Dia de morte para a poesia, em particular, e a literatura portuguesa, em geral.
Aos oitenta e oito anos, António Ramos Rosa reescreveu, pela última vez, um dos seus mais emblemáticos versos. Mais do que falar da sua morte (que marca o dia de hoje), parece que o poeta quis afirmar a vida e o que de virtuoso ela tem. Na sua fecunda produção poética, há sol quanto baste para se poder dizer, citando-o, que...
Estou vivo e escrevo sol
Eu escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em fios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol
Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol
A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida
Melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maraviha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde
in Estou Vivo E Escrevo Sol (1966)
No confronto do silêncio e da palavra, o rumo poético faz-se na busca da felicidade, rimada com a verdade e a cor da esperança.
Este é o maior legado de quem fez da poesia e do desenho expressões para um sentido de vida composto de imagens e gestos criados na leveza, no desprendimento e na liberdade de um espírito aberto e atento a "cada árvore (...) um ser para ser em nós" e que não podia "adiar o amor para outro século" nem podia " adiar o coração".
«A coincidência perfeita: ser no olhar o próprio olhar»... E depois há o de Hélder de Carvalho, o escultor que, para mim. sempre mais se cumpriu como retratista: um bom amigo meu, que me chegou de Ansiães, Carrazeda de, por casar com a irmã de um dos meus maiores amigos, este que foi levado recentemente pela mão dos anjos até ao Paraíso... Pelos excessos de sexo, drogas e rock and roll,
ResponderEliminarHá claridades e transparências, o sentido puro das coisas que desarmam o leitor. Ramos Rosa conseguia isso. Nele parece não existir excesso(s). Talvez por isso consiga estar vivo e escrever sol.
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