Espera . Procura . Encontros, Desencontros e Reencontros . Passagem com muitas Viagens . Angústias e Alegrias . Saberes e Vivências . Partilhas e Confidências . Amizades sem fim
... agora é tempo de passagem, de "reveillon" com algumas notas ortográficas (sem acordo) e imagens muito literais ou concretas (do que possa ser chamado por Alberto Caeiro de "virar da esquina").
Nada como ir à procura de um espaço e dar uma "virada" para o novo ano.
Na busca do espaço, encontrei um:
Imagem colhida do Facebook
(Ao que chega o "reveillon"! Ainda bem que há vaga!)
Para a "virada" que se impõe, num português muito à variedade continental não europeia (do Brasil), já ensaiei uma:
Imagem colhida do Facebook
(A verdadeira passagem... pelos lençóis!)
Resta desejar a todos umas boas saídas, melhores entradas e uma vivência de todo um novo ano com saúde e paz. BOM VINTE VINTE.
Título para um filme da Netflix com alguma inspiração na realidade.
Histórias do Vaticano e das vivências dos Papas ou a visão crítica do poder institucional pontifício têm sido fonte inspiradora para a produção de longas metragens na Sétima Arte. Dois Papas, pelo brasileiro Fernando Meirelles (que conta com produções como Cidade de Deus e Ensaio Sobre a Cegueira), é mais um desses exemplos, no registo de uma dessacralização e humanização louváveis. Apoiado num roteiro do neozelandês Anthony McCarten (de A Teoria de Tudo), baseado no livro O Papa, o filme propõe uma intriga construída a partir de conversas ficcionalmente verosímeis entre o Papa Emérito Bento XVI e o cardeal de Buenos Aires, Bergoglio - hoje o Papa Francisco.
Recuando aos tempos da eleição de Ratzinger (2005) e de Bergoglio (2013), há dados de "acontecimentos reais" cruzados com ficcionalidade tão plausível quanto os Papas serem humanos, Joga-se mais com os homens do que com a posição santificada que ocupam - homens que dançam tango, comem pizza, torcem por equipas de futebol e falam sobre os ABBA (quando Bergoglio trauteia 'Dancing Queen'), tudo é verdade tão convincente quando a ficção instaurada. A ser verdade, este conjunto de episódios resulta tão caricato que aproxima e familiariza as personalidades representadas de todos os que as conhece(ra)m e delas têm uma imagem com a qual mais ou menos se identificam.
Montagem de Trailers do filme de Fernando Meirelles (2019)
O dado mais real é o da renúncia factual de Bento XVI e a ascensão do argentino Jorge Mario Bergoglio a Santo Padre. A ficção mais evidente é a da crítica aos sapatos desatacados de Borgoglio, quando foram os vermelho de Bento XVI mais contundente e veridicamente comentados; a do confronto de duas personagens, entre a mais dogmática e erudita e a mais progressista e pragmática, interpretadas por Anthony Hopkins (Bento XVI) e Jonathan Pryce (Francisco), a espelhar vivências e visões de mundo bem distintas, ainda que complementares e convergentes na resolução de uma crise eclesiástica crescente e resultante de sucessivos escândalos (como é o caso dos abusos sexuais, a corrupção moral e financeira, as relações com regimes ditatoriais, entre outros).
O sigilo do que se passa na Capela Sistina à hora da eleição cardinalícia é de alguma forma desvelado, numa encenação marcada por rituais e formalidades que pairam em registos dispersos a que ninguém, para além dos purpurados, assistiu, mas que foram ora tornados públicos ora sucessivamente desmentidos. No talvez seja, a fronteira entre o ser e o não ser resulta frágil; no filme, é tratada como uma possibilidade de encenação de jogos de influência. Não bastam as relações do poder político com o religioso (e vice-versa); as ascendências e os influxos internos à instituição da igreja são uma imagem bem evidente do(s) poder(es) convocado(s), distinta do sentido religioso mais espiritualmente virtuoso.
Cena do filme 'Dois Papas' (2019), de Fernando Meirelles
O espírito final do filme, com ambos os papas em amizade estreita, é o da reconciliação, o do perdão, o do reconhecimento que é mais forte e humano o que (n)os une do que as ideias que (n)os possam separar - se é que estas alguma vez foram assim tão diferentes, a julgar pelo espaço que um Papa dá a outro. Afinal, a confraternização e a celebração de um jogo do mundial são pontes de uma aproximação que se faz noutros capítulos da vida, como nos da fé. É possível que os contrários se atraiam, que os diferentes se juntem e que os opostos busquem plataformas de entendimento.
Entre as reflexões sérias e as confissões fortes das conversas mantidas, há também espaço para o cómico, o caricato, o inusitado e o inesperado - ingredientes necessários à identidade feliz e inteligente da vida humana.
A par da beleza de ontem, mais rosada, hoje volta-se ao alaranjado no horizonte. O sol pousa como em espiral, até se tornar um ponto minúsculo e deixar espraiado, no céu, o lastro da sua presença.
Talvez pelas compras, pelos presentes, pelas filas nas lojas, pela azáfama dos preparativos do jantar ou da ceia. A iluminada reunião far-se-á, contudo, na noite escura que chegará. Com mais ou menos embrulho, saco ou laçarote colorido, os fumos das cozeduras mais os cheiros das frituras e doçuras estão para aparecer e animar as casas, cujas janelas embaciadas piscam à luz dos pinheiros enfeitados ou dos candeeiros da rua acesos.
