Assim vai a escrita oficial, tecnologicamente especializada, virtual (mas não virtualizada) e cada vez mais exposta. E surge isto no dia em que morreu um dos maiores da literatura portuguesa. É, no mínimo, irónico.
O exemplo não é perfeito, à semelhança do que já se foi encontrando noutras situações de âmbito educativo / formativo, nas quais o exemplo deveria mesmo vir de "cima".
Hoje de manhã, recebi um mail com um texto que me deixou deveras estupefacto, não só pelo conteúdo (algo duvidoso, pelo que requer de celeridade e pelo que enigmaticamente prenuncia como "todos os processos que se vão desenvolver já a partir do ínicio de 2013") mas também pela forma excessivamente incorreta de registo.
Creio poder dizer, com alguma felicidade, que alguns alunos meus do ensino básico já poderiam explicitar o que está mal, através do código de correção por mim utilizado.
Contudo, para os que não o saibam, cá vai a legenda (mesmo à moda dos exercícios que já se vão fazendo em aula, para a explicitação de conhecimentos da língua):
1 - ausência da marca de vocativo (vírgula);
2 - ausência de vírgula a abrir o encaixe de um modificador (neste primeiro caso, entre o sujeito e o predicado da frase; mais adiante, entre o verbo nuclear do predicado e o complemento direto sob a forma de subordinada não finita infinitiva);
3 - ausência de vírgula a fechar o encaixe de um modificador (subordinada adverbial final) entre o sujeito e o predicado;
4 - incorreta separação do verbo auxiliar (modal deôntico) face ao verbo principal, no interior do complexo verbal;
5 - incorreta utilização de maiúscula após a utilização do sinal de dois pontos (que deveria introduzir uma enumeração de elementos separados por vírgula);
6 e 7 - progressão deficiente da enumeração anunciada (bem) por dois pontos e que, na lógica do autor deste texto, pode ser feita com frases completas segmentadas e marcadas por pontos finais (enfim!), num comprometimento claro do que são segmentos textuais subordinados relativamente aos subordinantes;
8 - inconsciência quanto à identificação da sílaba tónica (no caso, ['ni], pelo que o acento agudo deve ser colocado no 'i' desta mesma sílaba);
9 - a incorreta utilização de uma só vírgula a separar o verbo que introduz o predicado do respetivo complemento direto, num desconhecimento sistemático de que os modificadores encaixados devem ter uma vírgula a abrir e outra a fechá-lo (no fundo, a reiterada deficiência assinalada em 2, com implicações da regra geral de que nunca se deve separar o sujeito do predicado por uma só vírgula; o mesmo não deve acontecer entre o verbo do predicado e os complementos por ele selecionados).
Para finalizar, em termos textuais, há uma declarada incoerência discursiva: para um texto que se anuncia no registo da terceira pessoa ("a DGAE"), esquece-se esse facto para passar a ter a primeira do plural (entre o institucional e majestático "Agradecemos", na vez do simples "Agradece-se") e terminar com a primeira do singular ("Refiro", em lugar de "Refira-se") - em análise discursiva, isto daria para problematizar bastante se estaremos ou não perante um caso de verdadeira "máscara" ou de desvelamento progressivo de quem se apagou, no início, e se quis ou acabou por se deixar revelar, no fim.
E é assim que todos vamos tendo acesso a material exemplificativo, para demonstrar e explicar o que não deve ser feito na escrita - material autêntico, a merecer revisão por parte das instituições oficiais que produzem e difundem "estas pérolas" textuais.
Olá, Vítor!
ResponderEliminarTens razão nas tuas críticas relativas ao (mau) uso da língua portuguesa. Será, ainda, de alertar para o facto de este ofício ser, com certeza, uma tentativa de "fishing", pelo que não devemos seguir qualquer das orientações nele fornecidas. Devemos, antes, denunciá-lo. Eu já o fiz.
Beijocas e parabéns pelo blogue!
Fernanda Afonseca
Olá, Fernanda.
EliminarObrigado.
As últimas novidades que recebi, quanto a este assunto, parece que apontam para o facto de ser mesmo assunto sério. Acho que todos os professores virão a receber este texto. Não se trata de "fishing", pois o endereço está mesmo associado ao Ministério da Educação (lamentável), pelo que terá sido algum dos seus brilhantes técnicos a produzir a "pérola", assinada (creio eu de cruz e sem leitura prévia) por um dos grandes representantes da nação.
Triste episódio!
Beijinho.
Bom domingo.
Olá, Vítor!
EliminarPois é, parece que temos uma ostra a gerar pérolas no nosso MEC. Somos mesmo um povo muito ligado ao mar! Já vi gente aflita a preencher o tal formulário online. Mesmo assim, recuso-me a fazer de ovelha. Se quiserem os meus dados, que contactem a minha escola. Aliás, já em maio do corrente ano o fizeram através de uma circular da DGAE, pelo que acho estranha esta mudança de atuação.
Beijinhos e bom fim de semana!
Fernanda
Olá, Fernanda.
EliminarConcordo em absoluto.
Aliás, o estranho de tudo é que o programa informático citado no próprio texto infeliz do "Administrador" (SIGRHE)é o utilizado pelos serviços administrativos das escolas, pelo que todos os dados já lá devem encontrar-se mais do que atualizados, a bem do pessoal administrativo que existe para tratar desse processo.
Tudo isto é muito estranho!
O certo é que, até ao momento, não acedi ao link indicado e não pretendo fazê-lo, até pelas razões já mais do que consabidas e denunciadas tanto pelos sindicatos como pelos meios de comunicação social:
http://publico.pt/sociedade/noticia/vinculo-laboral-dos-docentes-aparece-alterado-em-formulario-do-mecou-mec-alterou-vinculo-laboral-dos-docentes-1576439
Em tempos em que tudo parece valer, sublinho que só se deve dar importância ao que tiver sinal de seriedade. Um texto como o do mail e propósitos escusos devem merecer da nossa parte desconsideração, se não for digno do nosso maior repúdio (a bem da própria educação que representamos junto da sociedade).
Beijinho.
Bom fim de semana.