sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Dia final ou do futuro desconhecido

     Como se alguma vez o futuro fosse conhecido... ou se soubesse o que ele trará.

   Há 83 anos falecia um dos grandes nomes da Literatura Portuguesa: Fernando Pessoa. Partia a pessoa, ficava a obra de um poeta do séc. XX, hoje imortalizado numa escultura de bronze junto ao Café 'A Brasileira' (Lisboa-Chiado).
     Houve quem referisse a sua passagem por esta vida como um "rastro de luz". Hoje é bronze, brilhando em dias de sol; baço pela sombra e pelo nevoeiro que o perseguem; lavado e banhado em dias de chuva, seja ela oblíqua seja batida pelo vento que passa; sentado à espera de quem o acompanhe à mesa de uma esplanada.
      Se, primeiro, se estranha e depois entranha, não é questão que o preocupe. Há que ir ao seu encontro, procurá-lo; o contrário não acontece. Só uma vez, e ficcionalmente, tal ocorreu: em O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), de Saramago, Pessoa foi ao encontro de Ricardo Reis. Visitou-o no quarto do hotel Bragança, depois de ter sido procurado no cemitério e não ter sido encontrado. Foi o criador, ou o criativo, à procura do ser criado, já que este último pretendia homenagear o primeiro. Ambos, no final do romance, caminharão para essa eternidade que, de morte feita, faz passagem para todo um sempre, numa espécie de libertação face a uma realidade que dói, instala a crise e se mostra como labirinto da vida humana.
    Há quem ainda não lhe dê o valor já por muitos outros reconhecido (nomeadamente franceses, brasileiros, leitores do mundo que deram a ler, aos portugueses, a modernidade no pensamento e nas letras poéticas, ainda em tempos de uma ditadura que pouco mais via do que 'Deus-Pátria-Família').
      Fica o apontamento de mais um trinta de novembro.

    Lagoa Henriques criou essa presença eterna, intemporal do escritor de toda a gente e ninguém, que fez de Lisboa o seu mundo. Lisboa rima com Pessoa - dela partiu (até à África do Sul), a ela voltou para ficar e poder 'viajar' ("perder países").

sábado, 24 de novembro de 2018

Diarinhando... bom título!

      A tarde foi de apresentação de um livro especial. Entre amigos, no Centro de Recursos da Secundária de Gondomar.

    Uma capa bonita, um título inovador, uma apresentação entre o elogio fundado na qualidade estético-literária e as cores da amizade, uma obra à espera de ser lida. E a autora?


    Já figura nalguns apontamentos desta 'Carruagem', por nos ter dado Histórias para Lermos Juntos e nos ter brindado com O Tesouro. Na companhia e na amizade. Assim foi, assim continua a ser, com os ingredientes geradores de uma família de leitores que Maria Clara Miguel tem vindo a construir. No caso de alguns dos presentes (inclusivamente de alguns ausentes), mais do que leitores, por certo.
      Nada é por acaso, diria a nossa Isaura. O (re)encontro com Maria Clara Miguel aconteceu. E uma Lúcia está para se dar a conhecer. Não foi 'encontro feito poesia', porque de narrativa se trata. Mas nas máscaras de Narciso (nesse mito que se compõe do eu que também é outro, no espelho da água), o que se narra é um ato de escrita metamorfoseado em diário, em prosa poética, em fragmento reflexivo, em apontamento breve, em opinião ou gosto que se querem partilhados.
      Dizia o apresentador do livro - o colega, escritor e amigo Manuel Maria - que nas páginas lidas há suspense, surpresa e sedução. As personagens e as ações narradas convocam espiritualidade e intuição, conformes à tonalidade lilás da capa, a essa cor metafísica propícia à purificação e à cura do físico, emocional e mental. A criação artística é um dos caminhos, nessa elevação de intuição, inspiração e criação espiritual. É mistério a expressar-se pela individualidade, pela personalidade, numa relação plena com a espiritualidade.
      De tudo isto se compõe a obra hoje dada a público, páginas configurando nove semanas de um diário que Lúcia (também Isaura e/ou Maria Clara Miguel) escrevinhou - não se trata de escrever mal nem de produzir algo sem valor (bem pelo contrário); talvez fingir um registo solto, natural, com um fim diverso (mais do que determinado), entre o entretenimento criativo, a oportunidade aproveitada, a vontade sem compromisso e a necessidade de revisitar tempos, gostos, pessoas, memórias que em todos nós vivem - umas comungadas, outras só de alguns, muitas só do 'eu' plasmado num discurso por natureza calendarizado, datado à cabeça (o Homem é tempo; dá-lhe a mão e larga-o, conforme a força, a vontade e a capacidade de o acompanhar).
      Diarinhando é amálgama para um ato encarado como processo, talvez por pretender culminar numa construção de identidades e entidades fictícias que só a vida pode vir a (re)criar pelo que já deu a (re)ver ou a imaginar.

