Há quase um mês que o filme está em exibição e a sala estava cheia Fiquei pela segunda fila... da frente.
Pelos críticos, parece não haver razão para tal. Para portugueses, o facto de a banda sonora ter ficado a cargo de Rodrigo Leão é já motivo (mais do que) suficiente para assistir ao filme. Ainda há quem se renda à presença de Oprah Winfrey entre as atrizes. Prefiro uma história, um percurso de vida humana a par da História que tanto tem de oficial como de (re)construção. O argumento não escapa a uma visão típica do "American Dream", não o do "Go West", mas o de uma espécie de realização ("fulfilment") dos desejos humanos expressa desde a Declaração da Independência (1776): "We hold these truths to be elf-evident, that all men are created equal, that they are endowed by their creator with certain unalienable rights, that among these are life, liberty and pursuit of happiness". Todavia, nesta linha de consenso (por mais mítico, ritualizado e retórico que seja) visiona-se o percurso de um herói, nas suas qualidades e nos seus defeitos, a par do fio condutor de uma História (a da América) que muito teve e tem de crítico.
Nascido numa plantação de algodão da Georgia, Cecil Gaines (Forest Whitaker) vive o período de um regime esclavagista que teima em resistir na história americana e que marca a década de vinte do século passado. Abençoado pela proteção que lhe dão (desde a matriarca do patrão branco aos negros com que se cruza na sua fuga para a cidade), Cecil assiste à morte do pai, à loucura da própria mãe, à morte de um filho, à afirmação rebelde de um outro. Recomendado para servir os brancos nos mais luxuosos espaços, acaba por ser contratado para servir na "White House" como mordomo. Competente, de personalidade afável e atento àqueles que serve, encontrou aí a estratégia para sobreviver numa sociedade e num mundo que maltrataram, perseguiram e eliminaram muitos da sua cor. De Dwight D. Eisenhower (década de 50) a Ronald Reagan (finais da de oitenta), assiste a tudo o que lhe é dado a viver na consciência clara do que é a cara do dever e a sobrevivência da sua própria face. Num inconformismo velado (demasiado para alguns), assim rouba um sorriso aos seus clientes e a todos aqueles a quem serve; conquista a felicidade que nunca sonhara ter; luta pacificamente pelo sentido de igualdade (para si e para os seus) a todo o tempo ameaçado.
Depois de reformado, de ter perdido a mulher (Glória, representada por Oprah Winfrey) e o filho mais novo (Charlie, por Elijah Kelley), vive a realização do dever (bem) cumprido; a reconciliação com o filho mais velho (Louis, por David Oyelowo); a ascensão de um presidente de cor à república do seu país (Barak Obama).
Dos movimentos racistas do Ku Klux Klan às reações dos "Panteras Negras", dos apoios à supremacia da raça branca à afirmação cultural do "Black Power", das histórias e das relações com vários presidentes aos episódios de família, da condição de servir à de ser servido, das memórias que o limitam à discreta esperança que o motiva, tudo trata o filme, com Cecil a resistir, a manter-se na integridade e nas convicções que lhe permitem, no final, caminhar pelos corredores que bem conhece.
Numa realização de Lee Daniels, "O Mordomo" inspirou-se no artigo "A Butler Well Served by This Election", da autoria de Wil Haygood (publicado, em 2008, no "Washington Post") e na verdadeira história de Eugenne Allen. Pelo exemplo de vida, pelo retrato da História e pelo sentido de equilíbrio que perpassa nos vícios e nas virtudes do tempo e das pessoas representdas, vale a pena ver esta película.
Sem comentários:
Enviar um comentário