A questão hoje foi completa, ainda que seja acerca da metade ou daquilo que é 'quase'.
Q: Como se classificam as palavras que contenham "semi", derivadas por prefixação ou compostas?
R: No capítulo dos radicais eruditos, houve sempre alguma instabilidade quanto à classificação das palavras portuguesas que os utilizam como uma das suas componentes de formação. Por um lado, a questão da consciência geral dos falantes muitas vezes não se põe (por não ser de conhecimento imediatamente acessível); por outro, há exemplos de radicais desse tipo que, entretanto, acusaram uma deriva semântica própria de realidades / valores significativos distintos do significado geral (é o caso clássico de 'auto', com o valor grego de 'próprio', 'por si mesmo / próprio' - como em 'autoavaliação' - e o sentido mais atual de 'relativo a veículo movido por si mesmo' - como em 'autoestrada').
Quanto a 'semi', Celso Cunha e Lindley Cintra (na Nova Gramática do Português Contemporâneo) colocam-no numa lista que designam de 'pseudoprefixos', precisamente por ser um caso de radical culto latino que entrou em deriva semântica. Outros linguistas, como José Herculano de Carvalho (na Teoria da Linguagem), falam de 'prefixóides', isto é, significantes análogos aos prefixos, apesar de não caberem inteiramente nessa categoria. André Martinet propôs para situações destas (nomeadamente as que evidenciam termos como 'aero, agro, arqui, astro, bio, cine. demo, eletro, fono, foto, geo, hetero, hidro, inter, macro, maxi, micro, mini, mono, moto, multi, pluri, poli, proto, pseudo, radio, retro, tele, termo') o conceito de recomposição - designação para um processo que não se identifica nem com a composição nem com a derivação sistemáticas.
Pelo facto de este último linguista recorrer ao termo 'recomposição (sublinhado meu), mantenho o contexto das palavras compostas como o mais ajustado a uma possível classificação de 'semifrio', 'semicolcheia', 'semibreve', 'semifusa', 'semifinal', semiprofissional', 'semirreta', 'semivogal', 'semicerrado', 'semiestruturada'. Na mesma linha encontra-se a informação do Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, ao apontar a entrada 'semi' como elemento de composição.
A instabilidade, a deriva ou a dificuldade de classificação patentes nestes casos não são mais do que evidências da falta de sistematicidade ou do grau (mais ou menos elevado) de irregularidade em mecanismos complexos e/ou com um alto grau de especificidade no domínio da formação de palavras - muitos dos quais a ultrapassar o domínio morfológico (como é o caso da lexicalização e o das palavras lexicalizadas). Trata-se, portanto, de uma questão que ultrapassa claramente o público-alvo dos ensinos básico e secundário e que deve dar lugar, na didática da gramática. a um trabalho mais orientado para a consulta de termos eruditos e sua produtividade na antecipação / construção de significados em palavras concretas (em detrimento de preocupações classificatórias).
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