O reencontro aconteceu graças à iniciativa do grupo disciplinar de Português, que preparou, junto com a Coordenadora da Biblioteca do Agrupamento e o Departamento de Línguas, uma sessão para o programa que constituiu a celebração da Semana da Língua Portuguesa (onde se inclui o dia 5 de maio, o Dia Mundial da Língua Portuguesa).
Reencontros num "Passei por aqui" que honra o AEML (com Pedro Lamares)
Um ex-aluno da Escola Secundária Dr. Manuel Laranjeira deu-se a conhecer aos que hoje frequentam o agrupamento, numa interação que se pautou pela abordagem de vários tópicos: a formação, as opções académicas e profissionais, o posicionamento político, o gosto pela poesia, a apresentação de programas televisivos, entre outros.
Nascido em Portimão, Pedro Lamares cedo mudou para a Granja, tendo estudado em Espinho. Cruzou-se com as artes plásticas, a escola de jazz do Porto (1996/97), o curso de preparação para licenciatura em música sacra, até que chegou ao teatro (com formações em vários pontos do mundo). Conta, no seu currículo, a participação no Filme do Desassossego, de João Botelho (2010), onde assumiu o papel de Fernando Pessoa. Em 2015, é convidado para apresentar o programa televisivo Literatura Agora (RTP2), onde "diz" (e não declama) poesia.
Interação de Pedro Lamares com o público que assistiu ao (re)encontro
Foram praticamente duas horas e meia de uma conversa próxima, à qual assistiram alunos e professores, brindados com a simpatia de quem partilhou o gosto pela leitura (nesse encontro feliz do leitor com os textos, pela janela do sentido e não pelos formalismos de análise tecnicista), a natureza expressiva do discurso teatral e das experiências de leitura poética (mais ou menos marcadas por escolas e por diferentes modos de oralizar os textos), o elogio da aposta na formação com base nos cursos das literaturas e humanidades. No princípio de tudo, uma visão e uma posição face ao mundo, apostadas no exercício de uma cidadania comprometida com os valores que dignificam a pessoa. Em suma, uma lição para miúdos e graúdos, na qual a experiência de vida se cruza com o sentido artístico e político das causas comuns.
Não terminou o encontro sem que fosse dada a conhecer uma poetisa a descobrir: Filipa Leal (jornalista, escritora, poetisa portuense). Leu o poema "Manual de Despedida para Mulheres Sensíveis", um exemplo literário para os rituais da temática da partida, seus motivos (imigração) e efeitos (autocontrolo), junto das que muito a sentem.
Espaço de cidade, espaço de mundo para o ser humano do século XXI
(poema de Filipa Leal dito por Pedro Lamares)
Realidade tão atual em texto tão contemporâneo: "É tanto o que se pede a um ser humano no século XXI!"
Manual de despedida para mulheres sensíveis
Ser digna na partida, na despedida, dizer adeus com jeito,
não chorar para não enfraquecer o emigrante,
mesmo que o emigrante seja o nosso irmão mais novo,
dobrar-lhe as camisas, limpar-lhe as sapatilhas
com um pano húmido, ajudá-lo a pesar a mala
que não pode levar mais de vinte quilos
(quanto pesará o coração dele? e o meu?),
três pares de sapatos, um jogo de lençóis, o corta-vento,
oferecer-lhe a medalha que a Mãe usava sempre que partia
e que talvez não tenha usado quando partiu para sempre,
ter passado o dia à procura da medalha pela casa toda
(ninguém sai mais daqui sem a medalha, ninguém sai mais daqui),
pensar que a data escolhida para partir é a da morte da Mãe,
pensar que a Mãe não está comigo para lhe dobrar as camisas
e mesmo assim não chorar, nunca chorar,
mesmo que o Pai esteja a chorar, mesmo que estejam todos a chorar,
tomar umas merdas, se for preciso: uns calmantes, uns relaxantes,
uns antioxidantes para não chorar; andar a pé para não chorar,
apanhar sol para não chorar, jantar fora para não chorar, conhecer gente,
mas gente animada, pintar o cabelo e esconder as brancas,
que os grisalhos são mais chorões, dizer graças para não pôr também
os amigos a chorar, os amigos gostam é de nós a rir, ver séries cómicas
até cair, acordar mais cedo para lhe fazer torradas antes da viagem,
com manteiga, com doce de mirtilo, com tudo o que houver no frigorífico,
e não pensar que nunca mais seremos pequenos outra vez,
cheios de Mãe e de Pai no quarto ao lado,
cheios de emprego no quarto ao lado quando ainda existia Portugal.
É tanto o que se pede a um ser humano do século vinte e um.
Que morra de medo e de saudade no aeroporto Francisco Sá Carneiro.
Mas que não chore.
in Vem à Quinta-feira (2016: 48)
E, no fim de tudo, despediu-se com o sorriso e a empatia que o caracterizam. Sem chorar.
Mais uma figura de relevo nacional passou pelo agrupamento (ontem e hoje) e deixou o seu testemunho a quem o acompanhou.
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O Pedro Lamares é um excelente comunicador. É sempre um gosto tê-lo na nossa escola. Adorei ouvi-lo e constatar que os alunos que assistiram estavam muito atentos e colocaram questões muito pertinentes!
ResponderEliminarMais do que confirmado. E um ótimo pensador. Como diria Caeiro, um autêntico "guardador de rebanhos" ("Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias, / Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho"). Afinal, os rebanhos são os pensamentos, que importa partilhar na singeleza do cuidado e no sentido da formação de todos.
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