sábado, 20 de abril de 2013

Comparativas... a quanto obrigas!

      Diz-se que, nos termos da comparação, há sempre quem saia a perder. Nem sempre.

    Pelo menos, enquanto houver oportunidade de perguntar e partilhar, a comparação poderá ser sempre um campo em construção.

      Q: Caro colega,
         Será que me pode esclarecer sobre a função sintática da oração subordinada comparativa? Disseram-me que esta oração não tem atribuída qualquer função sintática, penso que por não haver consenso quanto à sua classificação:Mas não encontrei ainda nada escrito sobre o assunto.
         Pode ajudar?
         Muito obrigado pela atenção.

      R: Caríssimo colega,
    O estudo das orações subordinadas comparativas é das áreas mais complexas e controversas da linguística, como o poderá verificar pela leitura do capítulo 18 da Gramática da Língua Portuguesa (Caminho, 2003, pp. 731-766), da responsabilidade das Professoras Ana Maria Brito e Gabriela Matos. Entre construções canónicas e não canónicas; entre comportamentos muito distintos face a outras construções subordinadas adverbiais (que a gramática tradicional aproxima, mas a investigação tende a distanciar); entre as relações das comparativas com processos de elipse e conexões correlativas; entre o âmbito da comparação e a natureza dos termos comparados, muito há a considerar na análise deste tipo de construção, segundo perspetivas muito diferenciadas (tantas quantas haver estudiosos que preferem, uns, aproximar as comparativas do processo de coordenação; outros, da subordinação relativa).
     Considerando o que lhe disseram acerca de as subordinadas comparativas não terem qualquer função sintática, não posso definitivamente concordar. 
   Já em apontamento anterior, tive a oportunidade de me referir a uma função sintática (interna) desempenhada por esta construção, atendendo ao aspeto de graduação a que comummente anda ligada. Vai esse meu entendimento na linha do que as já citadas investigadoras entendem como expansão de complementadores, de acordo com o núcleo que surge expandido (nome, adjetivo, advérbio). Ignacio Bosque designa mesmo como "complemento comparativo" aquele que introduz o segundo termo da comparação.
     Há, assim, funções sintáticas a considerar com estas subordinadas.
    Numa frase como “Ficou em silêncio como se antecipasse uma reação indesejável”, a locução ‘como se’ introduz o que funciona como modificador do predicado da subordinante.
   No caso de “És tão inteligente quanto / como um sábio <é>”, a seguir ao verbo copulativo surge um predicativo do sujeito (‘inteligente’), configurado por um núcleo adjetival, internamente modificado pelo advérbio (intensificador) ‘tão’ e o correlato devido (‘quanto / como’). Registe-se que há no exemplo dado uma elipse (omissão do verbo da subordinada), um processo sintático típico nas construções comparativas.
    Em “Ele trabalha mais do que descansa”, volta a encontrar-se um modificador, desta feita para todo o enunciado, numa atitude avaliativa por parte do enunciador. A modificação opera-se com o advérbio ‘mais’, internamente complementado pelo correlato ‘do que’.
    Entretanto, “Comprei um livro mais falado do que <é> lido no seio dos jovens” configura uma estrutura comparativa (sublinhada) - equiparada a uma construção relativa adjetiva restritiva - que modifica internamente o grupo nominal ‘um livro’, sendo aquela iniciada pelo advérbio ‘mais’ (complementado pelo respetivo correlato).
    “Ele é (tal / assim) como um estrangeiro <é>” tem todo um sublinhado (oração subordinada comparativa) a funcionar como predicativo do sujeito.
    Em síntese, e na linha do que propõe Ana Maria Brito e Gabriela Matos, as comparativas configuram as seguintes condições:
a) termos comparados em realizações aproximadas de estruturas de coordenação asseguram funções sintáticas afins (“Ele consultou mais jornais do que revistas” tem no sublinhado um complemento direto central, constituído por dois núcleos – “jornais” e “revistas” –, internamente apresentando um advérbio com a função de modificador, acompanhado da sua expressão correlata –“ mais… do que…”);
b) termo(s) comparado(s) nas realizações aproximadas de estruturas de subordinação relativa corresponde(m) à(s) função(ões) que essa subordinada desempenharia (“O estudo, mais prático do que <é> teórico, é bastante representativo” apresenta uma subordinada comparativa a funcionar como modificador equiparável a uma relativa não restritiva, enquanto constituinte interno ao sujeito sintático da frase-matriz).