     Ao folhear o livro, parei em algumas datas (8 de fevereiro foi uma delas) e em alguns segmentos (um deles, logo a abrir: "Está aí alguém?"). Talvez seja Narciso a recriar-se, a rever-se num universo de palavras, num fluir do tempo, num espelho de interrogações, reflexões, intrigas que de vida (também) se fazem.

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Brexit: a conversar é que a gente se desentende

    Acordo a chegar e o reino de Sua Majestade a desvairar...

    Lá virá o tempo em que a insularidade terá mar e céu a mais. Nem a "Union Jack" se salva:


    Conversa sintomática para a confusão que o Brexit ajudou a (re)instalar. Caso para dizer que a conversar é que a gente se desentende.

    Veremos quem ficará a ganhar (talvez a Ásia)!

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Ando muito oficinal

     Hoje foi dado mais um passo para a formação específica.

     Um grupo de vinte profissionais está para trabalhar comigo na oficina de formação "Da oficina de escrita à escrita com alguma oficina: processualidade e dinâmicas", em curso na Escola Secundária com EB2,3 Manuel Laranjeira e no âmbito do plano de formação do Centro de Formação Aurélio da Paz dos Reis.

Diapositivo de apresentação da oficina de formação

     Em dia de apresentação (do formador, dos formandos, da ação e da avaliação a promover), houve tempo para se falar de algumas representações profissionais acerca do domínio da escrita (constrangimentos, potencialidades, operacionalizações, níveis de desempenho), se contemplar plataformas de competências / domínios (da oralidade / da leitura para a escrita), partilhar algumas experiências, considerar alguns desafios e algumas oportunidades.
    Neste sentido, a oficina de escrita configura-se como um dispositivo estratégico ajustado a um conjunto de princípios orientadores na ativação / aquisição e desenvolvimento de uma competência fulcral para o contexto escolar (e não só), a saber: planificação estratégica e aberta às contingências de ação, processual e sequencial; interação cooperativa / colaborativa, acompanhamento do processo e do produto, explicitação e aplicação de processos / mecanismos, dimensão prática construtiva e formativamente avaliada.
     Muitas das estratégias implicadas nas oficinas de escrita não são exclusivas deste dispositivo. São válidas também para ocorrências / dinâmicas de trabalho mais pontuais na sala de aula, constitutivas de momentos de ensino-aprendizagem focados em objetivos precisos como os de comparação de modelos, de revisão, reescrita e melhoria de textos.
      Assim foi projetado o percurso:
I – Representações profissionais acerca da competência escrita
II – Referenciais pedagógico-didáticos relativos à Escrita
III – A Escrita nos programas de ensino e nas aprendizagens essenciais
IV – Dispositivos estratégicos no domínio da escrita
a)      O caso da oficina de escrita
b)      A escrita com alguma perspetivação oficinal
V – Planificação de uma Oficina de Escrita
a)      nível de ensino / ano de escolaridade
b)      conteúdos programáticos / metas de aprendizagem / aprendizagens essenciais
c)      âmbito da escrita
d)     materiais a utilizar / construir
e)      procedimentos a contemplar
 VI – Implementação da Oficina de Escrita ou da Escrita Oficinal em contexto de sala de aula
VII – Apresentação e avaliação da implementação (vantagens / constrangimentos)
a)      demonstração(ões) / evidência(s)
b)      perspetivação crítica
     A seu tempo (ao final de quinze horas de trabalho presencial, mais quinze de trabalho autónomo), ver-se-ão as implicações e reflexões associadas às práticas / aos materiais / aos procedimentos adotados.

