quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Vá de retro!

            2020, vai-te embora!

         Foi tão indesejável que percebo aqueles que dizem que houve janeiro, fevereiro e dezembro. Quase um ano inteiro preso a uma máscara, confinado, com restrições e grandes limitações no sentido de felicidade e liberdade.
         Para o novo ano não tenho desejos. Talvez haja uma leve esperança... leve. Gostava que fosse sólida. É mais gasosa, talvez líquida pela força da vontade. Solidez não!

Onde chega a onda?

         De resto, não formulo desejos. Tal como Tchékov, nalgumas das suas peças, prefiro o silêncio: o som mais eloquente de todos, para todas as circunstâncias (nomeadamente esta, a do começo de um novo ano). O silêncio.
        Sinto-me qual gaivota sobre um lago. Sem terra, sem mar. Por ali, algures, num espelho estagnado, em imagem parada, à espera de melhores dias (Venham eles)!
          Escrevo na areia 2020. Venha o mar...
          Segue-se 2021. Onda, onde chegarás?

          2021... sei lá que diga!

quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Ainda Lídia...

        Depois de um primeiro apontamento, persiste a curiosidade sobre Lídia (seja ela quem for,... ou não)!

      Tudo a propósito de uma pergunta avançada por alguém que "viaja nesta carruagem": quem é Lídia nas Odes de Horácio e em Sophia de Mello Breyner Andresen?
    A construção da figura é precisamente isso: uma construção poética, literária, simbólica, um tópos delineado como personagem que autores, ao longo dos tempos, foram e vão configurando na memória coletiva da literatura universal. No fundo, constitui-se como uma espécie de código para representar temas, ideias que transcendem o tempo e traduzem uma herança cultural e literária da Europa latina.
        Lídia não é ninguém, com a possibilidade de, potencialmente, ser toda e qualquer pessoa. É o resultado criativo de um autor clássico - Horácio - que associou à criação o que deixa ler nos seus versos, mais precisamente, uma conceção do que é o amor e a paixão amorosa na vida de qualquer um. Entre a expressão explícita de um sentimento numa visão conformada de sentido estoico-epicurista e o retrato polifacetado de uma personagem que, à moda pessoana, pode implicitamente ser a descentração do próprio 'eu' criador, tudo pode caber no jogo do fingimento artístico que a literatura, em geral, e a poesia, em particular, são.
      Nas Odes horacianas, Lídia é objeto de recomendações, avisos, chamadas de consciência no domínio amoroso (o amor que se transforma, numa espécie de feitiço que se vira contra o feiticeiro; que faz negligenciar o dever, os compromissos, percursos de vida mais dedicados ao esforço e à disciplina; que se revê nos perigos ora da sedução - de que Lídia é mestre - ora do abandono - dos por ela seduzidos; que, irascível e leviano, desconcerta, mas já permitiu vivências de comunhão entre amantes tão diferentes; que se molda numa expressão tensa, dramática e, por isso, também fonte de ação e de vida). É também ela sujeito de uma voz diretamente representada, no diálogo com um 'eu' (na ode nona do livro III), a sublinhar que o presente bem diverso nas representações do amor não impediu um passado de conjugação e felicidade partilhadas. 
       Em suma, mais do que quem é, Lídia representa a súmula dos diferentes matizes de um sentimento plasmado, na sua diversidade, desde as letras da Antiguidade. Neste sentido, ela é ciclicamente revisitada por autores que leram Horácio e/ou pertencem a uma tradição cultural e literária comuns, mesmo quando eles se assumem como distintos, mas nem sempre distantes, de uma cosmovisão clássica (como é o caso do romântico Garrett, cuja educação não deixou de ser por ela marcada).
     Sophia está neste percurso de revisitação, tanto por alguma referencialidade e inspiração clássicas da sua obra como pela experiência de leitura que espelhou influências e reações. Seja por acesso direto a autores clássicos seja por leitura mediada (por exemplo, do heterónimo pessoano Ricardo Reis), a autora de Dual (1972) recuperou essa personagem horaciana, que Reis retomara, acrescentando-lhe cambiantes um pouco desafiadores face à (re)visão proposta por quem havia escrito "Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio". Diferente deste, Sophia alerta Lídia para os perigos da resignação, do comedimento, de uma ataraxia que impedem a ação ou a vontade de agir; avisa-a de que não pode acreditar naquilo que outros fizeram crer ("Não creias, Lídia, que nenhum estio / Por nós perdido possa regressar"). Ao contrário de Reis, não é desejável que ela fique pela contemplação do rio, com as mãos desenlaçadas, numa tranquilidade ou serenidade estagnantes. O convite, agora, é para ela se atirar ao rio e acompanhar o fluir da vida. Nova é a mensagem: aquela que permite a mudança, a celebração, o festejo, o carpe diem que o heterónimo pessoano conheceu, mas evitou (enquanto estratégia de sobrevivência), para obsessivamente não sofrer ou não perder muito à hora da morte.