     Creio que, pelos exemplos facultados, haverá já provas suficientes de que não há sentido na afirmação que foi apresentada e citada na questão; há caminho a fazer, mesmo nas situações em que nos são dadas respostas às dúvidas que nos assaltam. Esta será, por certo, a minha maior ajuda (dentro do que me é possível ajudar): fazer caminho.

5 comentários:

  1. Ora muito dia!
    O sol promete!
    Espero que o colega que colocou a dúvida o tenha feito a título de enriquecimento pessoal! Nem quero pensar que tal tivesse surgido em contexto de sala de aula! Nunca me meti nestes caminhos tão sombrios a que as comparativas se abrigam.
    Pergunto-me serei eu tão má professora ou os meus alunos tão pouco inteligentes que não consigam descortinar aqui alguma luz!

    Não me parece, Vítor, (e a tua resposta vem ao encontro do que vou afirmar – acho eu!) que esta seja matéria do secundário! Estarei enganada? Não será esta uma analise a implementar num ensino superior?

    Ainda, ontem, nos deparámos com uma ficha informativa sobre formação de palavras, que tinha lá tudo sobre o assunto e foi “dada”, assim tal e qual, num oitavo ano!
    Confesso que associei logo as duas circunstâncias. Às vezes complicamos tudo, porque não dominamos o assunto e fornecemos informação a mais, deixando os “nossos meninos” mergulhados numa enorme confusão, que acaba por gerar um repulsa à gramática, que eles caracterizam como sendo "Uma grande seca!"
    Pudera! Como podemos gostar do que não percebemos? Aliás, os próprios linguistas estão divididos...

    E eu também tenho tantas dúvidas! Ainda bem que há uma carruagem que as leva...

    Desculpem, Vítor e caríssimo colega, este meu desabafo!

    Um bom feriado com sol em liberdade!
    Bejinho
    IA

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    1. Ora muito dia, muito sol, muita luz, muito cravo...
      (Prometesse a revolução como o sol, a esperança seria bem maior nesta cor de liberdade ainda hoje aspirada)

      No andamento desta carruagem, conforme o ritmo do maquinista e as solicitações / vontades colhidas (qual Blimunda!), há de tudo, inclusive as motivações pessoais de querer saber mais (pressuposto necessário a todos os que queiram ensinar).
      Concordo que esta não seja prioridade letiva, no caso do ensino da gramática (como, aliás, a maior parte das situações de funções sintáticas internas o reflete); contudo, se algum aluno, por alguma razão ou por alguma motivação, fizer a pergunta, que não receba a resposta que alguém deu (mal!) e motivou a questão.
      Pelos vistos, há quem dê respostas feitas das certezas que nenhum estudo aponta.
      Felizmente, há quem mantenha as perguntas e procure ir mais longe (ou, como alguém diria, "ir mais além").

      Bom feriado e boa inspiração para as lutas que nos esperam.
      Beijinho.

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    2. Ah! Só mais uma coisa:a ficha que nós vimos ontem (que nem sequer ficha era!) parecia mais um tratado (ilustrado e animado) de formação de palavras. É um verdadeiro caso no qual, primeiro de tudo, quis a professora aprender e, depois, facultou aos alunos, sem ter tido sequer a preocupação de dosear ou mesmo de consultar os referenciais programáticos da disciplina. Enfim!
      Não é com um exemplo destes que avalio a minha qualidade de professor. Não o faças também!
      Quando muito, poderei ver apenas a preocupação de querer saber (o que não é mau!). O tempo virá afinar aquilo que interessará transmitir (no momento certo, claro).
      A vida ensinará estes casos, já que a preocupação da formação, por quem a deveria promover, está nas ruas da amargura.

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  2. Caro colega,

    o meu profundo agradecimento pela douta e completíssima explicação. Fiquei totalmente esclarecido.

    Bem haja!

    Bom feriado

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    1. Muito obrigado, colega.

      Retribuídos votos de bom feriado e de continuação de bom trabalho, após o presente e merecido momento de descanso e de (re)lembrança dos valores da liberdade.

      Abraço.

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