Diz o jornalista que o Sr. primeiro ministro afirmou que só na poesia é que basta Deus querer para a obra nascer.
A citação, feita por José Rodrigues dos Santos, evocando o discurso de António Costa, é redutora e incompleta. Basta ouvir o restante apontamento noticioso televisivo (Telejornal da RTP1, pelas 20:40-20:42) para confirmar como o governante foi bem mais completo na tradução do pensamento pessoano: "Só na poesia é que basta Deus querer, o homem sonhar e a obra aparecer".
Pessoa-Poesia-PRR: relações que a (ir)realidade tece no Telejornal da RTP 1 (Foto VO)
Sem necessidade de precisar arquitetos e empreiteiros implicados na obra (faltaram os trolhas, sem cujas mãos nada passa a existir), diria que o discurso ministerial foi mais feliz na tríade plasmada em verso famoso. Embora "aparecer" esteja mais para "nascer" (tal como o jornalista apresentou e o poeta modernista o concebeu - "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce"), a obra talvez não seja tão concreta como o governante a quer fazer passar, ao referir-se à construção de uma estrutura residencial para idosos (a Unidade Social Da Cruz Vermelha da Portela). Pessoa estava mais para algo da ordem do espiritual, do imaterial, do idealizado, do inconsciente. A materialidade e o real eram enleio para o poeta que nos deixou uma "Mensagem": a de que "falta cumprir-se Portugal!" (cumprido o Mar e desfeito que foi o Império geográfico, histórico, material) e, por isso, indiretamente se subentende o convite ao "Cumpra-se!".
Entre jornalismo e governação, fico-me pela literatura, pela poesia, por ser libertadora de enredos e enleios de uma realidade que vai deixando a desejar, não obstante a pluralidade de cores esbatidas, pálidas para o bem humano.
Isto de misturar poesia com obras concretas (de cimento, mesmo), PRR e reações a discursos políticos tem muito pouco que se lhe diga. E do jornalismo redutor, incompleto e condicionador mais vale nem falar.
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