Hoje, com os votos de boas festas, dou a saber que me cruzei com o Pai Natal:
(Re)Encontro com o Pai Natal,
pelas ruas de Espinho (Foto VO)
Cruzei-me com o velho Pai Natal
numa concorrida rua de Espinho.
No vermelho e branco do mural,
faltava o verde tom do azevinho;
não o da esperança, tão especial,
adocicada de calor e de carinho,
no seio de família una, tão igual
à que de Nazaré a Belém fez caminho.
Assim (re)nasce o menino, afinal:
a todo o tempo, com pão e vinho, festeja-se, em espírito fraternal, a vinda de novo ciclo, tão alvinho quanto o inverno queira dar sinal.
Não vi as renas, não trazia prendas para ninguém, piscava-me o olho e fazia-se pintado de um pensamento a lembrar presença e família.
Preparando a noite da consoada, sejam a presença e a família razões para ela ser mais celebrada. BOM NATAL!
Reinvente-se a gramática, porque 'tá' a chegar o verbo 'tar' (e a preposição 'té')
Primeiro a conversa:
- Olá! Onde tás?
- Já tou no café, onde combinámos.
- Tou a chegar. Desculpa, tou atrasada.
- Também cheguei há pouco. Tava cheio de sono e cheguei mais tarde.
- Olha, ontem tive a trabalhar até às tantas e hoje tou arrasada.
- A sério? Também tive. Tou farto de trabalhar. Tou morto.
- Tá. Só mais cinco minutos e já te ajudo, tá bem?
- Tou à espera.
- Té já.
Depois a foto:
Contágio do verbo 'tar' (ou de como é preciso ir além do corpo são)
... 'tiver' com vontade... Conjugação imperfeita de 'tar' com vontade! Sim, porque uma coisa é ter vontade (e se eu tiver vontade, vou ao treino; não paro); outra é estar com vontade (e se estiver com vontade de ficar em casa, não há treino que me desvie do sofá). Se ainda fosse "tiver vontade", tudo ficaria pelo melhor; agora, a preposição denuncia bem como se confunde 'estar com' (estiver com) com o '*tar com' (na forma *tiver com).
É tanto o treino que até o 'estar' perde sílabas (fruto do cansaço, claro está)!
Diria: os afetados comem sílabas; alguns publicitários ficam-se pelo corpo são (porque da mente...). Sabem que mais: tá tudo doido (na variante de 'tão todos doidos')! Atenção ao contágio!
Assim mo disseram quando me deram um postal lindo, chegado de Londres.
Numa troca de prendas de um Natal antecipado, mas cheiiiiinho de afetos, foi-me ofertado um postal lindo. Vai passar a figurar à entrada do meu escritório: um local de trabalho que não anda longe do representado:
Um postal que chegou direitinho vindo de Londres, por mãos amigas (DG)
Bem que precisava de dar uma profunda limpeza ao espaço, tal como se dá a ver na imagem. Ah, se eu tivesse um espanador igual! Livros, prateleiras (muitas) e escadote tenho eu.
À entrada fica a imagem de Roger la Borde, intitulada "The Book Collector".
Com o agradecimento à DG, pela lembrança. É mesmo a minha cara!
Um pouco na linha de O Padrinho (de Francis Ford Coppola, 1972, 1974, 1990), O Irlandês (Martin Scorsese, 2019) revela-se um retrato de personagem perfilado como mais humano.
Refiro-me, naturalmente, a Frank Sheeran (Robert De Niro), mais particularmente ao percurso dele no final do filme, se não me ativer ao ponto de arranque da película, que dá lugar a um flashback (por vezes entrecortado por pequenos apontamentos dessa fase final de vida) daquele que se tornou num mercenário sindicalista nos anos sessenta do século passado.
Numa teia de relações entre a mafia italiana e a ação dos irlandeses no contexto histórico americano do século XX, a personagem passa de simples camionista / transportador de carnes a sindicalista de carreira no mundo do crime organizado - ou, como metaforicamente o assume, como aquele que "pintava paredes e tratava da carpintaria", numa forma disfarçada de dizer que matava e fazia explodir, respetivamente, quem e o que era sinalizado como perigoso para o líder da família Bufalino, isto é, Russel Bufalino (Joe Pesci).
No perfil de um veterano sobrevivente da Segunda Guerra Mundial e de um homem que quis proteger a família construída, não houve limites para os meios que o levassem a atingir este objetivo: tornou-se num assassino que, na fidelidade para com os Bufalino, acabou por matar um amigo de longa data, Jimmy Hoffa (Al Pacino), líder do sindicato dos camionistas (tão corrupto quanto qualquer outro mafioso da intriga).
Trailer do filme Netflix (2019), realizado por Martin Scorsese
Enquanto filme do crime organizado na América e num enquadramento histórico associado à ascensão e morte do presidente Kennedy, a intriga inspira-se numa obra de Charles Brandt, datada de 2004 e com o título I heard you paint houses, apoiada no registo biográfico verídico das personagens representadas.
A perspetiva narrativa do filme identifica-se com a do protagonista que, entre a melancólica revisão do passado e a expectativa de uma morte que vai preparando, termina os seus últimos dias a recuperar o que parece irrecuperável e irremediável: o respeito das filhas que acabaram por o abandonar à velhice isolada e à progressiva limitação de ações / movimentos.
