sábado, 14 de março de 2020

Já vi ou li isto algures…

      E agora que alguma da nossa vida fica como suspensa, revisita-se uma leitura.

     Chega aquele momento em que te lembras de ter lido uma passagem de um livro de ficção tão cheio de realidade! Na altura, era tudo tão carregado de referências históricas, culturais e científicas que chegava a duvidar se haveria presente ou futuro para reconfirmar o que acabava de ler:
Capa do romance Inferno
de Dan Bown (2013)
     "Langdon tentou afastar da sua mente as imagens da peste, mas não conseguiu. Sempre quisera saber como fora aquela cidade [Veneza] incrível no seu auge... antes de a peste a ter enfraquecida o suficiente para poder ser conquistada pelos otomanos e depois por Napoleão... quando Veneza reinara gloriosamente como o centro comercial da Europa. Dizia-se que não havia cidade mais bonita no mundo, que a riqueza e a cultura da sua população não tinham precedentes.
      Ironicamente foi o gosto da população por luxos estrangeiros que levou à sua queda - a peste mortal viajara da China para Veneza nas ratazanas transportadas nos navios comerciais. A mesma peste que dizimou uns abismais dois terços da população da China chegou à Europa e rapidamente matou um em cada três - jovens e velhos, ricos e pobres.
       Langdon lera descrições da vida em Veneza durante os surtos da peste. Com pouca ou nenhuma terra seca onde enterrar os mortos, os cadáveres inchados flutuavam nos canais, com algumas áreas tão densamente cheias de corpos que os trabalhadores tinham de os empurrar para o mar. Não havia orações que conseguissem diminuir a ira da peste. Quando as autoridades municipais perceberam que eram as ratazanas que estavam a causar a doença, já era demasiado tarde, mas Veneza ainda decretou que todos os navios recém-chegados tinham de ancorar no mar durante quarenta dias antes de serem autorizados a descarregar. Até hoje o número quarenta - quaranta em italiano - serve como lembrete sombrio das origens da palavra quarentena."
in Inferno, Bertrand Editora 2013, pág. 360

     O passado veste-se de presente e inquieta. O excerto é tão oportuno e coincidente com o que se vive hoje! É como se o Covid-19 fosse mais um exemplo da peste que veio dos finais da Idade Média, onde não faltam as máscaras - podiam ser as do Carnaval de Veneza, que, afinal, tudo tiveram a ver com a Peste Negra:
Máscara veneziana
      Langdon explicou rapidamente que, no seu mundo de símbolos, a única forma de máscara com um bico comprido era quase sinónimo de Peste Negra -  a peste mortífera que grassou na Europa no século XIV, matando um terço da população em algumas regiões. A maior parte das pessoas acreditava que a designação da peste como "negra" era uma referência ao enegrecimento da carne das vítimas por causa da gangrena e das hemorragias subepidérmicas, mas na verdade a palavra negra era uma referência ao profundo terror que a pandemia espalhou entre a população.
       - Essa máscara com um bico comprido - disse Langdon - era usada pelos médicos que tratavam a doença na época medieval, a fim de manter a pestilência longe das suas narinas enquanto cuidavam das pessoas infetadas. Hoje em dia, só são usadas durante o Carnaval de Veneza... uma lembrança sinistra de um período sombrio na história da Itália."
idem, pág. 63

     Não vou dizer que a obra Inferno, de Dan Brown, foi premonitória face ao tempo presente; mas que há coincidências demasiadas da contemporaneidade com a época histórica mencionada... isso é inegável.

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