sexta-feira, 27 de maio de 2016

Lembrança(s)...

     Seja um exercício mental seja um ato ou gesto de dádiva.

     É, por certo, um registo de memória, por dois anos que foram de trabalho, de cumplicidades e de momentos também de convívio que o tempo não apagará. Dizem alguns que foi período de transformação: dos medos provocados nos primeiros dias às experiências comuns dentro e fora da escola; às leituras que foram sendo desveladas; às partilhas de saber, que foram libertando o sentir; às alegrias e ousadias que fizeram dos tampos das secretárias o palco (de evocação cinéfila) para o reconhecimento, para o agradecimento mútuo pelo bem que soubemos fazer (par)a todos.
      É, ainda, depois de um ano afastados, a prova de que algures, no imaginário conjunto, há lugar para as proximidades que a afetividade faz perdurar. O que foi ensinado ficou seguramente matizado pela compreensão e pelo colorido dos sorrisos, muitas vezes surgidos no meio do cansaço, do sono e da vontade de buscar o sol (que as palavras, as frases, os longos parágrafos e as páginas dos livros nem sempre deixavam brilhar). O que se aprendeu, o tempo dirá para que servirá.
   É o sinal repetido da generosidade que sempre existiu, porque também alguém a soube alimentar, para que se tornasse marcante nas pessoas que estes jovens têm sido.
    É a oferta desinteressada de um grupo de alunos que, entusiasticamente, recebeu um professor e o fez sentir brilhante, numa noite e num espaço que o fizeram sentir-se em casa (como se nunca a tivesse deixado).

      Ao 12º 8, meu no 10º e no 11º anos. Mais uma turma especial para o meu currículo dos afetos. Muito obrigado pela companhia, pelos abraços e pela(s) lembrança(s) - também coloridos com o azul das "letras", tão próprio às humanidades, às línguas e literaturas.
     

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Uma questão de intenções...

    Depois de um feriado à quinta, a sexta-feira é uma tentação... de más intenções.

    Talvez, por isso, seja bom contrariar as vontades e ficar no plano das boas intenções.

    Q: Olá, Vítor! Mais uma dúvida: como se classifica, quanto ao processo de formação, a palavra 'bem-intencionado'? Obrigada.

   R: A partir da palavra "intencionado" forma-se bem / mal-intencionado, pelo acrescento de um advérbio. A uma palavra (intencionado) junta-se outra (bem). Trata-se, portanto, de um exemplo de composição, quanto ao processo de formação de palavras.

(Clicar na imagem para ampliar)

  Considerando o subprocesso de formação, "bem-intencionado" é um composto morfossintático. conforme se evidencia pela sequencialização compatível com a propriedade de combinação, ordenação e flexão dos constituintes sintáticos (verificável numa sequência frásica do tipo 'Eles mostram-se bem intencionados quanto aos projetos do grupo' / 'Elas estáão bem intencionadas relativamente ao novo emprego').

      Bem ou mal, a verdade é que tinha tenção de fazer uma "ponte"; mas "outro valor mais alto" se levantou.

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Valor (não restritivo) dos adjetivos

      A questão, hoje, tem contornos diversificados, atendendo à ordenação das palavras em causa.

      Tudo começa com a pergunta formulada, com tanto de certo como de errado (a fazer lembrar um apontamento anterior).

   Q: Olá, Vítor. Diz-me só uma coisa: o valor não restritivo do adjetivo é como nas subordinadas adjetivas não restritivas, com vírgulas, certo?

      R: Em parte sim, em parte não.
       A associação faz sentido no caso dos adjetivos posicionados à direita do nome - a posição típica no português (contrariamente, por exemplo, ao inglês, que vê o adjetivo à esquerda do nome). Quando colocados entre vírgulas, apresentam valor não restritivo (como nos sublinhados de 1a-c), apontando para uma propriedade que não contribui para a construção específica ou particular de uma dada referência nominal:

          1. a) O lixo, inesgotável, deve ter um tratamento seletivo.
              b) O Homem, racional, por vezes age animalescamente.
              c) Não gosto desse livro, aborrecidíssimo.