Uma porta entreaberta fecha o filme. Seja pelo anúncio da morte que está para chegar seja pela ansiada entrada das filhas ao hospital, o que poderia sinalizar um perdão desejado por Frank para os seus atos condenáveis, ditados por um livre arbítrio indesculpável.
Representações excelentes de Robert De Niro, Al Pacino e Joe Pesci, um trio de atores que contribui para um retrato de personagens e uma ambiência epocal tão cúmplices com os propósitos criminosos na luta de poder(es) quanto ilustrativos de diálogos entre o enigmático e o sigiloso tornados cómicos. Um filme Netflix a não perder.
Representar 'canto' como nominalização decorrente do verbo cantar - numa exemplificação do que é uma derivação não-afixal - não é passível de confusão com a noção de 'canto' como ângulo de duas paredes que convergem no espaço. À musicalidade implicada do primeiro não se associa a 'quina' ou 'esquina' que alguns veem (mas não ouvem) no segundo.
E quando a distinção é bem notória, eis que há quem explore aproximações, comicamente configuradas pela homonímia do termo:
Interpretação dos homónimos - com e sem direito a música
Homónimos são os 'cantos', pela origem diversa dos vocábulos: o com relações musicais proveniente do étimo latino 'cantus'; o de natureza mais geométrica, de 'canthus'. Por mínima que seja a diferença original ou etimológica, esta representa ou motiva dupla entrada no dicionário. Uma mesma escrita (homografia) para um mesmo som (homofonia), mas com significados bem diversos.
Eu, que prefiro ficar no meu canto, estou mais para o sentido geométrico do que para o musical (para bem de quem tenha tímpanos sensíveis).
Conjugando duas imagens que têm tudo a ver uma com a outra.
Primeiro, aquela consabida prova de que as legendas ou notas de rodapé televisivo continuam a ser do melhor (salvo seja!):
Legenda do melhor: mudem o nome dos 'Açores' para 'Açoris'
Isto de não saber que o sufixo é '-iano(a)(s)' para o topónimo em causa deve ser um problema decorrente dos próprios 'Açores'- se, para acertar, é preciso mudar o nome, vamos lá aos *'Açoris' (de modo a poder escrever-se 'açorianos' convenientemente).
Depois a constatação de que a escrita anda pelas ruas da amargura no Facebook:
A prenda devida para muitas circunstâncias da escrita que surge aos nossos olhos
Não é só nos perfis! (Nem apenas no Facebook, claro está!)
Enfim, o inegável. Pai Natal, quero o meu dicionário em formato ou suporte eletrónico, se faz favor! (Sim, também preciso. De tão exposto que estou ao erro, começo já a ter demasiadas dúvidas sobre como escrever).
Aquele momento em que te pedem para fazer troca de prendas na aula.
Dizem que é a magia do tempo, a forma de sedimentar laços... talvez um modo de construir memórias para lá destes dias. Surge, então, aquele instante no qual se dá expressão ao nascimento de algo mais importante do que as caixas, os laços, os papéis coloridos que envolvem um objeto mais ou menos igual a muitos outros vendidos ou comprados numa loja qualquer:
Encontro com o Pai Natal - I (Foto VO)
Encontro com o Pai Natal - II (Foto VO)
Com agradecimento à IC, IS, BR e LR
Chegou-me às mãos e aos olhos, em múltiplos sorrisos, um postal num envelope dourado, com uma mensagem que só nós entendemos. Foi uma belíssima prenda de natal! Daquelas que são nossas, que têm a marca de vivências cúmplices, que se fazem com aulas e fora delas.
Com o agradecimento especial àquelas a quem "martelo" todos os dias (bem..., na verdade, só alguns) para que me deem o que têm de melhor. E não é que o deram!
A propósito do programa televisivo 'Prós e Contras' (RTP-1) e da reflexão sobre o tempo.
Talvez, melhor dizendo, dos tempos. Afinal, foram abordados muitos, numa perspetivação tão multifocada quanto representativa de como estar ou ver a vida.
Reconheço que tenho assistido a vários programas cuja temática e discussão têm sido perdas de tempo - a sensação que me fica é a de que muito se discute nos prós e nos contras e, no fim, de nada vale porque tudo rola da mesma forma, como se nada tivesse adiantado tanta argumentação. O de hoje, por ser mais reflexivo e equacionador da própria perceção do que é o tempo, não se me revelou tão improdutivo; pelo contrário, tomei-o como mais informativo, mais enriquecedor nessa versatilidade percetiva do que o 'tempo' é. Alguns momentos foram mesmo intensos na discussão, nomeadamente o da relação do tempo com a educação:
Excerto do programa 'Prós e Contras' (RTP1)
O momento em que se discute que é preciso tempo na educação e que alguém parece não o querer dar - até como forma de manipular as mentalidades - surgiu-me como a oportunidade de sublinhar que ensinar a pensar, encarar a educação como um processo são conceções desafiadoras para os nossos tempos. E quando José Gil refere que o Estado não tem tempo e não dá tempo a quem dele precisa (do tempo, porque do Estado e do governo a discussão será muito outra), muito fica explicado de algum do desgaste e do insucesso educativo nos últimos tempos.
