segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Qual é o aspeto?

      Não se trata de uma questão de moda nem de querer saber o estado de qualquer coisa!

     Pode, aliás, ser o estado ou o evento na situação traduzida num enunciado, atendendo a vários elementos linguísticos neste último presentes.
       É precisamente sobre isto que vem a questão seguinte:

     Q: Olá, Vítor. Posso dizer que na frase "Os alunos espirraram na aula" o aspeto é perfetivo porque o verbo se encontra no pretérito perfeito? Quando puderes, confirma-me, por favor.

      R: Olá. Lamento, mas não posso confirmar. Infirmo, mesmo.
      Creio haver um conjunto de pressupostos que precisa de ser reformulado: o da relação pretérito perfeito e valor perfetivo (pois o pretérito perfeito nem sempre configura o aspeto perfetivo nem o aspeto perfetivo se reduz ao uso do pretérito perfeito); o da associação direta entre tempo e aspeto verbal (uma vez que os valores aspetuais não apresentam linearidade ou implicação direta com valores temporais).
       A questão do aspeto, enquanto categoria gramatical que fornece informações acerca da estrutura temporal interna de uma dada situação, implica a consideração de uma combinatória de dados lexicais e gramaticais, os quais se revelam interatuantes na construção dos próprios enunciados.

 Sistematização proposta em Com Textos 11 - Edições ASA, 2011, pág. 185

      Para começar, interessa verificar que o verbo utilizado (espirrar), em termos lexicais e aspetuais, pertence a uma situação eventiva (dinâmica) distinta dos estados (não dinâmicos). Dentro dos eventos, 'espirrar' corresponde a um ponto (ou sucessão deles) que não admite uma situação resultativa final. Neste sentido, já não há razão para se falar de perfetividade.
       O facto de o verbo se encontrar no pretérito perfeito permite a localização da situação no tempo (passado face ao momento de fala) e a indicação de que esta terminou. Para apresentar valor aspetual perfetivo teria de esse mesmo enunciado dar lugar à perspetivação de um estado final consequente (verificável com o teste linguístico seguinte: 'Os alunos resolveram um teste' > o teste ficou / está resolvido; 'O atleta português ganhou a prova' > a prova ficou / está ganha). Ora, não é o que sucede com o exemplo proposto na questão ('Os alunos espirraram na aula' > *Os alunos ficaram / estão espirrados na aula). 
       O pretérito perfeito só tem valor aspetual perfetivo nas frases que admitem a construção de um resultado, ou seja, com verbos associados a culminações (duração muito breve, momentânea ou instantânea) ou a processos culminados (duração mais ou menos longa, com faseamentos intermédios) - a título de exemplo, para as primeiras, 'Os trabalhadores desmaiaram com o calor' (> Os trabalhadores ficaram / estão desmaiados com o calor); para os segundos, 'Pessoa construiu uma obra fantástica' (> a obra fantástica ficou / está construída). 
     A propósito de, por um lado, o pretérito perfeito não estar associado exclusivamente ao valor perfetivo e, por outro, não ser o único tempo a representar o valor perfetivo, considerem-se os seguintes enunciados (na combinatória das formas verbais e das expressões adverbiais utilizadas):

         * "Os alunos leram os textos todos durante duas horas
(pretérito perfeito com valor imperfetivo, dado que, durante duas horas, os livros não estiveram / ficaram lidos)

         * "Os alunos irão ler os textos todos na próxima semana
(futuro com valor perfetivo, dado que, na próxima semana, todos os livros irão estar lidos)

       Enquanto valores aspetuais básicos, o perfetivo e o imperfetivo são perspetivações internas de situações que estão independentes do valor temporal nela representados - o primeiro admitindo resultado consequente; o segundo, não.

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