         Além destes casos, devem ser entendidos como adjetivos de valor não restritivo aqueles que, não estando separados por vírgula, se posicionam à esquerda do nome (antecipação do adjetivo). Trata-se de uma posição marcada no português (contrariamente à habitual ou tipicamente usada na sintaxe do português - a da posposição face ao nome), para dar conta de sentidos mais conotados, mais modalizados ou de matiz mais qualitativo / subjetivo.
           Compare-se o valor restritivo de 2a e 3a com o uso não restritivo de 2b e 3b:

           2a) A biblioteca antiga está a precisar de obras. 
                                                 ('antiga' no sentido de velha, antiquada - uma biblioteca que é antiga)
           2b) A antiga biblioteca deixou saudades aos que a frequentavam.
                    ('antiga' no sentido de inexistente)

                   3a) Ele ajudou o homem pobre.
                                                  ('pobre' no sentido de humilde, necessitado - um homem que é pobre)
          3b) Ele ajudou o pobre homem.
                                     (´pobre' no sentido de coitado, infeliz, independentemente de até poder ser rico)

         Em 2b e 3b há, portanto, sentidos derivados em jogo (por efeitos conotativos e/ou modalizados) como, aliás, se pode verificar no azulejo à direita, na segunda ocorrência de 'rica'. Ao sentido denotativo de 'mãe rica', numa realização restritiva, contrapõe-se o modalizado (afetivamente marcado) de 'rica mãe', numa ocorrência não restritiva e numa anteposição que explora dimensões significativas múltiplas (nomeadamente, as mais expressivas, irónicas ou qualitativamente orientadas).
    Sem vírgulas, estas realizações são também não restritivas, uma vez que não restringem, particularizam a referência nominal; antes a modalizam, salientam qualitativamente uma propriedade na subjetividade da avaliação, avaliação ou depreciação.

         Entre uma questão difícil (objetiva, restritiva e denotativamente encarada) e uma difícil questão (subjetiva, não restritiva e conotativamente marcada), fico-me por esta resposta, sem adjetivação, para não complicar mais a situação.

domingo, 15 de maio de 2016

Parábola!

   Acho que já escrevi isto várias vezes: qualquer semelhança com a realidade não é pura coincidência.

    É verdade que a ficção ultrapassa a própria realidade. O problema maior é quando ela nos faz lembrar esta última, não nos libertando do que de mais real existe.
     Transcrevo o texto, tal como me apareceu, sem tirar nem pôr, como diz o povo, sempre que quer atestar a validade ou verdade dos factos. Estar escrito em português do Brasil só dá para concluir que há muitos mais a sentir o mesmo, e noutro continente. Nisso, nem o oceano nem a língua nos separam.

