sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Bom exemplo (logo a abrir)

     Há que escolher bem, de facto!

     Não falo dos políticos nem da situação noticiada, nem sequer da maioria das palavras. Fico-me pela primeira:

Efeitos de uma guerra transmitidos com correção (Foto VO)

     A prova do bom exemplo. Para quem contava encontrar "despoletar" a significar desencadear, provocar, ocasionar, aí está o termo devido. Sendo que numa arma é a espoleta que aciona a combustão do propelente contido na munição, impulsionando o projétil pelo cano da arma, 'espoletar' é o que deve ser dito / escrito.
     A maior parte dos falantes prefere dizer a anulação, o travamento ('despoletar'), a significar o contrário. Nada que não aconteça com outras situações já aqui comentadas, mas esta é a prova do desconcerto dos utilizadores da língua, que veem no negativo o positivo.

     Quando tanto escrevo sobre o que está errado, hoje vou pelo oposto, em virtude do que foi bem escolhido.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Inteligência Artificial (e Chat-GPT)

     Muito se voltou a falar de AI ultimamente.
    
    Hoje alguém me dizia que começámos a ter noção da Inteligência Artificial (AI) com uma máquina de calcular.
    Não sei há quanto tempo foi, mas associo AI a um filme, de Steven Spielberg:

Filme protagonizado por Haley Joel Osment (pequeno David) e Jude Law (Gigolo Joe)

    Terá sido já há cerca de vinte anos. Ficou a imagem de um mundo altamente tecnológico e a mensagem de como a máquina e a emoção eram ingredientes para uma história com muito para se dizer / discutir. Uma criança-robô mostrava-se e queria ser amada em pleno século XXII, num mundo de protótipos surgido após a subida das águas do mar (decorrente do aquecimento global) e de uma mãe sofrida, pela perda de um filho, a qual decide adotar um androide.
    Vivemos uma realidade tão próxima do ficcionado que está a apetecer-me rever o filme, para dele relembrar a lição.

      Prevejo algumas reações e sentimentos algo adversos da minha parte com esta deificação da máquina e dos dispositivos que se dizem eficazes e fantásticos. Continuo a suspeitar que será mais um a não me libertar de trabalho. Suspeito que vá dar mais. Não gosto!

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

Umas traseiras de pouca cor

      Quem vai atrás vê / lê o que não deve.

     A publicidade é fraca, do negrume do transporte ao negro da mensagem - e logo a abrir com a primeira palavra:

Um negócio "muito escuro" (com agradecimento à CF, pela foto enviada)

       Isto de confundir a terminação da primeira pessoa do plural (Damos) com a construção pronominal da segunda ou da terceira, aglutinando o complemento direto com o indireto (Dá-mos), é caso para dizer que "na melhor pintura cai o borrão". Se o imperativo justifica a forma verbal pronominalizada na segunda pessoa ([Tu,] Dá-me os teus sapatos > [Tu,] Dá-mos) ou se o presente do indicativo traduz a constatação de um ato levado a cabo por terceiros (Ele /ela dá-me os resultados > Ele / ela dá-mos), a conjugação da primeira pessoa do plural não admite a separação da sua terminação ([Nós] Damos cor à sua casa!).

    Convenhamos que ficava bem uma pinturinha na viatura, para apagar o erro na porta traseira, que não augura bons negócios. Sempre era uma outra cor (sem erros).

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

A propósito de 'lerdismo'

      Assim alguém falava de (outro) alguém ou algo que não atava nem desatava.