O tempo que não se dá, o tempo que se retira, o tempo que se satura, o tempo que se ocupa inutilmente e, pior do que tudo, o tempo da ingratidão (quando, na relação educativa, devia ser bem o contrário). Uma ingratidão que acontece a vários níveis nessa relação entre o topo e os que dele dependem.
O professor David Rodrigues mencionou a gratidão como "a grande provedora do tempo", fundamental na relação de alteridade (para com o outro) que a educação é. Ousaria acrescentar uma outra: a presença. Saber que alguém se mostra e está presente, atento e focado na melhoria do outro e da relação com ele.
Quando em vez de gratidão e presença se dá lugar a ingratidão e ausência, não há ministério que seja bem sucedido. Ainda assim, muito do trabalho da escola será feito quase numa lógica de missão, de ação (re)construída, qual fénix renascida, a partir do clima de desencanto e desilusão. Porque há que lembrar que alguém vai sobreviver a políticas de ingratidão e de ausência.
Reza a tradição que é dia de azar, conforme já se explicou em apontamentos anteriores. Vários factos, mais ou menos supersticiosos, mais ou menos históricos assim o entendem.
No Tarot, a carta do arcano maior número treze, é verdade, representa a Morte. Contudo, entendida esta última como fim de um ciclo não significa, definitivamente, o fim de tudo. Simboliza não a perda da vida, mas uma transformação de relevo, uma fase de desprendimento a dar lugar ao renascimento. Como uma forma de libertação (de desapego ao que possa representar a crise, o negativo), é uma "morte" ansiada.
A imagem de um esqueleto a manejar a foice sobre um campo de pessoas, por mais assustadora que pareça, traz consigo a leitura da passagem, do transitório para uma nova etapa. Em hora de mudança, é tempo de superação.
Não sou, de facto, tricaidecafóbico. Sou pela leitura da mudança. Venha ela! Afinal, prefiro uma sexta-feira 13 a qualquer segunda-feira de outro número que seja.
Perante um tempo com o qual não se identifica ideologicamente, o narrador do romance saramaguiano relembra a estátua de Camões e como esta não tem um, mas os dois "olhos cegos", fechados perante uma realidade histórica que não merece contemplação - nem a portuguesa nem a europeia:
Se estas são mágoas de uma pessoa, a Portugal, como um todo, não faltam alegrias. Agora se festejaram duas datas, a primeira que foi do aparecimento do professor António de Oliveira Salazar na vida pública, há oito anos, parece que ainda foi ontem, como o tempo passa, para salvar o seu e o nosso país do abismo, para o restaurar, para lhe impor uma nova doutrina, fé, entusiasmo e confiança no futuro, são palavras do periódico, e a outra data que também diz respeito ao mesmo senhor professor, sucesso de mais íntima alegria, sua e nossa, que foi ter completado, logo no dia a seguir, quarenta e sete anos de idade, nasceu no ano em que Hitler veio ao mundo e com pouca diferença de dias, vejam lá o que são coincidências, dois importantes homens públicos. E vamos ter a Festa Nacional do Trabalho, com um desfile de milhares de trabalhadores em Barcelos, todos de braço estendido, à romana, ficou-lhes o gesto dos tempos em que Braga se chamava Bracara Augusta, e um cento de carros ornamentados mostrando cenas da labuta campestre, ele as vindimas, ele a pisa, ele a sacha, ele a escamisada, ele a debulha, e a olaria a fazer galos e apitos, a bordadeira com os bilros, o pescador com a rede e o remo, o moleiro com o burro e o saco da farinha, a fiandeira com o fuso e a roca, com esta faz dez carros e ainda hão-de portugueses, um deles, ainda assim, ilustrou a notícia com uma fotografia da praça, onde se
viam, espalhados, alguns corpos, e uma carroça que ali parecia incongruente, não se
chegava a saber se era carroça de levar ou de trazer, se nela tinham sido transportados os
touros ou os minotauros. O resto soube-o Ricardo Reis por Lídia, que o soubera pelo
irmão, que o soubera não se sabe por quem, talvez um recado que veio do futuro, quando
enfim todas as coisas puderem saber-se. Lídia já não chora, diz, Foram mortos dois mil, e
tem os olhos secos, mas os lábios tremem-lhe, as maçãs do rosto são labaredas. (...)
Os dias seguintes são pródigos em notícias, como se o comício do Campo Pequeno
tivesse feito redobrar o movimento do mundo, em geral damos o nome de acontecimentos
históricos a estes episódios. Um grupo de financeiros norte-americanos comunicou ao
general Franco estar pronto a conceder os fundos necessários à revolução nacionalista
espanhola, isto há-de ter sido ideia e influência de John D. Rockefeller, nem tudo seria
conveniente esconder-lhe, deu o New York Times a informação do levantamento militar
em Espanha com todas as cautelas para não ferir o coração debilitado da ancião, mas há
coisas que não podem ser evitadas, sob pena de males maiores. Para os lados da Floresta
Negra, os bispos alemães anunciaram que a igreja católica e o Reich iriam combater ombro
com ombro contra o inimigo comum, e Mussolini, para não ficar atrás de tão belicosas
demonstrações, deu aviso ao mundo de que poderá mobilizar em pouco tempo oito
milhões de homens, muitos deles ainda quentes da vitória sobre esse outro inimigo da
civilização ocidental, a Etiópia. Mas, regressando ao ninho nosso paterno, já não é só
sucederem-se as listas de voluntários para a Mocidade, contam-se também por milhares os
inscritos na Legião Portuguesa, que este nome terá, e o subsecretário das Corporações
lavrou um despacho em que louva, nos termos mais expressivos, as direcções dos
sindicatos nacionais pela patriótica iniciativa do comício, crisol onde se acadinharam os
corações nacionalistas, agora nada poderá travar o passo do Estado Novo.
