quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Falta de visão

   Quando se ouve o anúncio "Visão... tenha uma", chego, por vezes, a preferir a falta dela.

  Sou leitor assíduo da revista Visão e tenho a leitura desta como um tempo bem passado, nos momentos em que me procuro informar do que se passa à nossa volta.
   Lamentavelmente, a última edição é exceção a esta disposição geral.
   Já, por si, a capa é muito estranha: com informação tão errada quanto a escolha das pessoas a que dá voz e/ou cuja mensagem reproduz (espero que bem, ainda que com conteúdo mau).

Recortes de uma edição da revista Visão, sem qualquer visão do que seja o ensino da língua

   Na verdade, o complemento direto não é substituído por nenhum outro complemento. E quanto ao oblíquo, ele tem uma natureza sintática muito particular: não é direto, não é indireto e ocorre em situações em que o verbo principal seleciona grupo adverbial (ex.: Eles moram MUITO LONGE) ou grupo preposicional (ex.: Ele colocou o livro NA PRATELEIRA) que admita anaforização com um advérbio (ex.: Ele colocou o livro ALI) ou com a sequência 'preposição + isso' (ex.: Todos adequam o trabalho às condições que têm > adequam o trabalho A + ISSO).
     Além disto, o conteúdo da capa não revela o da entrevista que apresenta nas páginas 72 a75, também de conteúdo com muito que se lhe diga, à responsabilidade ora de quem o transmite o conteúdo ora mesmo de quem costuma dar voz àqueles que muitas vezes não sabem o que dizem - o mínimo para quem afirma, e por várias vezes o fez e sem sentido nenhum, "só o 10º ano não tem literatura" (Edviges Ferreira); "Em lado algum do programa de Português se fala de morte - foram retirados os poemas de Pessoa que a abordam" (Maria do Carmo Vieira) ou "No passado havia complementos circunstanciais de tempo, modo, lugar, etc., conforme se precisava. Mas agora desapareceram e só há o desgraçado de um 'complemento oblíquo'" (Teolinda Gersão).
     Ao contrário da conclusão da jornalista Teresa Campos, são exemplos em nada elucidativos de coisa nenhuma: há literatura no programa de 10º ano (quanto mais não fosse pela abordagem da lírica camoniana); a morte figura como tema em vários textos, de Camões a Pessoa, não tendo eu conhecimento de condicionamento na seleção de poemas ou de temas por via dos programas (para não dizer que Mensagem é obra para encontrar vários poemas, nos quais a 'morte' é ingrediente para uma consciência de simbologia e renovação cíclica, de dimensão cultural; "O menino de sua mãe" e "Ela canta, pobre ceifeira" figuram em muitos materiais escolares como textos paradigmáticos da ortonímia, com veios de morte bem distintos das outras 'mortes' ou perdas que subsistem nas dicotomias do sentir e do pensar); o complemento oblíquo não é tudo e não pode ser entendido como transposição direta nem linear dos complementos circunstanciais (ou não fossem alguns destes exemplos de modificadores internos ao grupo verbal).

     Em suma, páginas que li e que não me trouxeram o bem-estar pretendido no anúncio do fim de semana. Caso para dizer que houve muita falta de visão, para uma revista que se diz de crédito.

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