     "Todos os dias, uma formiga chegava cedinho ao escritório e pegava duro no trabalho. A formiga era produtiva e feliz.
    O gerente marimbondo estranhou a formiga trabalhar sem supervisão. Se ela era produtiva sem supervisão, seria ainda mais se fosse supervisionada. E colocou uma barata, que preparava belíssimos relatórios e tinha muita experiência, como supervisora.
    A primeira preocupação da barata foi a de padronizar o horário de entrada e saída da formiga. Logo, a barata precisou de uma secretária para ajudar a preparar os relatórios e contratou também uma aranha para organizar os arquivos e controlar as ligações telefônicas.
  O marimbondo ficou encantado com os relatórios da barata e pediu também gráficos com indicadores e análise das tendências que eram mostradas em reuniões. A barata, então, contratou uma mosca, e comprou um computador com impressora colorida. Logo, a formiga produtiva e feliz, começou a se lamentar de toda aquela movimentação de papéis e reuniões!
   O marimbondo concluiu que era o momento de criar a função de gestor para a área onde a formiga produtiva e feliz, trabalhava. O cargo foi dado a uma cigarra, que mandou colocar carpete no seu escritório e comprar uma cadeira especial... A nova gestora cigarra logo precisou de um computador e de uma assistente a pulga (sua assistente na empresa anterior) para ajudá-la a preparar um plano estratégico de melhorias e um controle do orçamento para a área onde trabalhava a formiga, que já não cantarolava mais e cada dia se tornava mais chateada.
     A cigarra, então, convenceu o gerente marimbondo, que era preciso fazer uma pesquisa de clima. Mas, o marimbondo, ao rever as finanças, se deu conta de que a unidade na qual a formiga trabalhava já não rendia como antes e contratou a coruja, uma prestigiada consultora, muito famosa, para que fizesse um diagnóstico da situação. A coruja permaneceu três meses nos escritórios e emitiu um volumoso relatório, com vários volumes que concluía: Há muita gente nesta empresa!
     E adivinha quem o marimbondo mandou demitir? 
    A formiga, claro, porque ela andava muito desmotivada e aborrecida." 

   De autor desconhecido, esta parábola (ironicamente intitulada da demissão da formiga desmotivada) tem muito que se lhe diga nestes tempos de multiplicação de tarefas, sobrecarga de trabalhos, retórica de dispositivos e procedimentos que em nada promovem a pretensa eficiência (e muito menos a eficácia) das organizações. Na ânsia de tudo se fazer, tudo acontece e pouco ou nada se muda. Uma coisa é estar ocupado; outra, ser produtivo.
    Quando o propósito é mostrar que se faz, sem se agir com vista a um foco ou à abordagem de uma questão crítica específica, é natural que a desmotivação e o desinteresse surjam e o sentido das coisas se perca.

     Estou como a formiga, a desejar ser maribondo (vespa) ou cigarra. Isto deve ser porque amanhã é segunda-feira!

sábado, 14 de maio de 2016

Desconcerto(s) do(s) tempo(s)

     Camões tratou o tema do desconcerto do mundo na sua poesia. E lá teria as suas razões para o fazer.

      Talvez muito pouco tenha mudado desde aí, no que ao tema diz respeito.
     Continuam os "bons" a passar "grandes tormentos"; os outros a viver um mar de contentamentos. Nada de extraordinário, por certo, pois, na cadência da vida, sempre houve quem quis marcar um ritmo - desarmónico - e compor sinfonias - patéticas, por certo, porque a destempo, sem sentido e causadoras de algum sofrimento (para os ouvidos, e não só). Para mim, a música é outra, sempre mais voltada para o prazer melodioso que a cantiga do tempo me possa dar.
   Escreve o nosso poeta quinhentista que "Correm turvas as águas deste rio", metaforicamente sugerindo o curso da própria vida. E eis senão quando, ao ler o verso "Passou o verão, passou o ardente estio", uma nota explicativa de um manual de Português aponta para o significado de "estio" como sendo a primavera!!!!! Querem ver que a época estival passou a ser primaveril?! Espantoso!
  Muito recentemente, num programa televisivo, também houve quem quisesse mudar o sentido e a forma da palavra, paronimicamente associando 'estio' a 'estilo' e recriando um provérbio - que deixava de ser 'Dezembro frio, calor no estio' para passar a ter mais... estilo (* "Dezembro frio, calor no estilo"). Ora, agora, confronto-me com o manual a assumir que 'estio' é primavera. Consultando um dicionário (o Dicionário de Português da Priberam, por exemplo), lê-se que se trata da estação do ano intermédia à primavera e ao outono; noutro (Dicionário Online de Português), refere-se o verão, o tempo quente e seco ou, figurativamente, a idade madura (o estio da vida); um outro ainda (Infopédia - Dicionários Porto Editora), indica-se o verão e o calor. Fico-me pelos mais imediatamente acessíveis, sem desconsiderar a aprendizagem que há muitos anos recebi (na denominada 'escola primária', dos meus tempos). Ainda, assim, perante o insólito, fui confirmar o já sabido. É sempre preferível a deixar-me levar por certezas infundadas. Conclusão: era melhor que não se fizessem notas explicativas aos textos, quando particularmente elas induzem em erro e, portanto, nada esclarecem.
    Voltando ao citado texto camoniano, "Tem o tempo sua ordem já sabida; /o mundo, não". Concordo com o poeta quanto ao mundo. Do tempo, nem sei que diga, ainda que Camões não devesse saber que há quem queira, nestes tempos, ensinar a desordem do próprio tempo. Lá (não) terá (as suas) razão (ões) para tal!