(segmento XIV do romance)
Na ironia de que se compõe o discurso narrativo, há todo um contexto que se revê no ano da morte do heterónimo pessoano (1936), enquanto pano de fundo para o "ovo da serpente", gerador de uma política agressiva, de um autoritarismo que se difunde no continente europeu, lançado numa espécie de labririnto ou teia composta pela guerra civil espanhola, pela ocupação de territórios pela Alemanha nazi, pelo fim da guerra da Itália contra a Etiópia e pela constituição de milícias fascistas em Portugal (com Salazar e a Legião Portuguesa).
Ecos de um tempo em que, ao contrário do que Ricardo Reis afirma numa das suas odes, "Sábio [não] é o que se contenta com o espetáculo do mundo!"
Não é o conhecido título do livro de M. Àngles Anglada (romancista catalã), mas uma atividade escolar (e educativa) que fez relembrar um passado trágico.
Uma conferência-concerto multimédia, promovida pelo grupo disciplinar de História da Escola Secundária Dr. Manuel Laranjeira (ESML - Espinho), contou com a presença / dinamização do violinista / relator / investigador Maurizio Padovan. No Dia Internacional dos Direitos Humanos, este homem-espetáculo lembrou, a toda uma plateia de alunos e professores, um tempo que não pode ser esquecido.
Como contador de histórias e da História, comunicador eficiente e cativante, executante de peças musicais da época do holocausto, o professor Maurizio compôs a sua apresentação de uma forma tão impressionante e entusiasmante que a concentração do público era tão notória quanto respeitosa para a memória de todos aqueles que foram vítimas de outras concentrações - bem mais terríficas e fatais (as dos campos de genocídio nazi).
Numa amplitude diversa de registos (do mais sério ao mais irónico e cómico; do mais grave ao mais anedótico), a História fez-se ouvir no que de mais grotesco, hediondo tem para a Humanidade, mesmo que mascarada, disfarçada de ilusões, na forma mais propagandística que os regimes fascistas também puderam construir.
Se a moda das meias de vidro (lançada a 27 de outubro em 1938, na Feira Mundial de Nova Iorque) abrilhantou, com grande sucesso, a beleza feminina, a Segunda Guerra Mundial não deixou de ver no nylon o material adequado para o fabrico bélico de pára-quedas, pneus, tendas, cordas, fatos impermeáveis. Quase fez com que, praticamente, desaparecesse a produção de meias. A fronteira do belo e do grotesco é tornada ténue. Se a música é arte de sons, melodias, harmonias e ritmo no e para o(s) tempo(s), é também prática cultural humana matizada de efeitos e sentidos inusitados - que o digam o 'tango da morte' ou a 'música da mentira'. São memória de um drama humano em várias línguas (alemão, checo, hebraico, iídiche, polaco, romeno), tantas quantas a tortura e o sofrimento fizeram ouvir.
Demonstração-vídeo de "Violino de Auschwitz" (conferência-concerto na ESML)
Se ouvir música / cantar fazia enfrentar e relativizar a sensação de fome e dor; se trazia notas de uma esperança a todo o tempo ameaçada, também com ela se anunciava a morte e se disfarçava o futuro irrevogavelmente fatídico na forca, nas valas ou nas câmaras de gás. Na condição de prisioneiros condenados à morte pela raça, ideologia e/ou religião, inúmeros judeus, ciganos, "diferentes" cavaram fundo, nas suas almas e na busca de inspiração, para criar e interpretar pautas de absurdo e de abismo, frequentemente culminadas em crematórios ou valas de morte.
Disto e doutras curiosidades se fez acompanhar o violino, instrumento cuja construção no concelho de Espinho data de 1924 com o artista Domingos Capela, jovem marceneiro, natural da freguesia de Anta. Arte e dedicação levaram-no a ser conhecido mundialmente. O filho Joaquim Capela tem mantido o interesse e o mérito / reconhecimento internacional, colocando Espinho no centro de uma tradição geracional e familiar voltada para o mundo.
Um violino que trouxe música para homenagear vozes que o Holocausto silenciou; que também convocou memórias pessoais de uma viagem que marcou; que deu as notas necessárias à evocação de um dia que, desde 1948 (quando a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou a Declaração Universal dos Direitos do Homem), se mantém atual. Um agradecimento ao grupo de História da ESML, que tornou esta manhã mais luminosa e celebrada.
O tempo era outro (estávamos no verão, com a brisa de um final de tarde) e o espaço também (no país vizinho, lá para os lados da Catalunha). Era uma vivência de música ao vivo, com um nome sonante do panorama atual. Um pequeno excerto do espetáculo colorido, assistido, é o que se apresenta:
Não se pode dizer que seja novidade! Versão para outro(s) sujeito(s).
