Não, não fui viajar. Só uma ida ao teatro (que permite, por certo, outro tipo de viagens).
Desta feita, a peça foi baseada num texto do britânico Harold Pinter, Nobel da Literatura em 2005 apresentado pela academia como dramaturgo cujas peças tanto resvalam no choque de conversas absurdas do quotidiano como invadem a opressão da interioridade ou dos espaços fechados.
De meados da década de sessenta do século passado, The Homecoming (1964, publicado no ano seguinte) é o título original para uma representação baseada na tradução de Pedro Marques - 'O regresso a casa' - e na encenação de Jorge Silva Melo.
Nela há o poder do número (cinco homens em palco para uma mulher); há o poder da palavra (ora rude no tratamento, ora rude e feroz no registo, ora insinuante e insidiosa no que sugere); há o poder da interação e do diálogo (por vezes evasivo, por vezes irritante, insistente, tenso e que desarma quem a eles assiste, pela questionação e pela [des]associação de sentidos; pelos implícitos, subentendidos e malentendidos que fluem nos discursos); há o poder de uma mulher só (que vai dominando o espaço por que se movimenta; as personagens que a vão revendo diferentemente, que a procuram controlar, até se verem sorridente e desafiadoramente manipuladas, observadas).
Harold Pinter, em 1958, escrevia que não há distinções fortes entre o que é real e o que não o é, nem sequer entre o que é verdadeiro e o que é falso; as coisas não são necessariamente ou verdadeiras ou falsas: podem ser tanto verdadeiras como falsas. Há poderes feitos do vazio; há forças de controlo que se impõem com silêncio, com olhares, com interesses e conquistas nada efusivos.
No fim, mais do que o núcleo familiar (marcado por um sentido de exploração, deformações e desvirtuamentos trazidos para o presente) é o interesse individual que se destaca: o de uma mulher que escapa a um casamento vazio (encarado como deserto); que pretere um marido e um académico algo estéril e inconsequente; que prefere viver no seio de uma arena de interesses, qual aranha tecendo demoradamente a teia, envolvendo as futuras vítimas, até se posicionar centralmente no espaço que assume como seu.
A cena final - a da mulher sentada na cadeira do patriarca - é o sinal do precipício, do abismo em que o masculino se coloca: dominado, quando se julgava dominador; no fim, quando ainda se julgava com a possibilidade de tudo (re)iniciar. É também a confirmação do poder feminino enquanto símbolo de um estatuto social e sexual em detrimento de uma parceira sexual afetiva (imagem praticamente apagada em toda a peça).
Reflexão sobre o poder, as questões de género e a natureza incontrolável de algumas forças que marcam e condicionam o ser humano, O regresso a casa é a ação e o jogo do gato e do rato, o confronto entre desejo sexual e domínio territorial; ou, ainda, o regresso a um espaço de memórias, da memória feita de experiências mal resolvidas que, moldando o ser humano, o podem fazer aspirar a uma condição completamente diferente daquela a que o quiseram votar.
De meados da década de sessenta do século passado, The Homecoming (1964, publicado no ano seguinte) é o título original para uma representação baseada na tradução de Pedro Marques - 'O regresso a casa' - e na encenação de Jorge Silva Melo.
Nela há o poder do número (cinco homens em palco para uma mulher); há o poder da palavra (ora rude no tratamento, ora rude e feroz no registo, ora insinuante e insidiosa no que sugere); há o poder da interação e do diálogo (por vezes evasivo, por vezes irritante, insistente, tenso e que desarma quem a eles assiste, pela questionação e pela [des]associação de sentidos; pelos implícitos, subentendidos e malentendidos que fluem nos discursos); há o poder de uma mulher só (que vai dominando o espaço por que se movimenta; as personagens que a vão revendo diferentemente, que a procuram controlar, até se verem sorridente e desafiadoramente manipuladas, observadas).
Harold Pinter, em 1958, escrevia que não há distinções fortes entre o que é real e o que não o é, nem sequer entre o que é verdadeiro e o que é falso; as coisas não são necessariamente ou verdadeiras ou falsas: podem ser tanto verdadeiras como falsas. Há poderes feitos do vazio; há forças de controlo que se impõem com silêncio, com olhares, com interesses e conquistas nada efusivos.
Fotografia de Jorge Gonçalves: representação de 'O regresso a casa' (com João Perry [Max] e Maria João Pinho [Ruth])
No fim, mais do que o núcleo familiar (marcado por um sentido de exploração, deformações e desvirtuamentos trazidos para o presente) é o interesse individual que se destaca: o de uma mulher que escapa a um casamento vazio (encarado como deserto); que pretere um marido e um académico algo estéril e inconsequente; que prefere viver no seio de uma arena de interesses, qual aranha tecendo demoradamente a teia, envolvendo as futuras vítimas, até se posicionar centralmente no espaço que assume como seu.
A cena final - a da mulher sentada na cadeira do patriarca - é o sinal do precipício, do abismo em que o masculino se coloca: dominado, quando se julgava dominador; no fim, quando ainda se julgava com a possibilidade de tudo (re)iniciar. É também a confirmação do poder feminino enquanto símbolo de um estatuto social e sexual em detrimento de uma parceira sexual afetiva (imagem praticamente apagada em toda a peça).
Reflexão sobre o poder, as questões de género e a natureza incontrolável de algumas forças que marcam e condicionam o ser humano, O regresso a casa é a ação e o jogo do gato e do rato, o confronto entre desejo sexual e domínio territorial; ou, ainda, o regresso a um espaço de memórias, da memória feita de experiências mal resolvidas que, moldando o ser humano, o podem fazer aspirar a uma condição completamente diferente daquela a que o quiseram votar.
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