      À pergunta 'Quem foi Lídia?', uma bem mais importante interessa considerar: 'o que esta representa na tradição artística, cultural, literária, nessa herança latina a todo o tempo revisitada?' Onomasticamente, diz-se que Lídia significa 'aquela que tem as dores do parto'. É, portanto, aquela que traz e origina vida. Metaforicamente é aquela que se identifica com a vida e como esta é percecionada por quem dela / para ela escreve.
 

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

(Re)viver o Natal, a saber a mar.

      O Natal já passou!

      Repete-se, sempre que é possível juntar amigos, ainda que à distância desejada para o bem de todos.
    A vontade dos abraços é grande, os sorrisos e as gargalhadas estão mais contidos, mas escapam sempre aqueles ou aquelas que aquecem o momento.
    O convívio é controlado, mas o instante das trocas de prendas é sempre o mais confuso, por causa do entusiasmo de dar e receber - trocar na vontade do que se fez, do que se comprou, do que se escolheu para o(s) outro(s) que faz(em) parte de nós. É como se revivêssemos esse tempo genuíno da infância e da ânsia de descobrir o que está dentro do embrulho. Rasga-se o papel, abrem-se os sacos, revela-se o que é, agradece-se e promete-se que, no próximo ano, vamos repetir tudo bem juntos (o que já é impensável não acontecer).
    Veio a "Prenda natalícia", como muito mar (que rima com amar - esse sal de vida a temperar a amizade). O verdadeiro natal é estar(mos) junto(s) e dar o que saiba a mar:

Um natal tão típico no atípico que foi - montagem de fotos (VO)

         Com Covid, sem Covid, não interessa. Desde que aconteça!
      (A trabalheira que me deu ir à praia, apanhar conchas e substituir aqueles típicos papeluchos a indicar 'De:...' e 'Para:...'! Que me perdoe o comércio destes tempos, mas gosto mais, é mais natural e também gratuito. Escreve-se o nome dos amigos e sempre se dá uma prenda com um pouco de praia, de mar, a lembrar verão, nestes dias de inverno).

     Já lá vão três dias; mas Natal é quando o Homem quiser (na companhia daqueles com quem queremos conviver)!

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

Natal em concha

      Tão pequeno na sua grandiosidade!

      Grandioso rima com gracioso. O meu presépio tem as duas qualidades de tão pequenino que é.
      Ganhei-o como presente, embrulhado nas cores natalícias que também são nacionais:

A concha da vida em tempo de Natal (Foto VO), 
com o agradecimento pela lembrança amiga da E.P.

    É pequeno como as personagens humildes nele representadas, tão grandes para o mundo.
    Inspira fragilidade, mas é o exemplo de humanidade que nem sempre os humanos seguem.
    Um bom Natal para todos, em tempos tão críticos que permitam a descoberta do que verdadeiramente interessa: uma concha de vida para vida.

     Vale este tempo para isto lembrar: a concha da vida que, ao Homem, o tempo convida à hora de nascer, para a cada instante revivescer.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Um espaço a várias cores

           Quando no mesmo local, o tempo passa...

        Só o mar vai e vem junto à praia. Talvez também não seja mais o mesmo, ainda que os olhos pareçam ver a mesma água. Não é a do rio, que flui para o mar. Dela, Heráclito de Éfeso dizia “Ninguém entra em um mesmo rio uma segunda vez, pois quando isso acontece já não se é o mesmo, assim como as águas que já serão outras.” Em suma, ninguém se banha duas vezes na mesma água do rio - a constatação da fugacidade do tempo, da volatilidade da vida.
          Há bancos, porém, que se mostram à espera de quem neles se sente. Assistem a quem passa, ao ir e vir das ondas; ao sobrevoar do sol; às nuvens que surgem e se dissipam; ao correr das estações.

Um banco mirando o espetáculo da natureza (Foto VO)

Um banco mirando o espetáculo da natureza (Foto VO)

         Estão bancos distintos nas cores do(s) dia(s), quando uma só nuvem faz a diferença. Talvez sejam outros, sem o parecer no correr do dia-a-dia ou dos meses; lá ficarão no devir de muitos anos. 

          ..., há quem por lá fica, aos poucos, e vai deixando de ser o mesmo.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

A propósito de choques... (no plural)

      "Chocada" por chocado, resta dizer que já somos dois em choque!

     Lido um 'briefing' noticioso do dia, chama-me a atenção o título de alguém que se diz chocado. Acabei por ficar da mesma forma, mal assimilei o conteúdo do texto:

Um 'briefing' a correr o risco de nunca mais acabar...

      Nem sei por onde começar. Vamos por ordem. 
    Primeiro, uma construção relativa que não dá lugar à devida anteposição do pronome 'se' ( > "... dentro do qual... se mantém..."); depois o conectivo aditivo "não só... mas também..." que, na sua composição correlativa, não deve dar lugar a separação por vírgula; por fim, a extensão frásica de todo o apontamento a encadear orações sucessivas, umas atrás das outras, num comboio que parece não ter fim. Bem digo aos alunos que, ao escreverem, duas / três linhas, há que parar, para dar fôlego à escrita e o leitor não sufoque. Duas, três orações e chega! Colocar ponto e recomeçar a construção de novo período com pensamento completo (princípio-meio-fim). Não só a extensão excessiva começa a comprometer a inteligibilidade informativa como também o erro se torna previsível: aquele 'onde' a retomar 'autoridades gregas' é, no mínimo, duvidoso. E, logo a seguir, está para surgir nova subordinada introduzida por um 'que', mais uma coordenada com um 'e', e sabe-se lá o que mais virá (viria).

