sábado, 3 de janeiro de 2015

Um filme com pouca história

     Por mais que ela não seja pequena nem pouco conhecida.

    Talvez por isso não se espere muito de novo, familiarizados que estamos à história do segundo livro do Velho Testamento (Bíblia): o "Êxodo". Aí se narra como os judeus abandonaram a escravidão, a que estavam votados pelos egípcios, e, liderados por Moisés, partiram rumo à Terra Prometida (Canãa).
   Nem sempre a fidelidade ao texto bíblico acontece (o episódio do cajado não acontece, por exemplo, ora no rio ora no mar), mas também não tinha de ser assim; e se Ramsés não foi propriamente o faraó-irmão, diga-se que estas "infidelidades" histórico-bíblicas não comprometem uma versão que tinha condições para brilhar. O certo é que não se trata do melhor produto em termos cinéfilos, não obstante o nome de o realizador Ridley Scott até o prometer (lembrando a grande produção de 'O Gladiador', há cerca de catorze anos) ou de as imagens do trailer também o sugerirem:


    Depois, na sala de cinema, assiste-se à intriga; o tempo passa, mas a sensação não é de arrebatamento, de grande feito épico ou de emoção intensa no confronto herói-vilão. Vê-se, mas não há vontade de repetir o visionamento. Custa-me a acreditar que o faça quando vier para o pequeno ecrã da televisão (curiosamente, já repeti o desenho animado "Príncipe do Egito" e não me cansa ouvir a música que o abrilhanta).
      A lógica das ações das personagens e os efeitos criados para os ambientes representados fazem algum sentido; a construção da imagem e das motivações que Moisés (Christian Baile) vai revelando como chefe de um exército, como homem que busca a sua identidade e o reconhecimento do que o seu povo vê nele, como líder de um grupo de resistentes revela-se pertinente. Tudo se compõe de uma forma que, de tão natural e plausivelmente real aos olhos ou ao entendimento contemporâneos, se perde a dimensão mítica, bíblica da história. Reveem-se teorias sociais, económicas e científicas que não são estranhas ao século XXI; aproximam-se os episódios bíblicos de uma naturalidade mais justificada pelas razões do Homem do que pela intervenção divina, não poupando sacerdotisas nem os desígnios castigadores de um Deus. A própria figura deste último - associada a uma criança prepotente, birrenta, perversa até - acaba por ajudar a humanizar Moisés, tornando-o menos escolhido ou "eleito"; menos crente e, ainda assim, mais líder de uma revolução que nem sempre é capaz de controlar.
      No confronto com o faraó (Joel Edgerton), Moisés mantém, apesar das diferenças, uma rivalidade mitigada que só as águas do Mar Vermelho irão definitivamente separar, fazendo apagar o par de espadas que os uniu e a fraternidade construída e assumida numa vivência conjunta com o poder palaciano - o mesmo que os viu "meninos que cresceram juntos".
       O tempo mais a posição de um (o deus faraó) e de outro (um rei, um líder de um povo que rumou à Terra Prometida) acabariam por mostrar a dificuldade em contrariar a disjunção e o inconciliável existentes desde o início.

      Pouca história, portanto, pelo que esta versão oferece. Esperava mais, para fazer esquecer o velhinho Cecil B. DeMille e "Os Dez Mandamentos" que, em 1956, resultaram numa imagem de marca e num clássico do cinema (tanto na intriga como na banda sonora).

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