      Foi então o momento de se questionar a origem da palavra. 
    Diga-se que não a encontro dicionarizada, mas faz parte daquela criatividade e potencialidade da língua, morfologicamente motivada até!
   O sufixo 'ismo' permite formar nomes abstratos tradutores do sentido de 'teoria', 'doutrina', 'movimento (artístico, estético, filosófico, político, entre outros)', 'tendência'. E porque não se trata propriamente de algo singular, é de considerar que há vários implicados na questão ou situação, mesmo quando de individualismo se trata (são muitos os que defendem este último e cada vez mais, a julgar pelo que se vai vendo a cada dia). A par da 'lerdeza' e da 'lerdice' (também nomes) ou do 'lerdíssimo' (grau superlativo absoluto sintético do adjetivo), tomaria o 'lerdismo' como mais um derivado sufixal nominal (revelador de uma tendência ou movimento caracterizador dos que são 'lerdos').
     Daí que, para se entender o potencial 'lerdismo' se recorra à base 'lerdo': caraterística depreciativa daquele que é pouco ativo, preguiçoso, que se movimenta lentamente, de modo pouco diligente. No que à inteligência e ao rasgo intelectual dizem respeito, não se distingue muito de quem se assume como parvo, estúpido, tonto, tolo; ou seja, nada esperto.
Entre a preguiça e o caracol, alguém que diga de sua justiça!
      Para quem recorre ou cria a palavra, parece que há alguns assim, ao ver que as coisas sucedem de forma vagarosa, pesada, lenta, numa espécie de inação declarada.
   Entre a hipótese dúbia de que 'lerdo' vem do castelhano trecentista, sinónimo de 'bobo'; do itálico 'lordo', a significar sujo ou porco; do francês quinhentista 'lourd', para referir o que é pesado e estúpido, não andará longe a fonte etimológica latina que, em 'lordus', apontava para movimentos lentos, numa variante de 'lurdus', isto é, aquele que tropeça, que vacila ao andar”, ou de 'luridus', cujo significado inicial era “sujo”.

      Em síntese, fiquemos pelo termo criado para denotar algo que não é desejável, mas que alguns partilham nessa condição do que ou de quem nada faz avançar, mudar, transformar, resolver o que se impõe. Contrariemos a tendência, pois!

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2023

Grande Mês!

    Depois de um janeiro que nunca mais acaba(va), começa o mês mais pequeno de todos, mas muito proverbial.

    É o costume: quando se é a menos nalguma coisa, apuram-se outras qualidades.
    Fevereiro é pequeno no número dos dias, mas grande nos provérbios (e nos saberes que se lhe associam):

Se o inverno não faz o seu dever em janeiro, fá-lo em fevereiro.

Quer no começo, quer no fundo, em fevereiro vem o entrudo.

Quando não chove em fevereiro, nem bom prado nem bom centeio.

Os dias bons de janeiro enganam o homem em fevereiro.

O sol de fevereiro matou a mãe ao solheiro.

Neve em fevereiro é mau para o celeiro.

Luar de janeiro faz sair a galinha do poleiro; lá vem fevereiro que leva a galinha e o carneiro.

Lá vem fevereiro, que leva a ovelha e o carneiro.

Janeiro geoso, fevereiro nevado, março frio e ventoso, abril chuvoso e maio pardo fazem o ano abundoso.

Fevereiro quente traz o diabo no ventre.

Fevereiro coxo, em seus dias vinte e oito.

Fevereiro afoga mãe no ribeiro.

Chuva de fevereiro vale por estrume.

Bons dias em janeiro enganam o homem em fevereiro.

Até ao Natal salto de pardal, de Natal a janeiro salto de carneiro e de janeiro a fevereiro salto de outeiro.

Água de fevereiro mata onzeneiro.

      Depois disto, registe-se também que 'fevereiro' vem do latim (februarìu-), «o mês das purificações», de februáre, «purificar; fazer purificação religiosa»). Há quem defenda que era tempo dedicado a "Februus", a quem os romanos dedicavam sacrifícios para compensar / evitar a escassez do ano.
     Ao estudar o calendário egípcio, no qual constavam 365 dias, Júlio César trocou o calendário lunar pelo solar. Janeiro e fevereiro foram colocados no início da contagem e o imperador distribuiu os dez dias de diferença face ao calendário anterior por vários meses. Claro que julho (o mês de 'julius') não podia ser menor do que outros; mas o de César Augusto também não (agosto). Na alternância dos trinta e dos trinta e um dias nos diferentes meses, dois sucessivos ficaram com trinta e um (os imperiais); o mais pequeno ficou fevereiro, que, de quatro em quatro anos, tem vinte e nove dias, por o ano solar ser um pouco maior do que 365 dias.
      As mudanças de calendário, entre os cálculos precisos dos astrónomos (considerados entre dois equinócios solares) e as decisões dos imperadores romanos ou as dos papas, marcaram fevereiro sempre como o segundo mês (introduzido com o inicial janeiro) num arranjo temporal que nunca se revelou equilibrado nas alternâncias ou no número de dias contados. 

    Purificado ou não, este é mês diferente: "dos gatos" como popularmente se diz; pequeno quanto baste para cedo se chegar à primavera, apesar do inverno que faça sentir.