Já se abordou uma questão similar em apontamento anterior: a do sujeito sintático de uma oração que, indevidamente, deu lugar a resposta que, no contexto do apontamento, só fazia sentido na orientação crítica pela política do momento (se é que não é a de todo o sempre).
Desta feita, a versão da interação é outra:
Cartoon espelhando uma interação infeliz
A felicidade de um sujeito é questão deveras polifacetada, a julgar pelas respostas dos alunos. Talvez a questão docente não tenha sido a melhor, na interação criada. Nada como explicitar o que se pretende, para que o discurso pedagógico resulte mais ajustado aos objetivos pretendidos. Se de sujeito sintático se trata, é bom que se questione acerca do mesmo, para não saírem outros, indesejados (nem o poético, nem o lírico, nem o discursivo, nem os que os alunos sugerem, na riqueza de "conhecimentos de mundo" que têm).
Assim preferia, na boca da professora, a questão "Qual é o sujeito sintático da frase?" A variedade de respostas ficava bem mais inoportuna e inadequada (questões básicas de interação que um cartoon põe a nu, se não forem mesmo representativas de situações reais a evitar).
Cá por mim, para além da questionação a corrigir, também não me ficava pelo sujeito clássico na sintaxe. No caso do nível secundário, por exemplo, apostava nos que surgem invertidos, para que não fique a ideia de que o sujeito sintático é sempre aquele segmento que abre uma frase ou oração (Diz-se que não há questões perfeitas / É interessanteque o sujeito esteja no final da frase / À questão da professora responderam os alunos - só para me ficar por alguns casos críticos da localização sintática do sujeito).
Por aqui me fico, para não ter que dizer que lá se foram os predicados - não os da frase, mas os dos alunos, cujas virtudes ficaram muito a desejar, um pouco também por causa do que a professora perguntou.
Talvez pareça um paul, mas não é pantonoso. Talvez se assemelhe a matéria orgânica, mas não passam de paus a marcar a passagem de um passadiço, ladeado por arbustos e vegetação resistentes ao tempo e à aragem marinha que humidifica a pele.
Passadiço entre a Granja e São Félix da Marinha (Foto - VO)
As cores são as de um fim de tarde, princípio de noite, matizados de tons quentes, apesar do frio sentido.
Aproxima-se o inverno, o mar faz-se ouvir, mas persiste um horizonte iluminado que atrai o olhar e aquece a alma, farta dos dias de chuva que teimaram em regar a terra e o oceano nos últimos dias.
Cumpre-se o caminho, de romagem à natureza, para esquecer o trabalho que também teima em não se dar por esquecido.
A História (sim, escrevo com maiúscula, para não associar a disciplina a uma historieta qualquer) reescreve-se (mal) na televisão.
Tenho vários motivos para relembrar o 1 de dezembro - dos mais pessoais aos mais culturais. Uns tornaram a data feriado nacional; outros nem por isso, por mais importantes que para mim sejam. Já ouvi dizer muita coisa: que é feriado por ser o dia mundial da SIDA (preferível do combate à SIDA), por termos conquistado a independência (reconquistado ou restaurado, seria melhor), por causa do terramoto (com um mês de atraso). E, no meio de tudo isto, até feriado deixou de ser, por uns tempos - por mais que tenha sido dia para as nossas vidas.
Hoje fiquei mais esclarecido quanto à imbecilidade informativa que reina na república:
Foto colhida a partir do ecrã televisivo - hoje na emissão da SICNotícias (Foto VO)
Palavras para quê? Cantam os altos dignitários da nação o hino (da República); regista algum incompetente da informação a assumida ignorância (da História). E assim segue um país, que não valoriza a sua Cultura e História (no âmbito da Educação).
Tendo o ensino da língua, entre várias componentes / dimensões, a da Cultura e da História de um povo, também aquela sofre e reflete a aposta / o apagamento que destas se faz. A evidência de como tudo anda baço, negro (ou mesmo "negro boçal", como diria Padre António Vieira) está aos olhos de todos (mesmo daqueles que irão descobrir, por que razão celebraram, cantaram o [de]feito).
Feriado a um fim de semana é coisa, por certo, escusada. Pior se revela quando se demonstra a agnosia dos tempos, particularmente dando-se a ler algo que não dignifica nenhum tipo de canal televisivo (público ou privado). Ainda vão dizer que temos república há mais de quatro séculos!
Batam palmas, façam festa, ponham a melhor fatiota e esperem pela "Greta" (que vai salvar o mundo com a sua cara de má e o seu "How dare you!"). Triste, tudo muito triste! Estamos a precisar de um novo restauradorpara o que há muito se tem vindo a perder.
A questão é pertinente, merecendo apontamento nesta "carruagem".
Q:Bom dia, caro Vítor.
Só um pequeno esclarecimento sobre esta questão: "E como anoitecia cedo, havia outro remédio senão ir agora a mata - cavalos a correr contra o tempo e contra a idade, com o coração a refilar." Considerando a instrução "Identifica um recurso expressivo presente na expressão 'com o coração a refilar', considero metáfora, mas posso também considerar personificação? Abraço. Grato
R: É assumida como natural, no campo literário, a relação de várias figuras de estilo, em termos do pensamento traduzido, às duas figuras-mãe: a metáfora e a metonímia. Dificilmente se falha quando uma destas é convocada.
