendes - o cônsul de Bordéus (1885-1954)

    Aristides de Sousa Mendes causou incómodo ao poder, desrespeitando o dever de um diplomata: obedecer às diretrizes de um governo nacional(ista) mais interessado em se aliar à força maior da(s) ditadura(s) do tempo. Recusou seguir as ordens de Salazar (e o conluio que acabava por ter com Hitler). Teve um processo disciplinar por isso; sofreu, sabendo que ia ser castigado. Todavia, foi numa cultura de desobediência, e de consciência, que acabou por dar uma lição ao mundo: devolveu, com os vistos que assinou, a vida a milhares de perseguidos; olhou o outro na sua diferença e na sua desgraça, respeitando-o e libertando-o de uma morte certa à mão dos nazis. Fê-lo(s) chegar a Lisboa, tornada porta da esperança e da liberdade para mais de dez mil pessoas.

Jardim dos Castanheiros, junto à Casa do Passal
com árvores plantadas por judeus que visitaram a localidade e homenagearam o seu "salvador" (Foto VO)

     Foi este o legado de um homem. Ou melhor, de um Homem; de um Português, que assumiu um ato de consciência excecional: o de que sempre esteve certo (por mais que os poderes do tempo não o apoiassem).

     Hoje, precisamente há 81 anos, era lida uma sentença que castigava um justo; hoje, neste mesmo dia, um corpo mantém-se longe da capital, na sua terra de Carregal do Sal (Cabanas de Viriato), enquanto uma lápide evocativa é colocada no Panteão Nacional. Relembra um ser humano que salvou a vida de muitos outros e fez da sua a luta por valores e causas com sentido(s) de Humanidade.