       Pelos vistos, o choque não é só da Srª. Secretária de Estado. É também meu, por um 'briefing' que não é tão breve quanto isso. Portanto, um mau exemplo de escrita.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Onde está o Ernesto?

        O tempo anda muito depressivo!

        Depois de ter sido anunciada a Dora (que me fez lembrar a letra de uma canção, em versão feminina: Não sejas má p'ra mim!) para o fim de semana passado, eis que chega, agora, a depressão Ernesto, com chuva, neve, vento e marés altas.
        Isto de as tempestades e as depressões terem nomes próprios tem a sua piada (estou à espera de uma com o meu nome)! Nem por isso é a graça dos efeitos que provocam.
         Talvez por isso, hoje, o céu estava um autêntico borrão; ou melhor, manchado de alguns borrões bem coloridos:

Borrões celestes (Foto VO)

         E lá estava ele, o sol, entre os escuros, a espreitar, como que à procura do Ernesto:

À espreita entre escuros - onde anda o Ernesto? (Foto VO)

         Lá virão mais uns dias inverniços, invernengos ou inverneiros, mesmo quando estamos no (final do) outono. Poderia escrever 'invernosos', mas apeteceu-me variar. É favor não reagir mal aos meus adjetivos, que hoje ouvi o nosso Presidente da República anunciar a sua recandidatura, para não "instabilizar" a situação nacional (pelo menos, os meus adjetivos estão dicionarizados)! 

         Deve ser do inverno que aí vem.

sábado, 5 de dezembro de 2020

Do bem e do mal (ou afins)

           Tudo depende por onde se começa.

      Cruzei-me (não sei se por oportunidade ou ironia do momento) com um livro intitulado Poemas do Bem e do Mal. O autor, Max Miliano (pseudónimo de Alan de Souza), propõe uma antologia poética em três capítulos, cada um dos quais a abrir horizontes para a espiritualidade e o lirismo, entre os vícios e as virtudes humanas, na busca de um equilíbrio entre forças ou energias (um pouco de yin e yang, de sombra e luz). Trata-se de poesia urbana (não sei se de urbanidade), de versos do mundo e de vida alternativos; de vida contemporânea, feita de bem e de mal - em contraste e em complemento.
       Quero acreditar que o mal existe porque há o bem (e não o contrário). Pode ser crença, assumo; mas é bem mal que este último esteja no princípio de tudo. Mal gera mal; é tóxico. Bem, por princípio, dá lugar a novo bem, à predisposição para se ser (mais) feliz e fazer (mais) felizes os outros - um sentido de humanidade, portanto. Sei que o bem cansa e pode fazer com que alguns dele suspeitem (por o associarem a motivos outros que não o do próprio).
        Gente que faz bem nunca devia ser chamada pelo bem que fez, julgada pelo mal que outros dizem ter sido feito. E se tal é dito é porque se desvaloriza o bem (intencionado) que houve, apostando no mal (insignificante) que nunca existiu e, por alguma razão, despropositadamente se sentiu.
        Bem melhor seria que este mundo ficasse livre do mal. Já que tal parece ser difícil, procure-se (ver e ouvir) o bem para que o mal não resista nem persista.

         No bem que se faz há que dirimir o mal. O mal não é bem que alguém queira (talvez seja levado a ele por uma desconfiança doentia).

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

No vaivém da chuva, do mar e das gaivotas

     Uma paisagem familiar, entre o estado goticulado e o molhado.

     O tempo de inverno, em despedida de outono, está aí e poucos podem já ser os passeios, a não ser nos intervalos dos chuveiros que ora vêm ora se vão. 
    Assim que chegam, as gotículas de chuva colam-se aos vidros; escorrem algumas, aqui e além, deixando ainda ver o que está para lá delas:

Num dia de chuva, para lá dos vidros (Foto VO)

      A paisagem conhecida ganha outra visão, como que pintalgada; melhor, goticulada. 
      Para a chuva e o sol deixa-se ver, como um remendo, num pano de fundo de nuvens escuras:

Um passadiço à beira-mar - I (Foto VO)

            Uma gaivota aparece para a composição do "quadro"; outras seguem-na:

Um passadiço à beira-mar - II (Foto VO)

        E já não é só a diferença das aves. São as cores, as nuvens continuamente a mudar (sim, não é apenas a mudança no olhar)!

Um passadiço à beira-mar - III (Foto VO)

       Entre o chão e o céu, há um mar imenso para contemplar: vai e vem sem voar; não é gaivota, mas é livre no seu ondear; não é nuvem, mas tem as cores desta a deslizar; há de ter o sol a nele se deitar; a linha do horizonte esconderá, assim que o escuro da profunda noite chegar.

        Qual Caeiro, diria que, a cada instante, a paisagem familiar (re)nasce; a cada piscar de olhos, a eterna novidade do mundo acontece.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Ilustração bem exemplificativa

      Assim ma foi dada a ver.

