quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Religião tão natural...

     Em tempo de feriado que está para deixar de o ser (e poucos o notarão, por certo), recordo-me de uma escultura que fotografei há pouco tempo.

     Em plena Feira Medieval de Santa Maria, visitei o Museu-Convento dos Lóios - um espaço que exibe uma sala de pinturas de António Joaquim (feirense que doou à localidade alguma da sua obra nela inspirada), uma exposição sobre a arqueologia mais as artes e os ofícios locais, além de uma mostra com algumas informações do tempo e do rei a que a feira foi dedicada este ano (D. Sancho I).
    Num dos corredores, há um pequeno espaço destinado ao culto religioso. Lá figura uma pequena escultura, com a seguinte legenda:

"O divino feminino foi sempre a imagem sagrada associada à natureza, sinónimo de fertilidade, sabedoria, harmonia e beleza. Com o Cristianismo surge Maria, Mãe de Deus e dos homens, revelada como Imaculada Conceição, concebida em pureza por Sua Mãe Ana e sem mancha de pecado original."

      A imagem apresentada é a de Nossa Senhora, amparando Jesus, à esquerda, tendo Santa Ana, à direita, segurando os dons naturais dos frutos e do pão, alimento para o Homem no que este colhe da Natureza. Subsistem, no registo religioso cristão, os tópicos originais do sagrado feminino - o poder de produzir vida, o alicerce das religiões de outrora, pagãs, assentes num panteísmo que vê na Natureza e no feminino formas de expressão, simbologias (re)construídas e/ou apagadas com o tempo e pelas ideologias dominantes. Em todas, a tónica do feminino impõe-se, por contraposição à figura masculina que o imperador romano Constantino e os homens da Igreja Católica Cristã souberam, por razões de poder, sobrepor a expressões religiosas pagãs anteriores, cujos códigos ainda sobrevivem numa dimensão alegórica e metafórica que desafiam o Homem à interpretação e à (re)descoberta do que lhe é mais natural.
     A religião maior, a do Homem com a Natureza, a do respeito que ele mantém com a Terra - o lugar em que vive, e do qual deve cuidar -, por tão próxima que é, parece ser também progressivamente relativizada.
      Que dizer de uma data, de um dia, de um número a pretexto de, sabe-se lá, que razões económicas?
    
      Em dia da Assunção de Nossa Senhora (este ano ainda feriado, dedicado à condição divina da mãe de Jesus, à hora da morte consagrada e ressuscitada, no corpo e no espírito, para sua ascensão celestial) fica o apontamento para a perda de um direito humano; para a relativização a que é votada a qualidade de um divino feminino que, por certo, terá formas de expressão substantivas para nenhum governo poder minimizar.
      

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