segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Ramos Rosa

        Dia de morte para a poesia, em particular, e a literatura portuguesa, em geral.

     Aos oitenta e oito anos, António Ramos Rosa reescreveu, pela última vez, um dos seus mais emblemáticos versos. Mais do que falar da sua morte (que marca o dia de hoje), parece que o poeta quis afirmar a vida e o que de virtuoso ela tem. Na sua fecunda produção poética, há sol quanto baste para se poder dizer, citando-o, que...

Imagem do poeta num desenho a grafite de Helder de Carvalho

Estou vivo e escrevo sol

Eu escrevo versos ao meio-dia 
e a morte ao sol é uma cabeleira 
que passa em fios frescos sobre a minha cara de vivo 
Estou vivo e escrevo sol 
Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam 
no vazio fresco 
é porque aboli todas as mentiras 
e não sou mais que este momento puro 
a coincidência perfeita 
no acto de escrever e sol 
A vertigem única da verdade em riste 
a nulidade de todas as próximas paragens 
navego para o cimo 
tombo na claridade simples 
e os objectos atiram suas faces 
e na minha língua o sol trepida 
Melhor que beber vinho é mais claro 
ser no olhar o próprio olhar 
a maraviha é este espaço aberto 
a rua 
um grito 
a grande toalha do silêncio verde

in Estou Vivo E Escrevo Sol (1966)

       No confronto do silêncio e da palavra, o rumo poético faz-se na busca da felicidade, rimada com a verdade e a cor da esperança. 

         Este é o maior legado de quem fez da poesia e do desenho expressões para um sentido de vida composto de imagens e gestos criados na leveza, no desprendimento e na liberdade de um espírito aberto e atento a "cada árvore (...) um ser para ser em nós" e que não podia "adiar o amor para outro século" nem podia " adiar o coração".

2 comentários:

  1. «A coincidência perfeita: ser no olhar o próprio olhar»... E depois há o de Hélder de Carvalho, o escultor que, para mim. sempre mais se cumpriu como retratista: um bom amigo meu, que me chegou de Ansiães, Carrazeda de, por casar com a irmã de um dos meus maiores amigos, este que foi levado recentemente pela mão dos anjos até ao Paraíso... Pelos excessos de sexo, drogas e rock and roll,

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    1. Há claridades e transparências, o sentido puro das coisas que desarmam o leitor. Ramos Rosa conseguia isso. Nele parece não existir excesso(s). Talvez por isso consiga estar vivo e escrever sol.

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