Apesar das contingências adversas, lá fomos ao encontro do "Pai Grande".
A Igreja de Anta acolheu os peregrinos. Não foi S. Luís do Maranhão, mas não está distante do mar. O caminho foi feito ao andamento de quem precisa de ler o Sermão de Santo António, esse texto vieirino de furor e de crítica a um tempo que se arrasta do século XVII até hoje (ou até ao futuro).
Fosse o século XIII e podíamos ter o pregador Santo António; fosse o XVII e outro António mostrar-se-ia. Hoje foi o tempo da representação de Marcelo Lafontana, com as palavras de Vieira em articulação e aproximação às vivências dos nossos dias (tão afins aos de há quatro séculos), bem como às de um auditório juvenil tomado por "peixinhos". Numas andas que sugerem o "Pai Grande" ou o púlpito que teria sido o espaço prédico, lá assistimos à encenação de um ator, com a sonoridade autêntica do Português do Brasil, mais a força da palavra (do verbo) que se mantém intemporal e para lá de qualquer espaço ou cultura:
Representação do Cap. IV do Sermão de Santo António, de Padre António Vieira
No final, na sequência que corresponde à peroração (conclusão do sermão), uma imagem surge como que duplicada aos olhos de quem assiste:
Marcelo Lafontana na Igreja de Anta (Espinho), aquando da representação de 'Payassu'
(Foto VO)
É como se fosse o efeito de espelho que o barroco tanto explorou. No discurso sermonário em causa, há vários: o do conceito predicável (Vos estis sal terrae) projetado das palavras de Cristo para as de S. Mateus, de Santo António e do próprio Padre António Vieira; o dos peixes, que são metáfora de homens; o das virtudes e o dos vícios, alegoricamente representados por peixes, que também são dos homens; o dos pensamentos e das sequências quiasmáticas que abundam no discurso do nosso orador seiscentista.
Uma experiência de representação, de oralidade, para familiarizar com a leitura de um texto muito pertinente e atual. "Não é tudo isto verdade?"
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