    Uma oportunidade de colaboração, de partilha, de (re)construção de uma identidade profissional. 

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Olha eu... noutro blogue!!!

    Encontrar-me citado num apontamento de um blogue não é novidade, mas não deixa de ser surpresa.

      Isto de nos vermos espelhados nos textos / trabalhos dos outros é um sinal de que andamos a fazer alguma coisa neste mundo. Bem ou mal, que o avaliem os outros. Por mim, vai sempre dando para acreditar que vou fazendo qualquer coisinha de jeito, para bem dos que partilham a minha área de trabalho.
      Procurava eu alguns dados sobre coesão e coerência e revi-me:

Pormenor da página http://recursosabertosdeportugues.blogspot.com/2014/10/coesao-lexical.html

   Agradeço a consideração ao blogue "Recursos Abertos do Português", que selecionou alguma da informação por mim facultada (ainda que, em rigor, esta precisasse de ser mais completa para corresponder ao por mim escrito sobre coesão referencial / lexical).

      Ainda assim, o agradecimento nesta experiência "interblogueada".

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Céu de fogo

        Aquecido o dia, o final de tarde foi alaranjado.

     É como se mar e céu se rendessem ao fogo e ao calor da tarde e, antes de a friagem da noite chegar, houvesse tempo para lembrar um verão que, não sendo o de S. Martinho (porque a destempo), foi o do santo hoje celebrado: Santo Alberto Magno. 

Céu de fogo (Foto VO)

     Dizem que foi soldado, devoto de Virgem Maria e que seguiu a vida cristã, dedicando-se por completo ao estudo e ao apostolado. Apaixonado e dedicado à vocação, teve como discípulo São Tomás de Aquino. Escreveu mais de trinta obras e ensinou a viver em equilíbrio, graça e fé.
    Por ora, era o que mais queria: equilíbrio (em tempos de pico de trabalho), graça (para quebrar a rotina dos dias e ter a capacidade de aproveitar algum do tempo que me é dado) e fé (nem que seja a de que tudo isto vai passar).
    Creio que ando a precisar de todos os santos; não só um.

    E saber que laranja é cor que traz sucesso, agilidade mental; atrai boa sorte e prosperidade; desencoraja a preguiça. Era bom, era!

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Convergindo, divergindo

     Depois de um dia de muito trabalho...

     ... busco o mar, ânsia de partir até à linha do horizonte, a todo o momento renovado. Se outra terra me acolhesse...

Porque há ir e voltar (Foto VO)

   Os passos, no vai-e-vem da busca, ficam lá, na areia, à espera que o vento apague as marcas da minha presença, os sinais desse encontro que tive, que fiz, que vivi e de que me afastei.
     Fui, vim e, daqui a pouco, é como se lá não tivesse estado. E assim a vida corre...

    Regressado a casa, vou a mais trabalho, até que a noite chegue e a possa dormir para recomeçar o que não houve tempo de acabar. Qual Sísifo, empurro a pedra, pesada... que teima rolar ao meu encontro.

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Dúvidas de cariz geográfico ou morfológico?

      Uma rubrica radiofónica com alguma comédia e linguística à mistura.

      Depois de tanta gente a dizer o verbo 'tar', em vez de 'estar', só me faltava ter o genérico de uma rubrica das Manhãs da Rádio Comercial a pedir ou a aconselhar "Não tejas medo' (ainda por cima sem a preposição 'com'). Por amor da santa (seja esta lá qual for)!
      Ainda assim, lá vou ouvindo o "sábio" Amílcar (personagem interpretada por Bruno Nogueira, em modo de alentejano com grandes reflexões para a vida), não vá ele passar alguma mensagem tomada de sensatez e muita prudência
      Segue-se um excerto da reflexão de hoje, entre o geográfico e a consciência morfológica:

Excerto de 'Não Tejas Medo' (Rádio Comercial)

