sábado, 24 de maio de 2014

Um "se" verbal e intrinsecamente integrado

   Já houve tempo para se discutir muito acerca do 'se'. Voltamos ao assunto, na qualidade de pronome, ainda assim com muita variedade de classificação.

    Tudo porque há quem queira umas dicas para distinguir termo tão camaleónico! Assim seja.

   Q: Vítor, tenho alguma dificuldade em ver quando o pronome 'se' faz parte do verbo (o 'se' inerente). Há assim alguma pista que permita identificá-lo de forma fácil? Obrigado.

   R: Caríssima colega, creio que está a falar concretamente daqueles verbos ditos pronominais, que aparecem quase sempre com a forma de pronome pessoal em concordância em pessoa e número com o sujeito, ainda que este último não desempenhe nenhuma função sintática. Destaco este último dado, porque nos verbos que apresentam '-se' inerente também estão incluídos outros que veem a sua estrutura de base transitiva reduzida (por exemplo, abrir-se, afundar-se, assustar-se). Não se tratando destes últimos, que obedecem a uma reconfiguração na construção sintática da frase (de realização transitiva para intransitiva: "O barulho assustou a criança" [realização transitiva] > "A criança assustou-se [realização intransitiva]"), passo a centrar-me nos casos dos verbos também chamados de intrinsecamente pronominais.
      Entre os que requerem sempre o pronome (ex.: apiedar-se, atrever-se, condoer-se, queixar-se, suicidar-se) e os que o dispensam (ex.: rir[-se], debater[-se]), há toda uma gama de verbos que admite construções intransitivas ou transitivas indiretas (com complemento oblíquo), não as transitivas diretas (assinaladas com *, demonstrando agramaticalidade):

i) A Teresa apaixonou-se (pelo Rodrigo).
ia) *A Teresa apaixonou / *A Teresa apaixonou o Rodrigo. / *A Teresa apaixonou a sua pessoa pelo Rodrigo. 

ii) O jurado absteve-se (de votar num dos concorrentes).
iia) *O jurado absteve / *O jurado absteve a votação / *O jurado absteve a sua pessoa de votar.

iii) O público riu(-se) (com a piada do artista).
iiia) *O público riu a piada / *O público riu a gargalhada.   

iv) Pedro da Maia suicidou-se.
iva) *Pedro da Maia suicidou / *Pedro da Maia suicidou a sua pessoa / *Pedro da Maia suicidou o marido traído. 

     De registar, por fim, que o 'se' (e as variantes pessoais do 'me' / 'te' / 'nos' / 'vos') integrante dos verbos em foco (intrinsecamente pronominais) não admite funcionalidade anafórica nem as paráfrases associadas aos pronomes pessoais reflexos ("a própria pessoa") ou aos pessoais recíprocos ("um ao outro").

      As facilidades podem não ser muitas, mas ficam aqui alguns testes de verificação a aplicar para a distinção pedida.

2 comentários:

  1. Bom dia!
    Só em jeito de breve apontamento. Tenho um truque quando quero testar se o "se" é inerente ou não. Até agora tem funcionado. Substituí-lo por "o". Se a realização for possível, não é inerente e desempenha a função de c. direto; caso contrário, é inerente.
    Por exemplo, em "Ele lava-se" , "se" pode ser substituído por "o", logo o pronome não é inerente. Mas em "Ele queixa-se", já não posso dizer "Ele queixa-o". Logo, "se" é inerente...
    É só um truque que espero continue válido, porque até ver ainda não falhou! ;-)
    Mas o mestre é que poderá melhor ajuizar da sua validade... ;-)

    beijinho
    IA

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    1. Caríssima Isaura,
      "Touché"! Daí só me referir a construções intransitivas ou transitivas indiretas. As transitivas diretas (e a consequente pronominalização dos complementos diretos) não entram neste "saco".
      Obrigado pela dica.
      Beijinho.

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