O tópico é pessoano, partilhado com Caeiro, feito de ser e de querer
Num poeta que intelectualiza o sentimento ("Eu simplesmente sinto / com a imaginação" - in 'Isto' ou "O que em mim sente 'stá pensando" - in 'Ela canta pobre ceifeira"), o plano do pensamento e da reflexão assume-se como pesado (in "Há um ano que não 'screvo'), condição para uma vida mal vivida (in "Chove. Que fiz eu da vida?") ou fonte para o choro e desalento (in "Não sei, ama, onde era").
Pessoa ortónimo debate-se frequentemente com as dicotomias do sentir / pensar e da consciência / inconsciência, buscando um ponto de equilíbrio sem sucesso. Daí, em 'Ela canta, pobre ceifeira', desejar ser a ceifeira que canta inconscientemente (“Ter a tua alegre inconsciência”) e possuir simultaneamente “a consciência disso!”. Todavia, a constatação de que a ciência "Pesa tanto e a vida é tão breve!" mais não é do que a consciencialização desse "rigor / Que o raciocínio dá a tudo". Perante o estado de infelicidade (porque há pensamento, porque há racionalização em excesso), entende-se o poema 'Gato que brincas na rua', aquele no qual se reforça a ideia da felicidade típica de Caeiro: a do princípio da recusa do pensamento (“És feliz porque és assim”). Em contiguidade, a composição 'Leve, breve, suave' manifesta o desalento do ortónimo, a sua frustração quando o “eu” consciente intervém (“Escuto, e passou... / Parece que foi só porque escutei / Que parou.”). A frustração resulta de uma incapacidade de se atingir a plenitude, a essência, a inconsciência, o abstrato - tudo o que a consciência da existência impossibilita.
Assim se justifica a dor de pensar, a angústia existencial. Resta “um mar de sargaço” (in 'Tudo o que faço ou medito'); o múltiplo e o diverso que perdeu a sua unidade; a distância face ao ser que aspira ao infinito, no que este último tem de maior verdade e idealização.
Ver a existência como enleio, limitação, sombra de uma luz a que se aspira talvez seja trocar o real pela fantasia, o certo (a consciência) pelo incerto (inconsciência). Bem pior é viver o real na ilusão e na fantasia.
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