     Na comédia, fazem algum sentido a reflexão e o jogo acerca destes adjetivos relacionais outrora designados de gentílicos ou pátrios. Linguisticamente, numa perspetiva morfológica e/ou lexical, há pontos bem dissonantes na análise.
     Não se pense que 'espanhol' é formado na língua portuguesa, a partir de Espanha (é proveniente da reconstituição latina *hispaniōlu-, diminutivo de hispānu-, «hispano»), ou que 'rissóis' poderia alguma vez derivar de 'Rússia'. 
    Dos suecos, diga-se que a origem etimológica se encontra na forma antiga 'suécio', numa adaptação vernácula entrada no português em pleno século XVI, entretanto reduzida, conforme atestado no século XIX. Nada a ver, portanto, com o sufixo '-eco', cujo uso, no português, se associa a derivação com sentido pejorativo (como em 'jornaleco' ou 'senhoreca').
  Morfológica é a formação de 'marroquino', derivada de Marrocos e da sufixação com 'ino' (à semelhança de Argel > argelino, Tunis > tunisino, Alpes > alpino). Marreco tem origem tão obscura que, seja referência ornitológica seja sinónimo de corcunda ou matreiro, parece indecomponível. Que base derivante seria 'marr-' para se lhe acrescentar '-eco'? Há generalizações que, na certa ou na maior das probabilidades, dão erro morfológico.
    Soaria insultuoso tratar o suíço (popularmente formado a partir de 'Suíça') por suíno (proveniente do latim suīnu-, e da origem etimológica sue-, «porco»), por mais que qualquer um deles seja base, sem sufixação na língua portuguesa (quando muito, o 'suíno' tê-la-á no latim).

    Em suma, entre o que há de morfológico e o que à Morfologia não diz respeito, instala-se o cómico. Por mim, não acho é mesmo piada nenhuma ao "tejas". Como diz a letra da canção, "Sem alegria, eu confesso: tenho medo que tu me digas um dia «Meu amor, não tejas medo»".

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Cuidado comigo

      Não sei que mais diga.

      Depois da leitura de um artigo que circula pelo Facebook, quem me conhece que se cuide.

in http://www.minutopsicologia.com.br/postagens/2015/09/18/psicopata/

   "Está provado cientificamente que as pessoas que gostam e preferem os sabores amargos têm tendência para ser psicopatas.
    Na Universidade de Innsbruck foi realizado um estudo que concluiu que se alguém prefere coisas amargas são mais maléficas. Os dois investigadores austríacos analisaram os hábitos alimentares de cerca de 1000 pessoas: compararam o quanto cada um gostava de cada iguaria e realizaram testes psicológicos e perguntas para perceber a personalidade dos participantes.
  Foram colocados diversos alimentos para os participantes provarem - doces como chocolate e amargos como café sem açúcar - e os investigadores descobriram que os que gostavam de sabores amargos têm uma personalidade mais maléfica, com tendências sádicas.
   Eles gostam de sabores amargos porque se sentem como que numa “montanha russa”, diz um dos investigadores."


in https://revistapt.com/pessoas-que-bebem-cafe-sem-acucar-podem-ser-psicopatas/?fbclid=IwAR06DhnLe-SxT_L8yymdgpiSo3QOm7ITHN_GJpEglDwT7pQ_KhI3xWuONpw

     Gosto de bolos muito pouco doces; chá e café é sem açúcar, mesmo. Sou azedo!

sábado, 10 de novembro de 2018

Fogo sobre o horizonte

    Com o final do dia, vem a cor viva.

   No céu tão cedo escurecido pelas nuvens de um dia chuvoso e por uma neblina que esfria o fim da tarde e desfoca o horizonte, há uma cor viva que atrai, uma quentura que não dá calor à pele; só ao olhar:

Fogo sobre o horizonte (FOTO VO)

    No acinzentado da imagem, com um areal entre o submerso pelo mar e o empurrado para terra, há um pedaço de céu que não se espelha no mar, leito cinza com rendilhado de branca escuma, que o vento ainda faz esvoaçar, deixando-a a flutuar no ar. É a cor viva que nos faz ter saudades do verão e do calor. Lembrança marinha, sem verso, mas a rimar com vital alor (pela marcha que foi e pelo estímulo que resultou).

      Assim a caminhada para, porque a cor seduz e nela muita gente repara.

domingo, 4 de novembro de 2018

Barcelona medieval e 'A Catedral do Mar'

    Uma série Netflix a não perder (2017). O livro do barcelonês Ildefonso Falcones (2016) é encontro a marcar.