     Este, sim, é o caso de um verdadeiro "influencer" (com um "follower" à altura):

Os verdadeiros "influencers" - os que testemunham o bom exemplo 
(recolhido do Facebook)
  
   Já alguns, ou algumas que se dizem como tal, deixam muito a desejar - então aqueles(as) que aparecem na televisão, a perorar acerca dos comportamentos dos outros, são uma lástima!

    Tudo isto porque me perguntam se eu vejo certos programas que, por princípio, nem deviam existir (estou aqui estou como eles, a perorar sobre o que não vejo nem quero).

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Da Restauração da Independência Ao Peso De Uma Ausência

     É dia feriado, para celebrar a restauração da independência nacional; é dia de pesar, pelo anúncio da morte de um grande intelectual.

    Aos 97 anos, faleceu Eduardo Lourenço. Dizem-no ensaísta, pensador, filósofo, crítico literário, escritor, interventor cívico, conselheiro de Estado. E, indubitavelmente, o foi. Sublinho o facto de, em tudo isso, ter sido um Professor.
    Para quem dizia que não sabia fazer "outra coisa a não ser pensar", tomava este ato como o do "diálogo que temos connosco próprios". Era um pensador que parava para pensar, que buscava as melhores palavras para exteriorizar, traduzir um pensamento à espera da luz do dia. Da morte, dizia que não é pensável"; "é só uma coisa que falta, que nós nos estamos faltando". É tomada, assim, como "só isso: uma ausência. E essa ausência não pode ser dita, não pode ser escrita".

    Eduardo Lourenço - retrato pintado por Bottelho

     Na sequência da ausência neste dia, o Professor Carlos Reis relembra um episódio da vida de Eduardo Lourenço, quando este, no ano de 2010, pelo funeral de José Saramago (20 de junho), adquiriu, numa livraria, um exemplar do Memorial do Convento. Na folha de rosto escreveu: “Agora terás a eternidade para leres a maravilha que escreveste”. Instantes depois e de modo reservado, Eduardo Lourenço introduziu o romance na urna do nobel da literatura português. Pouco antes da cremação, evocava, assim, e singelamente, a eternidade, para reconhecimento da grandiosidade literária de um homem e de uma obra. E, assim, o romancista foi acompanhado do que escreveu, ambos notabilizados, porque o pensador quis preencher a ausência com o maior dos presentes: o d(e um)a obra d(e um)a vida.

       Grande gesto de um homem grande. Obra bem escolhida (eu escolheria outra) para um romancista que Eduardo Lourenço talvez quisesse ter sido, mas preferiu pensar a vida, o Homem, Portugal e Ser Português no Mundo.

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Da importância de educar para a leitura

       Uma questão tão intemporal quanto necessária à (sobre)vivência.

     Saber ler foi decisivo para se aceder ao conhecimento, ao sentido crítico das coisas, ao modo de viver lúcido e consciente, capaz de distanciar o homem de alguma instintividade. Relembre-se o momento histórico decisivo de traduzir a Bíblia do latim para as línguas vulgares: o poder do conhecimento detido por alguns elementos do clero foi passível de discussão e questionação, para que não houvesse adulteração de sentidos nem de informação; caíram os dogmas, reform(ul)ou-se a crença.
     Atualmente, o âmbito de discussão é bem mais lato (político, científico, social, educativo,...). Educar para a leitura é uma questão de consciência e de consciencializar o outro.
     Um apontamento fílmico ("O Substituto" - 2012) relembra-o:

Excerto fílmico de 'O Substituto' (2012, de Tony Kaye)

      Um professor substituto (Henry Barthes, interpretado por Adrien Brody) faz a diferença: introduz o tópico, motiva a participação, inclui os contributos dos alunos, avança com a reflexão, desperta atenções, estabelece relações, muda conceções / visões. 
      Dá sentido(s) à educação - mesmo sendo um professor desligado de si, mas preso ao mundo (isto para quem viu o filme). Tem consciência e consciencializa para o mundo complexo em que vivemos.

      Há professores que marcam a diferença. Felizmente, nem todos são personagens fílmicas.

sexta-feira, 27 de novembro de 2020

Tudo ao monte...

       ... e sem fé em Deus!

       Tanta é a preocupação em ficar na imagem, que o pessoal devia saber que ia ficar em apontamento televisivo com erro (já nem se importam, com certeza, porque o foco de interesse é outro). É como na língua! Já nada interessa (porque os valores são outros).
        Com tanta denúncia de falhas linguísticas, a Rádio Televisão Portuguesa (RTP) já devia ter assumido que, no uso da língua, tem vindo a perder muito do suposto crédito (que ainda julga ter). Não será a única estação televisiva, por certo, a viver a desgraça, mas o mal dos outros seria bem de aguentar se não houvesse contributos indesejados na mesma ordem.
        Hoje, perante a questão política do Novo Banco, surgiu um velho erro em rodapé:

Não sei se o A. Ramalho disse 'precalço', mas é isso o que, lamentavelmente, se lê! (Foto VO)

       Isto de trocar a ordem dos grafemas tem muito que se lhe diga, e em várias palavras. Nas redes de comunicação, de tudo aparece na incorreção gráfica - ontem foi o 'PREmaturo", hoje é o 'PERcalço', amanhã será o 'PERfeito' e sabe-se lá o que será depois de amanhã (talvez a 'PERSpetiva)!
        Citando o que alguém disse e escrevendo-se o que foi dito, já não interessa o diz-que-disse, mas sim o que se vê escrito.