       Em tempos de primavera a anunciar um estio, ora com dias de sol ora com a ameaçadora chuva, nem a primeira parece já o que foi; nem o segundo já querem que o seja.
       

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Coincidências...

     Isto de o 13 de maio ser a uma sexta-feira resulta estranho, no mínimo.

    Quando se celebra a primeira aparição de Nossa Senhora de Fátima, em 1917, sobre uma azinheira da Cova da Iria, aos pastorinhos (Lúcia dos Santos, Francisco e Jacinta Marto), tudo inspira uma questão de religiosa e respeitosa fé... exceto o facto de, neste ano, o dia coincidir com uma sexta-feira 13.
    Em tempos de tão propagado "milagre do sol" (há fiéis que, há cerca de uma semana, afirmam e descrevem um clarão mais intenso do que o sol, a piscar e girar velozmente, no momento em que a Imagem Peregrina da santa deixa a igreja matriz de Ourém), esta sexta-feira 13 até parece profanação: é a história do milagre português a par de um episódio da Igreja com um Papa e um rei francês (Clemente V e Filipe IV, respetivamente) envolvidos numa maquiavelice e num pacto de contornos muito suspeitos - tanto para eles como para uma ordem religiosa (Templários) que parece ter usado e abusado do poder recebido; é juntar uma santa à bruxaria de Friga (conforme o cristianismo a ditou).
     Estas coincidências parecem sacrílegas. No meio de tanta alvura e intensidade de luz sagrada, o dia também se cumpre com o que de mais pagão e gentio tem a lembrar - como se entre Deus e o Diabo houvesse interseções que escapam à perceção humana, mais preocupada em ver gatos pretos heréticos (tal como Inocêncio VIII, no século XV, os fez constar nas listas do Index inquisitorial) do que felinos de espírito amigável, sociável e identificáveis numa extensão do próprio Homem.
     No discorrer destes pensamentos, outros dois se cruzam:
      - o do autor de Memorial do Convento (1982), entre muitos outros romances;


         - o de uma personagem do mesmo romance, que falou, por certo, como o narrador-autor quis.














 Sábios pensamentos estes, nomeadamente o de Deus que nos visita pelas ações que possamos fazer "cá" - mais do que estarmos preocupados em o ver "lá", nesse campo desconhecido, sem que o melhor seja feito naquele (em) que todos (vi)vemos.

     Fica a hipótese de, para algum azar, hoje poder haver um milagre, como se destas dimensões tão antagonicamente encaradas não resultasse uma complementaridade tão comum quanto a morte e a vida, a tragédia e a comédia, o mal e o bem, o preto e o branco, perder e ganhar. 

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Questões do 'além' a ficar muito 'aquém'

    Vamos lá compor as coisas...

     Depois de um apontamento sobre a composição de palavras, surge nova pergunta.

    Q: "Além-mar" é derivada ou composta? Eu considero composta, porque não aceito que "além" seja um prefixo, mas já a tenho encontrado como derivada por prefixação.

