Tudo porque 'ingerir' precisa de contextualização.
A pergunta surge na sequência de uma resolução de exercícios sobre formação de palavras e a constatação de que algo não batia certo com o ato de comer / ingerir (caso para se dizer que nem sempre se deve "comer" a papinha que nos dão):
Q: Posso considerar 'ingerir' um verbo formado por prefixação (in+gerir)? Estou a trabalhar uma narrativa sobre o que um leão come e 'ingerir' é aproveitado para exemplificar um caso de derivação por prefixação.
R: Na verdade, segundo o contexto facultado, não se trata de um bom exemplo.
A forma etimológica (latina) ingerĕre assim o dita, pelo que se trata de uma base, uma palavra que evidencia a pertença do português ao ramo das línguas provenientes do latim. Não se pode considerar, o 'in' como prefixo, por, já na origem latina, tal segmento estar incluso na palavra etimológica - daí não se poder falar propriamente de formação de palavra no português.
Fosse o contexto outro (o de se estar a falar de má gestão) e o raciocínio seria completamente diferente. Usar o termo 'ingerir' como sinónimo de gerir mal representaria um bom exemplo de derivação por prefixação, com o prefixo de negação 'in-' a traduzir a gestão mal conseguida (a ingerência).
Ingerir, no sentido de comer, engolir, consumir alimentos, quanto à formação da palavra, nada tem a ver com ingerir como sinónimo de administrar mal (esta última, sim, a marcar-se pela prefixação). São dois bons exemplos de palavras homónimas (base e formação bem distintas) e que têm de ser equacionadas no seu contexto significativo, sem hipótese de a formação de uma se poder explicar pela de outra.
Ingerir tem muito que se lhe diga: se comermos mal, a indigestão pode surgir; se gerirmos mal, a ingerência instala-se. A bem da morfologia, espero ter contribuído para que não haja ingerência (nem indigestão).
Sem comentários:
Enviar um comentário