        Com esta e com outros gafes linguísticas, não há canal nem provedoria de espectador que resistam! Nem o serviço público se cumpre eficiente ou eficazmente.

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Internacionalizações

         É o que está a dar!

       Depois do anúncio do "Xmas" pelas rotundas das terras de Espinho, há que pensar na preparação das batatas com bacalhau do Natal.  Está já aí! Se puder poupar uns euros, melhor.
         Vai daí, nada como aproveitar as promoções do momento:

O negócio da batata internacionalizado  (imagem colhida do Facebook)

           Estamos nisto! A sexta-feira negra do português, a bem do negócio e da poupança. Não sei se será um negócio da China, mas tem um "look" muito americanizado. É "fashion"! E uma forma de estar "uptodate"! Influências linguísticas dos tempos que correm.

       Um exemplo de escrita fonética com um toque de internacionalização. A bem do negócio da batata!

sábado, 21 de novembro de 2020

Do grave ao muito grave (ou como tudo está crítico)

       É o caso da acumulação de situações graves!

       A situação do Covid-19 no país está grave (para não dizer muito grave), dizem alguns por causa do comportamento das pessoas que não foram educadas ou instruídas para viver com limites ou contenção; com deveres ou obrigações (apenas com direitos).
      Até pode ser. Não tenho dados absolutos para o confirmar. Provas há, porém, de que o crédito de algumas informações / conselhos não é do mais educativo que há. Cai por terra, quando se lê o seguinte:

Excerto de uma nota para a saúde pública com "doença ortográfica" (agradecimento à AC)

      Nem parece verdade! Mesmo quando duas linhas antes pode ser lida a construção correta! Entre responsáveis do Centro de Contactos (sublinhe-se!) do Serviço Nacional de Saúde (SNS), não houve um elemento que prestasse atenção ao texto e no que aprovou para divulgação pública? Pergunta retórica, diria, a julgar por alguns ofícios já aqui mencionados.
      Trouxe, hoje, a foto de uma amiga, que, sabendo do meu interesse por estas questões, me endereçou logo um apontamento apenas com o meu nome e um emoji entre o assustadoramente espantado e o azulado de doença / desfalecimento. Tive de comentar, visto o destaque do erro ortográfico (decorrente da falta de reconhecimento da integridade morfológica do verbo 'estar'). Bem visível é a pequena diferença, muito reveladora de mais um sintoma dessa doença ortográfica que grassa nalgumas mentes deste país, nomeadamente nas que produzam ofícios para a Saúde 24: perda de sílabas. Confundem 'ter' com '(es)tar, por influência do oral informal, e dá nisto! Um 'estiver' passa erradamente a 'tiver' com toda a rapidez crónica.
      Para os que acham que é chique dizer que '*tá tudo (bem)!' ou que era bom que '*tivessem mais atentos', aí vai a consequência do mal falar: mal escrevem. '*Tão a ver o mal que fazem?' Bom era que estivessem.

       Sei que há casos bem mais graves para resolver no momento no Centro de Contacto do SNS - Saúde 24, mas cometer na língua erro crónico não ajudará, por certo, a salvar a educação / instrução deste país. Torna a situação bem mais crítica, quando se trata de uma iniciativa associada a uma instituição ligada à ação governativa.

terça-feira, 17 de novembro de 2020

No reino dos perfis falsos

      A propósito de Fernando Pessoa e da sua heteronímia.

      Uma aluna apresentou na aula uma imagem sugestiva:

Um Pessoa múltiplo, sem falsidades e com muita criação / criatividade 
(imagem cedida, com agradecimento, pela CS)

      Digamos que, na criação artística (na lógica da teoria do fingimento artístico), a imagem faz todo o sentido, se pensarmos em nomes como Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos e Bernardo Soares. Entre os heterónimos e o semi-heterónimo, há efetivamente quatro perfis que não tomaria como falsos, a julgar pelas seguintes palavras desse autor-criador modernista: 

" Se me disserem que é absurdo fallar assim de quem nunca existiu, respondo que também não tenho provas de que Lisboa tenha alguma vez existido, ou eu que escrevo, ou qualquer cousa onde quer que seja." 

in Páginas de Estética e de Teoria Literária

       Na imensa obra que os heterónimos produziram, a realidade construída, por ficcional que seja, é tão verdadeira quanto a das produções do ortónimo. As fronteiras da realidade / ficção são tão ténues quanto o ser criado poder ser mestre do próprio criador (que o diga Pessoa a propósito de Caeiro).
     Depois, há ainda que acrescentar o seguinte: os "perfis falsos" não foram quatro; foram inúmeros, mais de cem. Dos mais femininos (a corcunda Maria José, de "Carta da Corcunda ao Serralheiro") aos mais filosóficos (António Mora), bem como os desassossegados (como Vicente Guedes, um dos co-autores do Livro do Desassossego), não faltam o astrólogo e ocultista Raphael Baldaya ou o imaginário Chevalier de Pas (associado à fase de infância), para além do mais anglófono Alexander Search ou o irmão Charles James Search, entre muitos outros.