     "La Catedral del Mar" - 'pela Virgem' e 'Às armas'. É com estes dois lemas que se retrata a sociedade catalã do século XIV. A partir de uma pesquisa e investigação aprofundadas, o autor apresenta uma visão da prosperidade e da força da cidade nos tempos medievais. Com a história de fuga do servo Bernat (que salva o filho das mãos tiranas e brutas do senhor feudal que possuíra a esposa e faria da criança mais um escravo às suas ordens), fica a conhecer-se a vida e a singularidade de uma Barcelona encarada como espaço urbano cosmopolita, habitada por escravos, artesãos, judeus, nobres, mais a realeza que se impõe a Castela e a Mérida.
     Um bairro humilde de pescadores (Bairro de La Ribera) afirma-se pela construção popular, coletiva e colaborativa do maior templo mariano do tempo: a catedral de Santa Maria do Mar. A gloriosa edificação faz-se a par da história de Arnau (Aitor Luna), uma criança tornada adulto e cidadão que conquista a condição de homem livre. Enquanto estivador,  bastaixo (carregador de pedras), soldado e cambista, a evolução do filho de Bernat não deixa de criar invejas, forças que preconceituosamente o forçam a ver-se como servo, como fugitivo indigente cuja nobreza de carácter só no final da narrativa dará lugar ao nobre e aristocrata definitivamente reconhecido em termos sociais. 

Trailer oficial da série 'A Catedral do Mar' (2017)

   Conspirações torpes e vis, injustas expõem-no a múltiplos perigos, como a chantagem da mulher que amou e de quem teve de se separar (por ser casada); a peste negra que lhe levaria a primeira mulher e os amigos; a perversão e o ciúme interesseiro da princesa (Elionor) com quem viria a casar, por decisão de um rei que viu nesse matrimónio a oportunidade de se libertar de uma dívida enorme ao então bem-sucedido cambista; a depravação e a imoralidade de uma Inquisição, que mostrou o que de mais degradante, maquiavélico e demoníaco havia na instituição da Igreja.
     Entre a a discriminação e segregação sociais, os interesses e jogos políticos, a intolerância religiosa e o materialismo reinantes, o amor virá a resistir e a triunfar, com Arnau Estanyol a assumir a sua paixão por Mar (Michelle Jenner), uma jovem protegida que cresceu, ficou mulher e acabou sua esposa, e mãe do filho que transporta para futuro o sinal da paternidade (sinal junto ao olho direito).
    Baseado no romance histórico de Falcones, o enredo da vida de Arnau Estanyol é complexo, narrado desde as dificuldades da infância à condição de bastaixo e ao sucesso adulto do cambista. Na ausência de uma mãe (Francesca) que só vem a conhecer na pior fase da sua vida adulta, o protagonista tem na Virgem Maria a mãe celeste a quem recorre nas adversidades, aquela que o acompanhará desde os mais tenros anos, bem como ao irmão adotivo que também marcará o seu percurso. Fecha a série (com oito episódios) com a inauguração e a sagração da catedral, com Arnau, Mar e o filho num núcleo familiar com expectativas de futuro (ao contrário de um início que colocou Bernat, Francesca e Arnau em rota de fuga e dispersão).

      Na linha das séries "Os Pilares da Terra" (2010) ou "Um Mundo Sem Fim" (2012), baseadas nos romances homónimos de Ken Follett, "A Catedral do Mar" é uma produção de Ana Rubio, num projeto da 'Diagonal Televisió', em coprodução com a Televisão da Catalunha.

sábado, 3 de novembro de 2018

Tristão e Isolda - da lenda ao filme

      Diz-se lenda medieval de origem céltica; firmou-se como uma das histórias universais de amor trágico.

