sábado, 5 de março de 2011

Será o mito do eterno retorno?

     Talvez nunca se tenha falado tanto do Festival da Canção da RTP1, nos últimos tempos. Ainda bem!

     As reacções são de todo o tipo. 
    Já viste quem ganhou? O que é isto? Que figura é esta? Eles não desafinam? As interrogações dos mais velhos..., isto para não dar conta de outras apreciações que diziam não haver juízo, não ser assim que vamos ganhar (ainda há crentes!).
    As mensagens dos mais jovens - entre a ironia, a inconsciência e o espírito do inconformismo - vão desde o simples "Que lindo!", "Palhaços" e "Reis!" ao registo que marca uma vitória. 
    A minha teoria vai mais no sentido de todo um cenário recriado (o da manifestação que nunca é, por certo, afinada, ainda que todos pareçam ir na mesma direcção); de um espírito de luta (que é alegria); de um grito disfarçado de chalaça; de uma "pedrada no charco"; da queirosiana revolução de mentalidades, para reagir a uma "choldra ignóbil" que persiste (ou se reafirma) desde os finais do século XIX.
   A letra da canção tem de tudo, menos da inocência dos incautos. A par de uns famosos e conhecidos 'Deolinda', nos últimos tempos (de Geração Parva ou À Rasca), os 'Homens da Luta' em tudo me fizeram pensar e lembrar as cantigas de intervenção.
    Ecoaram, na minha mente, as palavras do Principal Sousa (um dos "reis do Rossio", do poder instituído que se vê ameaçado em Felizmente Há Luar!, de Luís de Sttau Monteiro):   "... o povo canta pelas ruas canções subversivas". Ou as de Miguel Forjaz (outro dos "reis"): "Os estados emotivos... dependem da música que se tem nos ouvidos". Até as do antigo soldado (um dos populares oprimidos): "Estas cantigas são inventadas / no regimento de Freire d'Andrade / São cantadas com o estilo / De lá ré ó liberdade".
    A "cantiga é uma arma", disse-o José Mário Branco. Para um contexto de ditadura (noite), a reacção melódica fez-se com várias canções e a várias vozes: a de Zeca Afonso, Sérgio Godinho, Paulo de Carvalho, Fernando Tordo e tantos outros que convocaram o espírito crítico, a liberdade e a "Madrugada" que um Duarte Mendes (um dos soldados de Abril) viria a celebrar. Para um contexto democrático (dia), outras vozes se fazem ouvir, no desconcerto que o presente faz (re)viver. Jel, na letra, e Vasco Duarte, na música, evocam o tempo dos cravos que trazem ao peito.

Final do Festival RTP da Canção - 2011

     A LUTA É ALEGRIA

Por vezes dás contigo desanimado
Por vezes dás contigo a desconfiar
Por vezes dás contigo sobressaltado
Por vezes dás contigo a desesperar

De noite ou de dia, a luta é alegria
E o povo avança é na rua a gritar

De pouco vale o cinto sempre apertado
De pouco vale andar a lamuriar
De pouco vale um ar sempre carregado
De pouco vale a raiva para te ajudar

De noite ou de dia, a luta é alegria
E o povo avança é na rua a gritar

E traz o pão e traz o queijo e traz o vinho
E vem o velho e vem o novo e o menino
E traz o pão e traz o queijo e traz o vinho
E vem o velho e vem o novo e o menino
Vem celebrar esta situação e vamos cantar contra a reacção
Vem celebrar esta situação e vamos cantar contra a reacção

E traz o pão e traz o queijo e traz o vinho
E vem o velho e vem o novo e o menino
E traz o pão e traz o queijo e traz o vinho
E vem o velho e vem o novo e o menino

Não falta quem te avise «toma cuidado»
Não falta quem te queira mandar calar
Não falta quem te deixe ressabiado
Não falta quem te venda o próprio ar

De noite ou de dia, a luta é alegria
E o povo avança é na rua a gritar

E traz o pão e traz o queijo e traz o vinho
E vem o velho e vem o novo e o menino
E traz o pão e traz o queijo e traz o vinho
E vem o velho e vem o novo e o menino

Vem celebrar esta situação e vamos cantar contra a reacção
Vem celebrar esta situação e vamos cantar contra a reacção
Vem celebrar esta situação e vamos cantar contra a reacção
Vem celebrar esta situação e vamos cantar contra a reacção

E traz o pão e traz o queijo e traz o vinho
E vem o velho e vem o novo e o menino
E traz o pão e traz o queijo e traz o vinho
E vem o velho e vem o novo e o menino
A luta continua


    Não me espanto se, daqui a uns tempos, alguém disser que este ritmo (entre o folclore, a marcha revolucionária e o corridinho de toque popular) foi o de uma canção que inspirou a mudança por muitos desejada (estão lá as figuras do campesinato, do soldado, do revolucionário, de um sugestivo "Zeca Afonso", de uma artista da moda que "dá nas vistas", do metalúrgico); que fez da luta alegria e um convite à acção - e que, para o bem e para o mal, se fará ouvir na Eurovisão.

     Mudar... sem rodar. Porque de rotativismo político também os finais do século XIX se marcaram. E o resultado não foi dos mais famosos para um país que "se perdeu".

Sem comentários:

Enviar um comentário