     R: Sendo 'além' um advérbio e havendo, com alguma recorrência, palavras compostas formadas por um primeiro constituinte pertencente a essa classe (ex.: abaixo-assinado, bem-vindo, bem-querer, mal-estar, mal-humorado, não-agressão), 'além-mar' é, naturalmente, uma  palavra composta morfossintaticamente. Nela estão associadas duas bases (palavras), ambas com existência autónoma ('além' e 'mar'), sendo a primeira um constituinte da composição com acentuação própria (daí a hifenização).        
       Não vejo o que possa estar em jogo na eventual classi-ficação de 'além' como prefixo (e não o é), a ponto de (erradamente) já alguém ter consi-derado 'além-mar' como derivada por prefixação - mesmo considerando alguns casos críticos que possam ser adian-tados no que Celso Cunha e Lindley Cintra designavam como 'pseudo-prefixos' no âmbito da recomposição (com a deriva ou evolução semântica de termos segmentados, como 'auto' em 'automóvel' - o que não sucede com o termo 'além').
    'Além-fronteiras', 'além-mar', 'além-mundo', 'além-túmulo' são exemplos claros de palavras compostas morfossintáticas.

      Para não ir mais além, fico-me 'aquém', só para dar conta de mais um elemento de composição em palavras como 'aquém-mar', 'aquém-fronteiras'.

sábado, 7 de maio de 2016

Nódoa(s)!

      Nem sei se será o melhor pano, mas a nódoa está lá.

    Na discussão atual do financiamento dos colégios e das escolas particulares pelo Estado, os partidos da oposição têm vindo a reagir, de diversas formas, com os argumentos mais impensáveis (sempre orientados para a preservação de uma situação que já foi mais do que alertada e publicamente apontada como dúbia, polémica e adversa). Há mesmo os que "exigem" o respeito dos contratos de associação. Se exigissem respeito por todos e não apenas por alguns, o mundo seria bem melhor, com igualdades menos injustas e com associações mais felizes ao serviço público, sem necessidade de contratos injustos. Pagar com dinheiro público a sobrevivência ou manutenção do ensino privado é, no mínimo, perverso, inclusive na adução, a todo o custo, de um direito de liberdade que só pode ser entendido na radicalidade do seu uso minoritário, seletivo e excessivo. 
     Daí que sejam mais do que oportunos os jogos de palavras a espelhar uma realidade bem iníqua:


     Não quero com isto dizer que sou contra o ensino privado (nalguns casos, muito pontuais, a constituir a única oferta educativa disponível de algumas localidades) ou, como alguém já o defendeu, que, graças a ele, os ricos conseguem entrar nas universidades públicas, enquanto os pobres andam na escola pública para serem empurrados para as universidades privadas - felizmente, a escola pública tem representantes de todas as condições sociais, algo bem típico da heterogeneidade social que a vida dá a (vi)ver; as competências destes são avaliadas e reconhecidas pelo ensino superior público como de maior preparação para a prossecução de estudos académicos (a julgar por algumas notícias lidas nos jornais), e algumas vezes contrariando determinismos sociológicos que teimam em perdurar; muitos ainda são os estudantes que entram na universidade pública e que do ensino público são oriundos, por princípio, sem práticas assumidas de evidente exclusão ou seleção. Por isto, sou dos que se revê na(s) qualidade(s) da escola pública, não obstante alguma que o privado também possa ter. E se a tem, que seja pago por isso e por quem o quer; não pelo Estado, que, desde há muitos anos, vem financiando turmas de alunos que bem podem caber numa escola pública, para não falar da concessão de algumas autonomias na gestão de recursos que o Estado impede ou dificulta ao sistema público - contrariamente ao privado que as tem asseguradas e delas faz bandeira. Assim, este último que se faça pagar, a bem da categorização adjetiva que tem e da liberdade daqueles que nela queiram investir com o dinheiro que a escola pública não tem.
    Nesta medida, muito me espanta que ainda haja quem, a todo o custo e como princípio geral, dê a cara pelo indefensável. Pior ainda quando o moreno da figura feminina não condiz com a preocupação social, argumentada do modo mais infeliz: primeiro, porque uma maior procura da escola pública não deixaria de representar maior necessidade de recursos, com oportunidades de emprego mais ajustadas às condições contratuais do serviço público (pode não dar para o ouro, para as pérolas ou para o solário, mas também não se pecará por alguns ou outros excessos); segundo, porque, contrariamente ao escrito, o que pode estar em causa nunca serão as pessoas, as profissões por elas exercidas ou o estatuto em que se encontram (por mais retórica que a formulação seja, para referir implicitamente os postos de trabalho ou a quantidade de matrículas), até porque todas elas têm de valer bem mais do que qualquer número (que, por sua vez, nada diz sobre o que o caracteriza ou sobre as condições concretas da sua existência); terceiro - e apetece-me dizê-lo à moda inglesa "the last but not the least"-, porque se usa uma só vírgula a separar o sujeito do predicado da frase, bem reveladora do desconhecimento quanto ao emprego deste sinal de pontuação (na variação que o uso de vírgula possa ter, está em evidência uma das poucas incorreções da língua, grave no que à pontuação diz respeito).

