segunda-feira, 7 de março de 2011

Quando parece igual...

     Apetecia-me dizer "Atrás de mim virá quem te ensinará", mas é melhor justificar o que eu ganho. E a questão é irrecusável (pela questão e por quem a formula).

     Por isso, vou-me e dou-me ao trabalho (... trabalho e mais trabalho). Por que razão me lembrei eu disto?!

  Q: Olá, professor! Tenho uma dúvida... Qual a diferença, se houver, entre "experienciar" e "experimentar"? Segundo o dicionário online da Língua Portuguesa, pelo que percebi, não há grande diferença. Obrigada! Continuação de umas óptimas "férias" !

      R: Prezadíssima aluna, que felicidade! Uma dúvida! Eu tenho tantas... Vamos lá ver se (me) saio bem desta.
      No geral, diria que o que foi concluído da consulta faz sentido. O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa assume mesmo que 'experienciar' é o mesmo que 'experimentar'; outros tomam o primeiro termo como uma das acepções a contemplar no segundo.
      Todavia, no que toca à sinonímia, esta última não é perfeita nem total. Há frases em que a permuta dos vocábulos resulta bem:
      i) Experienciei uma sensação única na viagem a Itália.      
      ii) Experimentei uma sensação única na viagem a Itália.
         O mesmo não sucede noutros casos:
     iii) Experimentei um fato novo [mas * Experienciei um fato novo]
     iv) Experimentei as chaves todas e a porta não abriu [mas *Experienciei as chaves...]
     Assim, parece que 'experienciar' é um termo que combina melhor com palavras tendencialmente abstractas (ex.: sensação), enquanto 'experimentar' apresenta um leque mais abrangente de sentidos, combinatórias (nomeadamente com vocábulos de significado mais concreto).
     Outras diferenças residem mais em aspectos etimológicos e morfológicos. 'Experimentar' provém do termo latino 'experimentāre' (que sofreu evoluções, ainda que poucas, em termos sonoros e articulatórios), enquanto 'experienciar' é um verbo formado a partir de 'experiência' (por derivação com sufixação).
      Em suma, digo que se 'experimenta' um prato, uma comida e se 'experiencia' a sensação (agradável ou não) desse prato, dessa comida. 'Experienciar' está para o abstracto como para a vida, as sensações, os sentimentos; 'experimentar' cabe em situações de testagem, experiência, uso, ensaio, prova, comida e bebida, passagem, com noções tanto concretas como abstractas.
     (E deseja-me "boas férias" - e óptimas! Porquê? Onde? Quando? Como? Quem? Que eu saiba, só houve pausa lectiva - expressão, aliás, ambígua, porque a pausa que houve na actividade lectiva - o que me fez não ter de ir à escola - não deixou de ser uma pausa lectiva; ou seja, pausa para continuar a ensinar. Eis a prova - aqui está ela.)
      Espero ter sido esclarecedor.

     Qualquer dia começo a dar razão a quem já defendeu que não era necessário haver salas de aulas (Cala-te boca, para não dares ideias, e acabarem por descobrir que as escolas novas que estão a construir não são precisas. Ai! Não penses, não fales, não escrevas!). 

2 comentários:

  1. Caro professor,
    Muitíssimo obrigada! Não há nada como uma boa explicação de um bom entendedor ;D Quanto às "férias", no meio de tanto trabalho, há que dar nomes bonitos e que trazem boas recordações às coisas! Faltam exactamente 22 dias úteis para as ditas cujas e a emoção já me contagia (mas só de pensar no que depois se avizinha, lá se vai o entusiasmo). Concordo consigo, parece-me que as aulas via net vão estar na moda daqui a pouco tempo ;) Beijinhos, e mais uma vez agradeço. P.S.: Dúvidas tenho-as aos molhos, feliz ou infelizmente! =P

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  2. Sempre às ordens.
    Se Descartes, em vez de "Penso, logo existo", tivesse dito "Duvido, logo existo", daria algum sentido à procura, à busca, à aproximação. Assim o fez António Damásio, que, com 'O Erro de Descartes' e a dúvida criada pela máxima cartesiana, está a chegar ao 'Sinto, logo existo'.
    É da condição humana ter dúvidas (sinal de que também pensa e reage ao que pensa saber).
    Beijinhos.

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