No caso em concreto, e uma vez que se trata apenas de uma instrução de identificação, deverão ser aceites ambas as respostas (metáfora e personificação). Na verdade, se a metáfora se encontra associada ao termo "coração", por motivos do sentimento e da emoção (coração como metáfora de sentimento), a personificação está focada na intencionalidade relacionada como o termo "refilar". O coração a refilar é a ideia de um sentimento personificado, com características humanas e o sentido da intencionalidade - com a intenção de contrariar, criticar, reagir.
Fosse a questão outra, com os alunos a terem de explicitar a expressividade da figura de estilo, haveria a possibilidade de condicionar a resposta em função da justificação a dar.
Não raras vezes nos deparamos com segmentos textuais, nos quais confluem vários recursos expressivos e/ou estilísticos. Sempre que tal acontece, a abertura a vários cenários de resposta é atitude a assumir, desde que os argumentos aduzidos na resposta sejam compatíveis com o recurso / a figura selecionada. Daí que, mais do que a identificação, seja desejável a explicitação da expressividade ou dos efeitos obtidos com o uso de tal recurso na mensagem.
Claro que 'recursos expressivos' é uma designação mais abrangente para processos bem além das figuras de estilo; porém, no que a estas últimas diz respeito, personificação e metáfora andam bem alinhadas no exemplo transcrito.
As imagens são muito significativas da irracionalidade reinante nestes dias
O que víamos há tempos em território americano chegou à Europa,... a Portugal,... a Matosinhos - corre o povo em cardume, direitinho ao anzol (que não vê), pensando no retalho de pano lindo que, vaidosamente, vai poder mostrar a todos:
Black Friday em Matosinhos (à moda de USA)
Ainda há dias falava, nas aulas, sobre o Black Friday (que mais deve ser Black Days, já que nem de Friday nem de um só dia se trata), tudo a propósito de Vieira e do Sermão de Santo António. As semelhanças com a atualidade são inevitáveis, não fossem os peixes (seduzidos por um retalho de pano) metáfora dos homens (que se iludem com as falsas promoções).
Outra coisa muito geral, que não
tanto me desedifica, quanto me lastima em muitos de vós, é aquela tão notável
ignorância e cegueira que em todas as viagens experimentam os que navegam para
estas partes. Toma um homem do mar um anzol, ata-lhe um pedaço de pano cortado
e aberto em duas ou três pontas, lança-o por um cabo delgado até tocar na água,
e em o vendo o peixe, arremete cego a ele e fica preso e boqueando, até que,
assim suspenso no ar, ou lançado no convés, acaba de morrer. Pode haver maior
ignorância e mais rematada cegueira que esta? Enganados por um retalho de pano,
perder a vida?!
Dir-me-eis que o mesmo fazem os
homens. Não vo-lo nego. Dá um exército batalha contra outro exército, metem-se
os homens pelas pontas dos piques, dos chuços e das espadas, e porquê? Porque
houve quem os engodou e lhes fez isca com dois retalhos de pano. A vaidade
entre os vícios é o pescador mais astuto e que mais facilmente engana os
homens. E que faz a vaidade? Põe por isca na ponta desses piques, desses chuços
e dessas espadas dois retalhos de pano, ou branco, que se chama hábito de
Malta, ou verde, que se chama de Avis, ou vermelho, que chama de Cristo e de
Santiago; e os homens por chegarem a passar esse retalho de pano ao peito, não
reparam em tragar e engolir o ferro. E depois disso que sucede? O mesmo que a
vós. O que engoliu o ferro, ou ali, ou noutra ocasião ficou morto; e os mesmos
retalhos de pano tornaram outra vez ao anzol para pescar outros.
Por este exemplo vos concedo,
peixes, que os homens fazem o mesmo que vós, posto que me parece que não foi
este o fundamento da vossa resposta ou escusa, porque cá no Maranhão ainda que
se derrame tanto sangue, não há exércitos, nem esta ambição de hábitos.
Mas nem por isso vos negarei que
também cá se deixam pescar os homens pelo mesmo engano, menos honrada e mais
ignorantemente. Quem pesca as vidas a todos os homens do Maranhão, e com quê?
Um homem do mar com uns retalhos de pano. Vem um mestre de navio de Portugal
com quatro varreduras das lojas, com quatro panos e quatro sedas, que já se lhe
passou a era e não têm gasto e que faz? Isca com aqueles trapos aos moradores
da nossa terra: dá-lhes uma sacadela e dá-lhes outra, com que cada vez lhes
sobe mais o preço; e os bonitos, ou os que o querem parecer, todos esfaimados
aos trapos, e ali ficam engasgados e presos, com dívidas de um ano para outro
ano, e de uma safra para outra safra, e lá vai a vida. Isto não é
encarecimento. Todos a trabalhar toda a vida, ou na roça, ou na cana, ou no
engenho, ou no tabacal; e este trabalho de toda a vida, quem o leva? Não o
levam os coches, nem as liteiras, nem os cavalos, nem os escudeiros, nem os
pajens, nem os lacaios, nem as tapeçarias, nem as pinturas, nem as baixelas,
nem as jóias; pois em que se vai e despende toda a vida? No triste farrapo com
que saem à rua, e para isso se matam todo o ano.