      Na cocoterie ou no drama em gente criados, Pessoa foi pessoa(s) suficiente(s) para dar conta da diversidade que todos somos na unidade que damos a ver.

sábado, 14 de novembro de 2020

Confusão na bicharada

       Já lá vai o tempo em que gordura era formosura.

     Em tempos em que o padrão de beleza contraria o adágio popular romântico de que "Gordura é formosura", não só questões estéticas como sanitárias motivam preocupações contemporâneas no corpo das pessoas. Dizia-se ser a epidemia do Século XXI (até que o Covid-19 apareceu). Acrescento que é o desconcerto no reino da bicharada:

Do texugo à vaca, quando de pote e baleia se trata - cartoon de Hugo van der Ding

          Estas expressões idiomáticas, de tão animalizadas, são um autêntico desconcerto no reino animal, para dizer que não há conserto possível. Do pote animalizado à vaca que se diz pote, tinha de vir a baleia assumir-se como vaca. Um caos para o Homem, que se diz um pouco deles todos.
 
         Consertemos a gordura, para não entrar em mais confusões ou baralhar o zoo! (Lá vou eu fazer uma caminhada!)

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Momento do dia... aziago (sexta-feira 13)!

         Aquele momento em que estás a chegar a casa e parece que estás no estrangeiro!

      Não fugi por causa da sexta-feira 13 (não sou parascavedecatriafóbico). Em mais um dia de trabalho, no regresso a casa, deparo-me, numa rotunda à entrada da cidade, com um técnico a arranjar as luzes de... Xmas!

Uma rotunda "Xmas" entre as muitas que deixaram de ter "Feliz Natal" - (Foto VO)

     Lá se vai o Natal (feliz) e o Ano Novo (próspero). Digamos que, assim, o vocabulário fica muito mais internacional e sempre dá aquele toque de ser mais "chique" (porque no e do estrangeiro é que é bom)!
      Lembro-me, então, dessa figura ridícula e exibicionista que é a personagem Dâmaso Salcede, de Os Maias (1888). Nela depositou Eça de Queirós toda uma súmula de vícios - da mesquinhez, à mentira, à desfaçatez, ao provincianismo que a todo o momento faz "estalar o verniz". Tem como preocupação fulcral na vida o "chique a valer"! Arvora-se em galante e apreciador de tudo o que é requintadamente parisiense (ou francês). Não tem morada; tem 'adresse' (à Paris, bien sûre):

Representação de Dâmaso Salcede (cartoon)
     "Pois eu assim que posso, é direitinho para Paris! Aquilo é que é terra! Isto aqui é um chiqueiro... Eu, em não indo lá todos os anos, (...) até começo a andar doente. Aquele Boulevarzinho, hem!... Ai, eu gozo aquilo!... E sei gozar, sei gozar, que eu conheço aquilo a palmo... Tenho até um tio em Paris. (...) É um homem de barbas brancas... Era irmão de minha mãe, chama-se Guimarães. Mas em Paris chamam-lhe Mr. de Guimaran..." 
         (cap. VI, Os Maias)

       Agora o novo-riquismo e os vícios nacionais do primeiro quartel do século XXI são mais para o inglês (ora o "british" ora o do "uncle Sam"). Não é Paris, mas será a terra de Sua Majestade ou os "eStates".

    Há por aí uns Dâmasos mais anglicistas que também acham a sua língua um "chiqueiro", a troco de um "Xmas" iluminado com as cores de um internacionalismo balofo! Tudo tão inchado, enchido e postiço! (E logo eu, que tenho uma costela anglófona).

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Lá vão elas com a brisa do dia

        Grande é a vontade de voar...

     Tanto é o perigo dos dias que o desejo de fugir semelha ao das gaivotas: abandonar o pouso do descanso coletivo, levantar voo e rumar a um local que inspire e respire mais liberdade.

O levantar do voo da gaivota (Foto VO)

Da rocha ao ar e ao mar - I (Foto VO)

Da rocha ao ar e ao mar - II (Foto VO)

Da rocha ao ar e ao mar - III (Foto VO)

        Houve um tempo em que cantaram "Uma gaivota voava, voava, asas de vento, coração de mar". Hoje direi que muitas gaivotas voavam, voaram sem vento, mas ainda com mar. Como elas, não me sinto tão livre em tempos de máscara, desconfiança, desgaste, dúvida.
        Vendo a elevação e o arrojo das aves, relembro um poema de Pessoa:

Parceria no voo das gaivotas (Foto VO)
LEVE, BREVE, SUAVE

Leve, breve, suave,
Um canto de ave
Sobe no ar com que principia
O dia.
Escuto, e passou...
Parece que foi só porque escutei
Que parou.