    Surge pelo século IX. As primeiras versões escritas são do século XII, no formato de narrativa em verso, tendo sido história difundida por trovadores e pela realeza francesa (rainha Leonor de Aquitânia) na Europa. Um século depois, foi incorporada no Ciclo Arturiano, com Tristão a assumir-se como um cavaleiro da Távola Redonda. 
    Tristão (James Franco) assiste à destruição da sua família por invasores oriundos da Irlanda, até que um nobre da Cornualha (Lord Marke, interpretado por Rufus Sewell) o protege. O reino é constantemente ameaçado pelo rei irlandês, como forma de impedir o nobre bretão de obter uma união de pares e de reinos capaz de o enfrentar (assegurar a paz das fronteiras irlandesas era um objetivo a cumprir, desde os tempos da expansão romana).
     Entre a Irlanda e a Cornualha, há, contudo, um mar que deu em amar, ou não o cruzasse Tristão, acabando por conhecer Isolda (Sophia Myles), a ela se unindo e dela se afastando até dela se separar com a morte.

Tristão e Isolda - trailer do filme de Kevin Reynolds (2006)

    A intriga fílmica, dirigida por Kevin Reynolds (2006), espelha várias questões da literatura do tempo: a herança, os vestígios e a influência romanas; a questão das relações feudais, dos códigos de honra e de lealdade, bem como da vassalagem e do amor cortês; a condição da mulher no casamento (essencialmente entendido como contrato, negócio); o adultério como consequência ou realidade associada à distorção das regras de casamento; a relação da arte com a vida cortesã (literatura, dança e música), entre outros.
     Se a versão cinéfila é ou não fiel às origens narrativas celtas é questão que, não sendo de menor interesse, não apaga o destaque temático a dar ao herói (homem sem terra, na busca e no distanciamento face ao que mais deseja - Isolda; ser em constante conflito, entre o foro público e o privado, mas sempre fiel tanto ao "senhor" que serve como à "senhor" que ama) e à heroína (mulher entregue a um amor que vai ultrapassar convenções familiares e sociais, para não falar da própria vida).

   Segundo as palavras de uma personagem do filme, o amor de Tristão não destruiu um reino (contrariamente ao assumido no momento da denúncia amorosa), não diminuiu ninguém. É expressão de elevação, de idealização; de amor mais forte do que a vida ou do que a morte.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

História que (não) se repete

     Depois da festividade do Halloween, veio o susto.

    Tremeu a terra, pela madrugada, num sismo registado na região norte e centro com a magnitude 5.2 na escala de Richter. O epicentro localizado no mar, a cerca de 480 quilómetros a oeste de Peniche, não trouxe danos pessoais nem materiais, ainda que sentido entre Braga e Lisboa.
    Há cerca de 250 anos (mais precisamente 253), a catástrofe era maior, com efeitos mais localizados na capital do reino e seus arredores. Vivia-se o reinado de D. José I e a oportunidade de ascensão política de Sebastião José de Carvalho e Melo (mais conhecido por Marquês de Pombal). O Terramoto de 1755 foi tragédia nacional com reflexos internacionais.
    Assim o diz a Literatura, particularmente em Cândido, ou o Optimismo (1759), narrativa filosófica de Voltaire, na qual se reflete e critica o axioma «Tudo está bem no melhor dos mundos possíveis» (de Leibniz), com a irónica refutação evidenciada com as terríveis lições infligidas aos protagonistas - o precetor Pangloss e o seu discípulo Cândido.
   Uma dessas lições prende-se com as vivências do terramoto, que relativizam o otimismo excessivo de Cândido, ao chegar a Lisboa no preciso dia da tragédia. A morte de Pangloss num auto de fé, por ação inquisitorial, é lição demasiado pesada para tanto "bem no melhor dos mundos", sejam estes possíveis (fictivos) sejam estes reais (factuais).
   Ora, em tempos de alguma preocupação (também com sinais sísmicos que não pacificam ninguém na atualidade), a história repete-se em dia que parece fatídico, ainda que em escala bem menor face ao que sabemos de outros séculos.
     Sem o otimismo inicial de Cândido - sou mais pela relativização do bem (por forma a não o perder por completo, na ilusão de que não existe mal nenhum) -, vou ficar-me pelo preceito final da obra: "devemos plantar o nosso jardim".
      Aproveitar alguma coisa do feriado é o desejável (já que não pode ser tudo). Não será jardim; antes um canteirozinho.

     Repete-se a história, sim, mas com narrativa e efeitos bem distintos, para um dia de má memória.