     Coisa(s) tão escusada(s)! Se no melhor (?) pano cai a nódoa, é bom que os serviços de limpeza atuem de forma eficaz (se é que me entendem)! Assim espero.

terça-feira, 3 de maio de 2016

Questões de território

    Não se trata nada de conquistas territoriais; antes, da sua especificação gramatical.

    Logo de manhã começa o dia.

   Q: Olá, Vítor. Diz-me, por favor, se o nome "território" pede complemento do nome ou modificador do nome restritivo.


 R: O termo 'território' não se encontra na tipolo-gia de nomes que seleciona comple-mentos. Neste senti-do, a sua especifi-cação é construída pelo recurso a estruturas que fun-cionarão como modificadores do nome (restritivo ou não restritivo, conforme a construção de referência) .
 Atentando nos segmentos sublinhados nos exemplos seguintes, é possível encontrar sequências representativas de modificadores do nome restritivos (i) e não restritivos (ii):

   i) É preciso marcar o território (que se encontra) sob tutela do estado.
      O território suíço encontra-se dividido em vários cantões linguísticos.
      Há territórios inóspitos à dignidade humana.
    Para além do território terrestre, há quem pretenda dominar o território marítimo e o aéreo.

   ii) Os territórios planetários - terrestre, marítimo e aéreo - têm sido objeto de múltiplas conquistas.
       Cada vez mais se fala de um território, virtual, que ninguém tem e a todos pertence.

        Espero ter ajudado.

      Avancemos para outros territórios!
       

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Eu não digo! Chamou, virgulou.

    Estou sempre a dizer isto, na chamada de atenção para a correção escrita em termos de pontuação.

    Entre os poucos sítios em que a vírgula se impõe, o do vocativo é fundamental.
  Bem digo aos alunos: "Chamou, virgulou". Ainda assim, também pode ser "Virgulou, chamou" ou "Virgulou, chamou, virgulou" - tudo dependente do sítio onde se encontra a sequência do chamamento (no início, no final ou no meio de um enunciado).
    Desconsiderar isto pode representar a afirmação da prática de canibalismo:


     Pode também significar o uso desnaturado da língua escrita ou a razão para eu não dar atenção aos vizinhos, que me possam estar a chamar - depois de saudar -, sem eu dar por isso (é que falta a vírgula, entre 'olá' e 'vizinho', ora pois então!):

Anúncio e cumprimento na abertura do Continente em Espinho (foto VO)

    Isto para não falar no clássico erro do serviço público televisivo da RTP1, com as notícias da manhã. Muda-se a imagem do canal e do programa, mas mantém-se o lamentável erro de há anos:

Imagem de abertura do programa noticioso da manhã na RTP1
 
    Custa colocar uma vírgula, depois da saudação e antes de 'Portugal'?! O que não custará contribuir para a generalização da ignorância! 

    Já era tempo de aprender que, no escrito, a vírgula é uma das marcas do vocativo.