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Voltando às funções sintáticas, desta feita mais internas.
Nova dúvida em apontamento antigo (que nem era sobre sintaxe, mas que lá tem depositada a dúvida sobre tal domínio linguístico).
Q: Boa tarde.
Tenho dúvidas se a função sintática do segmento textual "de uma esquadra inglesa", na frase “Ancorado em Alcântara desde a manhã de 22 de dezembro, assiste no dia seguinte à chegada ao Tejo de uma esquadra inglesa que larga ferro a estibordo“ é o complemento do nome ou o complemento oblíquo. Poderia ajudar-me?
Muito obrigada,
R: A função sintática do complemento oblíquo está na dependência de um verbo transitivo indireto. Assim, "assiste" seleciona o complemento oblíquo "à chegada ao Tejo de uma esquadra inglesa que larga ferro a estibordo". O foco centrado no verbo "assistir" (que, por sua vez, seleciona a preposição 'a' - ASSISTIR A) permite ver, a um primeiro nível de análise sintática, um verbo principal (transitivo indireto) complementado por um sintagma preposicional expandido (todo ele encarado como complemento oblíquo).
No caso do segmento indicado ("de uma esquadra inglesa"), este encontra-se na dependência do nome "chegada", numa expansão desse núcleo nominal; logo, corresponderá ao complemento do nome ("chegada"), enquanto função sintática interna (ou de segundo nível de análise).
Esquematicamente, teríamos:
Se é verdade que o verbo 'chegar' implica a estrutura argumental 'Alguém / Algo CHEGA A Algum lugar", o agente associado ao ato de chegar (a funcionar como sujeito sintático) é o que está configurado por 'de uma esquadra inglesa...'. Tratando-se de um argumento selecionado pelo verbo, conclui-se que o nome derivado desse verbo (chegar > 'chegada') também implica a consideração desse mesmo argumento como selecionado pelo próprio nome. Deste modo se justifica a presença de um complemento de nome.
Diferentes níveis de análise, na sequência de uma expansão de segmentos, que não pode fazer esquecer a consideração do todo, mas também das suas partes (de modo a que estas não se confundam com o primeiro).
Vem isto a propósito de uma dúvida, formulada em apontamento anterior, que se debruça sobre a sintaxe do verbo 'acreditar' (o que também é válido para 'crer'):
Q: Olá, Vítor!
Precisava da sua ajuda no esclarecimento de uma dúvida. Na frase "Um em cada 10 portugueses acredita que o amor pode estar escondido atrás do ecrã do computador", que função sintática é desempenhada pela oração completiva? Normalmente, esta oração corresponde ao complemento direto, mas neste caso não me parece possível pronominalizar por "o" - "acredita-o". Diríamos "acredita nisso"; logo, podemos admitir que a oração tenha a função sintática de complemento oblíquo? Obrigada.
R: Viva.
A oração "(em) que o amor pode estar escondido atrás do seu computador" é, de facto, um caso de oração subordinada completiva oblíqua (daí a função sintática de complemento oblíquo) à semelhança de outras construções que também apresentam, como principal, um verbo transitivo indireto (que seleciona preposição) - exemplo: aconselhar a, acreditar em, concordar com, conduzir a, convencer de, crer em, discordar de, insistir em, lutar por, preferir a, prevenir de, entre outros.
A estrutura argumental típica do verbo 'acreditar' é, na verdade, 'Alguém ACREDITA EM Algo / Alguém', pelo que 'em algo / alguém' desempenha a função de complemento oblíquo. O facto de se poder suprimir ou omitir a preposição não invalida a identificação desta função, atendendo aos testes de verificação da mesma (questionação por 'Em que acredita...?' / pronominalização 'acredita nisso' / impossibilidade da passivização, típica nas construções transitivas diretas).
Vários outros exemplos análogos podem ser considerados, também com a omissão da preposição e a identificação da subordinada completiva oblíqua:
i) Os alunos insistiam (em) que o teste devia ser adiado.
ii) Os estudantes confiaram (em) que havia pouca matéria para estudar.
iii) As vítimas anseiam (por) que seja feita justiça.
iv) Ninguém se apercebeu (de) que alguém estava a faltar.
v) Gosto (de) que faças tudo pelo melhor.
vi) Ele convenceu-se (de) que tinha de salvar o mundo.
No caso do verbo 'acreditar', a construção sem preposição é seguramente a preferida:
a) Não acredito que tenhas feito asneira.
a') ?? Não acredito em que tenhas feito asneira.
Um caso para demonstração como a estrutura de superfície prefere uma construção típica de queísmo (recurso a construções iniciadas por 'que' pela supressão da preposição em orações subordinadas finitas, em situações aceitáveis para a maioria dos falantes), não obstante os testes e a manipulação da frase apontarem para o que os olhos não dão a ver.
Chega o "Dia Mundial da Água", criado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, desde 1993, com o intuito de consciencializar publicamente para a proteção, conservação e desenvolvimento dos recursos hídricos.
Da importância dela para a vida já muito se disse e daí decorrem as múltiplas significações e simbologias que adquire na arte, em particular, e na vida, em geral. Meio de fecundação e de purificação, de regeneração de forças (espirituais, anímicas, físicas), de regresso às origens, de fluidez do próprio tempo, a água é tudo isto nas letras que nos são dadas a ler; nas cores que cobrem as telas; no líquido que nos escorre pela pele.
Pela relação que mantém com todo o ser humano, é também fonte de memórias, límpidas ou baças, alegres ou sofridas conforme reflete os bons ou maus momentos da vida. Assim se pode entender "The Water", musicada e interpretada pelo duo britânico Hurts (formado pelo teclista Adam Anderson e o vocalista Theo Hutchcraft):
Vídeo "The Water" em concerto por terras russas
Do álbum "Happiness" (2010), fica a letra dessa 'água' que, no seio da vida e da felicidade, não deixa de espelhar também o receio de se estar / entrar numa relação pelo que já possa ter havido de dor no passado. O ciclo da água pode manter-se, mas impõe-se o cuidado de não se fazer ninguém perder naquele que também pode ser um leito de morte, onde os anjos também gritam.
THE WATER
Innocent, they swim
I tell them 'no'
They just dive right in
But do they know?
It's a long way down
When you're alone
And there's no air or sound
Down below the surface
There's something in the water
I do not feel safe
It always feels like torture
To be this close
I wish that I was stronger
I'd separate the waves
Not just let the water
Take me away
There was a time I'd dip my feet
And it would roll off my skin
Now every time I get close to the edge
I'm scared of falling in
Cause I don't want to be stranded again
On my own
When the tide comes in
And pulls me below the surface
... fica esta nota de música, neste dia da água que, entre o hídrico e o simbólico, também se faz de fluxo e de ondas da vida.