Entre o dramático e o trágico, fico-me pelo primeiro (atendendo mais à forma do que à essência)
Vem esta opção pela questão que me foi lançada.
Fotograma de Quem és tu? (2001), de João Botelho
Q: Colega, estou a lecionar 'Frei Luís de Sousa' (Garrett) e no início do ato II deparei com uma fala de Telmo a referir-se a Manuel de Sousa Coutinho nos seguintes termos: "A minha vida, que ele queira, é sua." Como classificaria este 'que'? Obrigado.
R: Caro colega, temo não lhe poder dar uma resposta fechada, única à questão. Trata-se de um caso muito curioso de utilização de 'que', por certo, atendendo a diferentes focos ou níveis de análise.
Numa primeira abordagem e segundo a perspetiva das Classes de Palavras, nada me impediria de considerar que há aqui um caso de pronome relativo, pela funcionalidade de retoma (anafórica) de 'a minha vida' (A minha vida, [ele queira a minha vida], é sua) na subordinada encaixada entre vírgulas.
Não deixam ainda assim de concorrer, para essa construção parentética ou de comentário, valores discursivo-pragmáticos capazes de fazer ver lógicas condicionais ou mesmo temporais numa construção articulada / conectada por esse mesmo 'que'. Bastará para tanto pensar na permutabilidade deste termo por "caso" (A minha vida, caso ele queira, é sua) ou pela expressão "assim que / mal" (A minha vida, assim que / mal ele queira, é sua).
Nesta linha de raciocínio, diria que, tanto pelo género textual como pela complexidade do mecanismo em análise, há sinais de um drama que não resultará em tragédia por - como diria Manuel de Sousa Coutinho - saber que o meu erro (se erro for) não foi crime. O pronome relativo tem a funcionalidade de conectivo que, à semelhança de outros articuladores, ganha matizes distintos segundo o discurso e a contextualização da sua realização; os outros conectores apontados têm a virtualidade de ser ativados no âmbito do plano significativo do texto / discurso considerado, numa lógica ajustada à intencionalidade de quem fala.
Há conflitos, dilemas, ambivalências que não deixam ao homem senão a condição de ser linguisticamente romântico. Interessará sempre é que o Homem se coloque ao serviço do raciocínio e da explicitação deste nas classificações que faz.
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