Nunca, nunca, em nada,
Raie a madrugada,
Ou esplenda o dia, ou doire no declive,
Tive
Prazer a durar
Mais do que o nada, a perda, antes de eu o ir
Gozar.
 
 s. d.
in Poesias, Fernando Pessoa (nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor) 
Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995). pp 95, [1ª publicação in Athena, nº 3. Lisboa: Dez. 1924]

Muitas gaivotas voavam, voavam (Foto VO)

Assistir ao voo das gaivotas (Foto VO)

        É leve, breve, suave não só o canto mas também o voo, inspirador para o caminho e a construção do sonho, da felicidade, da utopia, de um ideal libertador, quando a realidade nos enleia numa rede de medos, angústias e desesperança. É preciso conquistar a inconsciência libertadora de Pessoa.

        Era já tempo de cantar "Foram as gaivotas, deixando o canto e as asas da liberdade".

domingo, 8 de novembro de 2020

Na perceção dos dias...

       O que os nossos olhos nem sempre deixam ver.

       Uma amiga partilhou uma foto que bem reflete os tempos que vivemos: o que vemos?

O olhar para além da foto (gentilmente cedida pela VL)

        Vi a flor, que a corola, as pétalas não enganam. A amiga acrescentou que viu pólen a brotar. 
       Diria que vimos a vida. É disso de que precisamos: não ficar condicionados pelo tempo e ver, em vez da beleza, a pior das fealdades. Doenças e vírus entorpeçam-nos, matam o nosso olhar, fazendo esquecer recortes e cores; atingem-nos na nossa vulnerabilidade.
      Houve, porém, quem não deixasse de reconhecer o coronavírus, de tão exposto que está (estamos) ao perigo, aos "espinhos" dos tempos. 
         A perceção é tão difusa! Vemos o que queremos, o que sentimos, o que está e o que não está.
    Então lembrei-me de Gedeão (não sei se pela física ou pela química pressentidas) e da sua "Impressão Digital":
António Gedeão (1906-1997)
Os meus olhos são uns olhos.
E é com esses olhos uns
que eu vejo no mundo escolhos
onde outros, com outros olhos,
não veem escolhos nenhuns.

Quem diz escolhos diz flores.
De tudo o mesmo se diz.
Onde uns veem luto e dores,
uns outros descobrem cores
do mais formoso matiz.

Nas ruas ou nas estradas
onde passa tanta gente,
uns veem pedras pisadas,
mas outros gnomos e fadas
num halo resplandecente.

Inútil seguir vizinhos,
que ser depois ou ser antes.
Cada um é seus caminhos.
Onde Sancho vê moinhos
D. Quixote vê gigantes.

Vê moinhos? São moinhos.
Vê gigantes? São gigantes.

      Entre Sancho Pança e D. Quixote de La Mancha, tenho-os a ambos: vejo a flor sem deixar de admitir a associação ao mal vivido.

      Há, todavia, quem na sua arte de fotografia tenha olhos e a magia para nos deixar ver a poesia, a maravilha dos "gnomos e fadas". Obrigado, VL.

sábado, 7 de novembro de 2020

Depois da Liberdade, o Redentor...


      Apetece-me cantar o "That's the way / ha ha ha ha / I like it / ha ha ha ha..." (Ti ri ri ri ri ri ri ri ri).
      Tempo para dar o passo em frente: vamos lá, Brasil!

Liberdade e Cristo Redentor cumprindo a salvação!

     Tem que se aprender que a arrogância, a prepotência, a presunção, a boçalidade, o autoritarismo e a mentira não são virtudes nem exemplo para ninguém. Por mais que às vezes ganhem, precisam de saber que "não há mal que nunca acabe" (mesmo que o bem nem sempre dure).

      ... vamos tratar de um vizinho que gosta muito de imitar o mal.

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Está quase...!

       A cada dia, à espera...

       Será hoje?! Seria uma boa forma de acabar a semana: pôr fim ao circo político que há muito dura.
      A cada dia a brincadeira já começa a custar. É bom que alguém lhe ponha um fim. Espero que seja um americano, um só que faça a diferença! (Se forem mais, melhor!)
      Um pequeno filme resume bem o que fazer: pôr fim ao gozo do "trumpalhão".

Um herói para tirar a bola ao "trumpalhão" (transferido do Facebook)

     É verdade que quem espera desespera, mas prefiro a versão positiva: quem espera sempre alcança (venha a liberdade de toda a trumpalhada a que temos assistimos de há quatro anos para cá).
       Prepare-se a máscara para afastar o vírus:

A boa ação da Liberdade - cartoon de Vasco Gargalo

      Vá lá! Só mais uma esticadinha e depois...

      Largar!

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Ainda as paronímias...

        Aquele momento em que se revê uma grande série e...

        Refiro-me a um vídeo do Game of Thrones (GOT), com um daqueles momentos em que, na sua ascensão ao poder, Daenerys decide reduzir cidades a pó, graças aos seus filhotes (dragões), sempre que alguém a enfrenta. Não há cidades nem exércitos que impeçam a Kahleesi de rumar a uma liderança conquistada passo a passo (ou melhor, fogo a fogo).
         É a vez de Qarth, protegida por um grupo de treze guardiães, um dos quais se apresenta, nos termos da legenda, da seguinte forma:

Captura de ecrã, a partir de vídeo partilhado no Facebook

       Cumprir um nome até seria bom, particularmente se for sinónimo de honra, virtude. Contudo, neste caso, convenhamos! 
      São tão comuns os erros pela paronímia (comprimento / cumprimento, recessão / receção, deferir / diferir, despensa / dispensa, precedente / procedente, retificar / ratificar) que este é só mais um. Claro que o nome só pode ser COMPRIDO e não "cumprido", já que nada tem a ver com o verbo cumprir. O nome é comprido ou extenso (e no caso da personagem, nada virtuoso).
         Mais uma legenda pelas ruas da amargura (da escrita).