Não é isto, meus peixes, grande
loucura dos homens com que vos escusais? Claro está que sim; nem vós o podeis
negar. Pois se é grande loucura esperdiçar a vida por dois retalhos de pano,
quem tem obrigação de se vestir, vós, a quem Deus vestiu do pé até à cabeça, ou
de peles de tão vistosas e apropriadas cores, ou de escamas prateadas e
douradas, vestidos que nunca se rompem, nem gastam com o tempo, nem se variam
ou podem variar com as modas; não é maior ignorância e maior cegueira
deixarde-vos enganar ou deixarde-vos tomar pelo beiço com duas tirinhas de
pano?
Vede o vosso Santo António, que
pouco o pôde enganar o mundo com essas vaidades. Sendo moço e nobre, deixou as
galas de que aquela idade tanto se preza, trocou-as por uma loba de sarja e uma
correia de cónego regrante; e depois que se viu assim vestido, parecendo-lhe
que ainda era muito custosa aquela mortalha, trocou a sarja pelo burel e a
correia pela corda. Com aquela corda e com aquele pano, pescou ele muitos, e só
estes se não enganaram e foram sisudos.
Declamação e representação (adaptada) do sermão vieirino por Marcelo Lafontana
O que foi escrito para o século XVII é visionário para os nossos tempos. Apetece dizer com Vieira que, ao Homem, parece ter sido dada a razão sem o uso; há animais que parecem ter mais o uso sem a razão. "Não é isto verdade? Ainda mal!"
Tudo depende do que um diz e o outro representa. No caso da homofonia, a situação pode ser crítica:
Um diálogo de risco homofónico
Se o diálogo fosse escrito, não haveria tanta variedade de representação. As relações têm desta coisas, ainda mais quando, na língua, elas são mantidas entre a grafia (escrita) e a fonia (som, oralidade). Bem distinta na escrita e no significado, a homofonia pode acarretar expectativas bem diferenciadas no (n)amor(o).
Para a próxima, é melhor pedir a resposta por escrito. Tudo por causa de piadas homofónicas.
Só se fala do homem pelo grande feito futebolístico.
Depois de conquistar a taça final dos Libertadores - principal campeonato de futebol da América do Sul, frente à equipa argentina do River Plate -, bem como o campeonato brasileirão, o Flamengo treinado por Jorge Jesus é equipa celebrada; Jesus, treinador endeusado.
Na carreira ascendente ainda em terras lusas, a qualidade do treino não correspondeu à dos discursos. De tão comentado que foi pelo que dizia (mais propriamente pelos erros de fala cometidos), Jorge Jesus chegou a afirmar "Não sou Eça de Queirós" (como se alguma vez o tivesse de ser, para evitar tanto pontapé na correção da língua). Pelo que proferiu hoje, talvez devesse acrescentar que (também) não é Pedro Nunes ou, na forma alatinada, Petrus Nonius.
É verdade que chegou ao Brasil, viu e venceu, qual Júlio César, mas não terá sido, seguramente, com cálculos matemáticos (muito menos os associados às medições do nónio):
Jorge Jesus, matematicamente falando
Afirma-se como o catedrático do futebol. Na língua e na matemática está a precisar de aulas de apoio. Dezassete em dezasseis?! Dezassete mais dez (perdendo ou ganhando, tanto dá) resulta em dezasseis?!... E, portanto,... cerca de treze segundos de Matemática pura e... não percebi!
Com exemplos destes, sublinham-se as múltiplas inteligências - nem todos temos as mesmas nem estão elas desenvolvidas da mesma forma. Jorge Jesus é grande no treino e na gestão desportiva, mas na língua e no cálculo..., portanto,... estou sem palavras!
Uma lousa muito recomendável, pela alma que tem (A partir da foto de Sandra Andrade Reis)
A placa anunciadora do repasto é um regalo para a comédia. À falta de melhor, acho que uma "almelete" caía bem! Deve ser uma amálgama, juntando as palavras alma e omolete.
(A julgar pela última ementa aqui apontada, esta vem confirmar que a revolução ortográfica chegou à cozinha).
A refeição promete. Falta saber se o estômago não se ressente.
A questão é mesmo com o concorrente. Ao ler o que estava escrito na questão da ronda bónus, fê-lo erradamente. Leu conforme habitualmente se fala... mal.
Imagem da emissão de hoje do 'Joker', na RTP1 (Foto VO)
Lá está o acento gráfico (agudo) na escrita da palavra; lá se identifica (e bem) a palavra como esdrúxula (ou proparoxítona). Ou seja, deve ler-se a palavra com incidência na sílaba destacada: diÓSpiro. Não como o concorrente a disse: diósPIro. É verdade que o comum dos falantes assim o faz (erradamente); até eu o fazia, por vezes, quando ia à feira e comprava nos agricultores da terra ou nas vendedoras de fruta. Se não o fizesse, ainda corria o risco de me dizerem "Olha, olha... o professor que não sabe falar". Eu até acho que sei, mas, se falasse como devia ser, ainda me atiravam com um diÓSpiro à cara.
Há dias, cruzando-me com um ex-aluno na rua, dizia-me ele que ainda se lembra da aula em que aprendeu, no 12º ano, a dizer diÓSpiro. Se tiver visto o programa televisivo, também terá reparado como a escrita (cara) não bateu com a leitura (careta).
Talvez seja uma questão de deriva da língua, da mudança que está em curso. Enquanto isso, vou à cozinha buscar e comer um diÓSpiro. Em pleno outono... o tempo dele.