Q: Caro colega,
Como aprecio muito o manual 'Das Palavras aos Actos', estive hoje na excelente acção de formação dinamizada pelo Vítor no Porto. Relativamente a uma explicação que deu, agradecia imenso se me pudesse dar uma informação. Sempre considerei, tal como referiu o Vítor, que no Imperativo apenas existe a 2.ª pessoa e a forma afirmativa; e que, em todos os outros casos, se usa o presente do conjuntivo com valor imperativo. No entanto, como todas as gramáticas escolares recentes que tenho consultado ultimamente consideram a conjugação do imperativo em todas as pessoas e na forma negativa (coincidindo com o presente do conjuntivo), tenho explicado aos alunos que me parece ser essa a posição dominante da gramática actual, na linha do que é considerado na gramática de Celso Cunha e Lindley Cintra (mas que eu julgava estar mais de acordo com a nomenclatura brasileira). Ora, quando hoje ouvi o Vítor afirmar de forma tão categórica que o Imperativo apenas conta com a 2.ª pessoa e a forma afirmativa, percebi que continua então a ser essa a posição "oficial" em Portugal. Sendo assim, será possível o Vítor indicar-me que gramática(s) (ou outros estudos) validam inequivocamente esta posição relativamente ao Imperativo, para assim todos os colegas da escola passarem a adoptá-la (visto que não é isso que acontece actualmente).
Muito obrigado e mais uma vez muitos parabéns pelo seu trabalho.
R: Caríssimo colega,
Antes de mais, o meu agradecimento pelas suas palavras simpáticas bem como pela sua presença num encontro que, dadas as condições climatéricas, me surpreendeu pela adesão de tantos profissionais motivados e interessados. Desde já, o meu bem haja.
Quanto ao esclarecimento que me solicita, creio que um primeiro dado a estabelecer é de carácter morfológico. Ambos os modos verbais apresentam paradigmas flexionais distintos. Outro dado tem a ver com a diferenciação entre a designação de tipos de frase (frases de tipo imperativo) e a dos modos verbais: se, para o primeiro caso, podem concorrer vários modos e formas verbais (imperativo, conjuntivo, indicativo; infinitivo), para o segundo, a questão morfológica é decididamente distintiva (veja-se Inês Duarte e a obra Língua Portuguesa – Instrumentos de Análise, pág. 80; a Gramática da Língua Portuguesa, coordenada pela Professora Maria Helena Mira Mateus, pág. 934-936).
A por si referida gramática de Celso Cunha e Lindley Cintra não deixa de ser sintomática: na distinção entre imperativo afirmativo e imperativo negativo (e aqui entendo que a noção de “imperativo” esteja mais próxima da questão do tipo de frase do que da do modo verbal), é clara a afirmação de que “o imperativo afirmativo possui formas próprias somente para as segundas pessoas do singular e do plural (sujeitos ‘tu’ e ‘vós’). As demais pessoas são expressas pelas formas correspondentes do presente do conjuntivo.” E, quanto ao imperativo negativo, “não tem nenhuma forma própria. É integralmente suprido pelo presente do conjuntivo” (pág. 474, da Nova Gramática do Português Contemporâneo). Na página 465 da obra citada, é ainda assumido, na alínea e), que o conjuntivo independente (por contraste com o conjuntivo de carácter subordinativo, na linha etimológica da própria designação do modo) se emprega em contextos de ordem / proibição (na terceira pessoa), embora eu acrescente que se possa alargar ainda mais o efeito perlocutório de mais enunciados (pedido, conselho, entre outros).
Na mesma linha de pensamento, sugiro a leitura da Gramática da Língua Portuguesa, de Mário Vilela (Almedina), da qual cito a página 175: “O imperativo, como vimos, apresenta um quadro de formas com lacunas, em que o conjuntivo completa normalmente as formas que faltam ao imperativo.”
Uma última sugestão: leitura do artigo “Subjonctif et impératif – une contribution à l’étude de la configuration linguistique du SOUHAIT, de l’ORDRE, du REGRET et du REPROCHE”, de Fernanda Irene Fonseca, ao qual poderá aceder na publicação intitulada Gramática e Pragmática – Estudos de Linguística Geral e de Linguística Aplicada ao Ensino do Português (Porto Editora).
Espero ter sido esclarecedor e orientador nas referências a consultar.
Sempre ao dispor.
Cumprimentos.
Que este seja um sinal da rede, da parceria, das colaborações sugeridas e necessárias para os trabalhos e desafios que a todo o tempo nos surgem... e que, neste momento, são de monta.