        ... nem ao diabo lembra o que se lê.

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Perceções do real na deambulação pelo litoral

       Entre o vento frio e o calor fotográfico.

       A paisagem pode já ser familiar pelo que as fotografias revelam, mas há cores, momentos, olhares que acabam por fazer a diferença.

Entrada para a praia ( Foto VO)

Banco mirando o pôr-do-sol (Foto VO)

Um jato sobrevoando a linha do horizonte (Foto VO)

        Ainda bem que há uma máquina sempre à mão, pronta a disparar por um instante.
     Sempre o céu, o mar, a praia que, abandonada, transmite uma serenidade que nem sempre a vida quotidiana dá.

         O crepúsculo é sempre aquele momento em que a frouxa claridade convida a passeio.


segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Pequena narrativa do caminho

          O dia, não sendo bom, acabou um pouco melhor.

           Esteve um tempo chuvoso e inverniço para o outono angustiante que se vive.
       Ao final da tarde soprava um friozinho a pedir agasalho. Aqui e ali o céu cinzento deixava ver uns buracos, como se estivesse puído, por onde passava uma réstia de cor luminosa, em contraste com as densas e pesadas nuvens. O céu estava roto!

O céu está roto (Foto VO)

       Porém, de repente, este ganhou tonalidades douradas e as gaivotas decidiram pintá-lo de liberdade: abandonavam o areal da praia, planando e voando pelo litoral rumo ao norte.

O voo das gaivotas I (Foto VO)

O voo das gaivotas II (Foto VO)

        Anunciava-se a escuridão; mas, antes, houve ainda tempo para contemplar um rasgão de cores, sem tintas, paletas ou pincéis. Apenas reflexos de um sol que já não se via em bola de luz, mas entornado em manchas de água suspensas, coloridamente desbotadas ao longo do firmamento.

O rasgão colorido do céu (Foto VO)

        Após breves instantes, o percurso pelo passadiço mostrou-me também o verde relvado da terra. De um lado, o campo estável coberto de verdura; do outro, o algodão sujo do mar, ora sobrevoando o areal ora boiando numa extensão de água imensa e intensa. em contínuo vaivém; por cima, um fogo celeste em cinza bruma, a lembrar calor e a humedecer um corpo com neblina.

Terra, céu e mar (Foto VO)

        Na história do caminho, um banco de pedra ficou ao ar, entre a terra e o mar, à espera de alguém que nele se sentasse, para mirar a outonal paisagem marinha. Ninguém o usou, sempre num ir e vir que não era de ondas, mas de um corredor feito de vários passos, a aguardar por melhores dias.

Um banco no caminho (Foto VO)

         Finda a narrativa, um novo tempo se deseja para um espaço a ganhar a cor das estações e do olhar do caminhante. 

sábado, 24 de outubro de 2020

CREDO! (abrindo o computador)

      Quem mandou abrir o computador?!

      Devia estar fechado, sim, durante todo o fim de semana. Poupava-me a a horrores:

Captura de ecrã na pior das circunstâncias!

         É um susto! Já nem respeito há pelas "níveas cãs".
      As cores são escuras (como se de um enterro se tratasse), os números de infetados são cada vez mais altos (uma desgraça acima de 3.600, em vinte e quatro horas), citam-se palavras insensatas (absurdas, até, pela evolução trágica da situação) e... ESCREVE-SE MAL e porcamente (por mais que o certo da expressão fosse "mal e parcamente")!
    Seja lá qual for a opinião seja lá quem a diz, assumo que não é PREMATURO tratar da língua. É uma emergência!

   A comunicação social anda pelas ruas da amargura com alguma gente que por lá (ia escrever 'trabalha') não sabe redigir sem cair em erro.

sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Novo prato, nova escrita, ou o alentejano cada vez mais lento?

       Isto de se escrever conforme a fonética tem muito que se lhe diga.

     Quando um amigo me propõe uma foto com novo menu, deparo com uma escrita curiosa de prato já conhecido:

Um prato do "Lentejo" (com o agradecimento ao MM)

         Não sei se "lentejana" é denominação topónima ou variação para uma característica que se diz ser a lentidão dos alentejanos. Sei é que se fez uma longa crase somada à que já existia: à contração 'à' (carne a uma maneira > a maneira alentejana) acresceu o 'a' de 'alentejana', colado à contração e, entretanto, separado da palavra que lhe diz respeito. Uma crase em duplicado, para não dar aférese!

     Pena é terem-se esquecido da marca gráfica da contração / crase: o acento grave. É o desconcerto da escrita dos tempos. "Hoje" acho que me fico pelo peixe!